• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.1. ESPECIFICIDADES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

2.1.2 Universalidade e a identidade própria da assistência social

Embora a palavra “universal” esteja relacionada ao que se estende a tudo ou a todos e que tem o caráter de generalidade absoluta, devendo ser aplicável a todos os indivíduos indistintamente, não será aqui usada com esse sentido.

O sistema da seguridade social é universalista, ou seja, o Estado garantirá a todos um mínimo indispensável a uma vida digna. Nesse sentido, ao conjunto da proteção social formada pela previdência social, assistência social e saúde, ou seja, o sistema da seguridade social deve propiciar escolhas, que permitam atingir esses objetivos.

Já foi exposto nos princípios da seguridade social, que a universalidade implicará em duas vertentes: a universalidade de cobertura e a universalidade do atendimento. As situações de risco ou as situações de vida que serão protegidas foram disciplinadas na LOAS, em obediência ao comando prescrito na Constituição Federal. Da mesma forma a universalidade do atendimento, permite que as pessoas mais necessitadas, possam perceber um valor determinado, de modo a terem um mínimo necessário à sua existência.

O constituinte elegeu as vulnerabilidades que deverá nortear toda a estruturação da assistência social. O sistema deverá amparar a família, a maternidade, a infância, a adolescência, a velhice, bem como as pessoas com deficiência.

O tipo de necessidade e a natureza serão objetos de investigação; analisa-se se a necessidade impede que o cidadão produza o seu próprio alimento pelo trabalho, avalia-se a renda per capita do indivíduo e de sua família e, mesmo percebendo uma renda pessoal ou familiar pequena, alguns benefícios somente poderão ser contemplados, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada, para aqueles que perceberem, por exemplo, até ¼ do valor do salário mínimo.

Em um primeiro momento serão protegidos aqueles que não tenham a proteção da previdência social. Para esses a assistência será prestada, se preenchidos os requisitos legais e mediante requerimento próprio. Assim, embora preceituado, de forma ampla pelo texto constitucional – a quem dela necessitar – na

64 realidade, o seu conteúdo será direcionado a situações de vulnerabilidade, em consonância ao princípio da seletividade.

Portanto ela será prestada por exclusão, de forma residual. Essa prática já foi prevista por Lorde Beverigde, em seu relatório de 1942, aplicado na Inglaterra. Alertava em suas conclusões para a seguridade social inglesa, que a assistência social devia ser menos desejável do que o seguro, pois, se assim não fosse, nada lucrariam os segurados com as suas contribuições.169

Para exemplificar vamos citar o Benefício de Prestação Continuada previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pela LOAS, em seu art. 20, que demonstra claramente o preceituado acima. O legislador elegeu apenas para a percepção do benefício as pessoas com deficiência e os idosos, com 65 anos ou mais, desde que comprovem, não possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.

A assistência social brasileira foi sedimentada em dois pilares que coexistem, mas não se excluem que são: rentabilidade econômica e atendimento às necessidades sociais. O primeiro está fundado no trabalho e, por consequência, quem não for contribuinte da previdência e estiver em necessidade, poderá ser detentor do auxílio assistencial. E o segundo está voltado para a lógica do atendimento às necessidades sociais. Nessa perspectiva, a assistência social deve impor limites à lógica da rentabilidade econômica e vice-versa. Com esses dois pilares, se afastam aquelas interpretações simplistas, que a vêem apenas como ação limitada dirigida aos pobres, passando para campo do direito.170

Com isso queremos dizer que a proteção, dada pela assistência social, deve abranger também, situações que independem de trabalho, como vivência familiar, drogadição, criminalidade, violência familiar ou abandono, perdas das relações familiares situações essas que podem envolver crianças, jovens e

___________________________________________________________________ 169

BEVERIGDE, William. O plano Beveridge – Relatório sobre o seguro social e serviços afins. Trad. Almir de Andrade. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1943, p. 219.

170BOSCHETTI, Ivanete. Seguridade Social e Trabalho – Paradoxos na Construção das Políticas de Previdência e Assistência Social no Brasil. Brasília: LetrasLivres: UnB, 2006, p.188.

65 adolescentes, que necessitarão de abrigo e novo convívio familiar, bem como famílias, prioritariamente pela ordem pública, quanto pela ordem privada.171

A reconstrução de vínculos familiares ou comunitários independe do da rentabilidade econômica. As políticas assistenciais públicas, nesse aspecto, devem atacar as causas da desestruturação familiar, para permitir que as pessoas enfrentem as situações, principalmente se a desagregação é oriunda de violência, sempre voltados para o restabelecimento dessas relações sociais e familiares. A assistência não garante apenas a segurança da sobrevivência, que virá com programas de transferência de renda, mas garante também a segurança da acolhida e assegura o direito à convivência familiar e comunitária172

.

Assim, quando o assistido não estiver inserido no mercado de trabalho, a proteção social conferida pela assistência social será aplicada de modo residual ou complementar. Mas nas outras situações expostas acima, será competência da assistência social, atuar nas relações sócio-afetivas de modo específico, buscando as soluções mais propícias a cada caso.

Ainda competirá a análise, por meio da vigilância socioassistencial, da capacidade protetiva das famílias, com o objetivo de prevenir as situações de risco e vulnerabilidade social, vitimizações, danos ou ameaças. Por último, poderá atuar na defesa de direitos, de modo a garantir o pleno acesso dos direitos assistenciais àqueles que deles necessitem.

Dessa forma podemos afirmar que a assistência social ganhou uma identidade própria, que não se confunde com a da previdência e nem com a da saúde, com características bem específicas.

___________________________________________________________________ 171Essa proteção está inserta no Artigo 10 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do qual o Brasil é signatário.

172

Art. 24-A da LOAS: Fica instituído o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que integra a proteção social básica e consiste na oferta de ações e serviços socioassistenciais de prestação continuada, nos CRAS, por meio do trabalho social com famílias em situação de vulnerabilidade social, com o objetivo de prevenir o rompimento dos vínculos familiares e a violência no âmbito de suas relações, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária.

Art. 24-B. Fica instituído o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), que integra a proteção social especial e consiste no apoio, orientação e acompanhamento a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos, articulando os serviços socioassistenciais com as diversas políticas públicas e com órgãos do sistema de garantia de direitos.

66

2.1.3 A falta de discricionariedade na atribuição dos benefícios