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Foto 5 – Uma das Famílias Entrevistadas

4.3 Produção, Renda e Relação do Produtor com a Terra

4.3.6 Assistência técnica

A extensão rural em Caucaia é prestada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Ceará (EMATERCE). A empresa, fundada em 1954, com o nome de Assessoria Nordestina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR), tem a atual denominação desde 1976. Possui 71 escritórios locais que atendem a 181 do total de 184 municípios cearenses49.

O escritório local de Caucaia é dotado de excelente quadro de engenheiros agrônomos e de técnicos, em sua maioria movidos não apenas pelas tarefas que lhes são atribuídas e exigidas, mas, principalmente, pela afinidade com o ambiente rural e os ideais que os conduziram à profissão. Essa impressão que tenho daqueles técnicos não é apenas em decorrência das entrevistas realizadas, mas, sobretudo, pela convivência de trabalho de mais de dois anos junto aos agricultores de Caucaia.

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Por outro lado, consoante a realidade vivenciada pelos órgãos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no País, aquela unidade também sofre a falta de estrutura que se configura desde o subdimensionamento da equipe frente às demandas locais até a insuficiência de verbas para suprimentos essenciais ao desempenho do trabalho, como gasolina para abastecer os veículos oficiais.

O trabalho de Bastos (2006, p. 168-169) ao abordar a questão, além de chamar a atenção para o insuficiente número de técnicos, atesta: “No geral, o mais importante é que, salvo em casos especiais, as unidades locais não dispõem de infra-estrutura suficiente para o trabalho”.

Um dos gestores do BNB entrevistados demonstrou preocupação com o cenário e o histórico de dificuldades que impedem o agricultor familiar, mormente os mais pobres, de ter acesso eficaz e efetivo a serviços de Assistência Técnica Rural (Ater):

O governo Fernando Henrique não tinha assistência técnica; o governo Lula melhorou, mas é ainda muito incipiente. No atual Plano Safra é de R$ 397 milhões50, mas se você compara com R$ 13 bilhões de crédito, então dá uma relação de 2%, 3%, que não é boa.[...] R$ 397 milhões não é nada se comparado a R$ 13 bilhões de financiamento. E como essas empresas estão muito sucateadas, esse dinheiro entra no ralo comum, até o ponto de ter estado do Nordeste onde o governo bancou 25 carros e os veículos estão parados porque a Emater sequer tem dinheiro para emplacá-los. Então esse sistema tem que ser rediscutido; rediscutido porque mesmo se o governo aportasse R$ 10 bilhões... a discussão é outra: As Emater estão adequadas para prestar a assistência técnica que a agricultura familiar quer? Não. O modelo de assistência técnica que a agricultura familiar precisa hoje não existe.

De outra forma, consta do sítio da Ematerce51, na internet, que esta empresa pública de extensão rural “na prestação de serviço aos produtores rurais, sobretudo os de base familiar, leva em conta a aptidão, o potencial e a demanda tecnológica, de cada município, sem falar das exigências do mercado consumidor”.

Em Caucaia, 39% dos entrevistados declararam contar com algum tipo de assistência técnica, em geral nos eventos coletivos protagonizados pela Emater ou Secretaria Municipal de Agricultura. Citam o nome de pessoas desses órgãos, chegando a confundi-los com a entidade de que fazem parte: “seu Teodoro também atende muito bem; é uma pessoa boa ele”.

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O orçamento do Plano Safra 2008/2009 para assistência técnica é 136% maior que o executado no ano agrícola anterior, que era de R$ 168 milhões. Disponível em: <www.mda.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2008.

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Nas poucas oportunidades que têm, aprendem sobre vacinas e outros aspectos do manejo dos animais e das culturas desenvolvidas. Cerca de 80% dos agricultores conceituaram o relacionamento mantido com a referida empresa de extensão rural como bom ou muito bom. A maioria dirige-se ao órgão apenas para obter a DAP; cerca de 25% obtêm semente para o plantio e nenhum dos entrevistados procurou o órgão para receber orientação, seja para a lida cotidiana ou para eventualidades, como doenças e mortandade dos animais.

A distribuição de sementes é um serviço prestado pela Emater que foi objeto de elogios e satisfação. Embora não constando do escopo da pesquisa, constatei que pelo menos um quarto dos entrevistados recebe sementes anualmente, ainda que alguns as consigam por intermédio de parentes que são cadastrados para essa finalidade junto àquele órgão. Alguns agricultores compram sementes no mercado local e outros guardam da sua própria produção.

0 20 40 60 80 100 Sim Não %

Considera a assistência técnica importante para o sucesso da atividade produtiva?

Gráfico 12 - Assistência Técnica

Fonte: Pesquisa de Campo Realizada em Julho de 2008.

De outra forma, expressivos 90% das pessoas entrevistadas consideram a assistência técnica importante para o sucesso de seus empreendimentos. (Gráfico 16). Neste sentido, dizem que precisam de esclarecimentos e acompanhamento em suas atividades, em pelo menos duas reuniões anuais, ainda que coletivas. Seguem-se alguns depoimentos: “Se tivesse, é importante para poder lidar com o que se está fazendo”; “Importante porque a pessoa tendo assistência é melhor“; “Informações para os animais não adoecerem”; “Às vezes a pessoa não sabe e descobrindo evita o prejuízo”; “É importante porque ensina, explica e a gente fica sabendo melhor”; “As explicações de como aplicar e quais vacinas”.

Em se tratando de vacinas, há no trabalho de Bastos (2006, p. 224) um depoimento interessante de um técnico extensionista, que diz que o trabalho dos técnicos em

relação a esses agricultores acaba se reduzindo a essa questão das vacinas, haja vista a falta de recursos e de infraestrutura. Ainda assim, vários agricultores participantes desta pesquisa em Caucaia, declararam que, de posse das vacinas, recorrem a um vizinho ou pessoa amiga para aplicá-las, as quais “não cobram nada, fazem por amizade”. Entre eles, alguns disseram ter procurado a Ematerce para obter a “receita das vacinas”.

Com o aumento da quantidade de famílias demandando atendimento, mediante a divulgação do Pronaf e as vultosas cifras incrementadas a cada Plano Safra, as instituições mediadoras do processo de concessão de credito do Programa, mormente no que se refere ao Grupo B, tendem a empregar demasiado esforço na burocracia e operacionalização dessa linha de crédito. Conforme observa Bastos (2006, p. 175):

A pressão para atendimento de novas famílias e a deficiência de infra-estrutura, além de prejudicar o acesso dos agricultores, tem acentuado os problemas de qualidade dos serviços prestados, a ponto de haver reconhecimento de que, no Pronaf B sobretudo, não existe assistência técnica, mas apenas o atendimento de exigências burocráticas na operacionalização do programa, como: elaboração de proposta, encaminhamento de documentação, divulgação de normas e supervisão por amostragem de crédito.

Assim, a assistência técnica para eles é distante e incipiente, embora, como já assinalado, alguns relatem eventuais reuniões de que participam com técnicos da Emater, da Secretaria Municipal de Agricultura e outras instituições. Por estar mais presente entre os que desejam acessar o crédito do Pronaf B ou aqueles que já o fizeram, quem acaba orientando, no que é possível, é o AMR. Uma das entrevistadas, que cria porcos, disse: “Foi bom a idéia que ele deu, que era pra cimentar o chiqueiro”; outra, cuja atividade principal também é a suinocultura, referiu-se às orientações prestadas pelo AMR quando necessitou ampliar o chiqueiro dos porcos. Embora todos os AMR do Agroamigo sejam técnicos agrícolas e, por isso mesmo, tenham condição de opinar sobre questões do gênero, não compete a eles a prestação de assistência técnica, mas à empresa oficial de Ater em Caucaia.

Em pesquisa realizada por Olalde (2005 apud GUANZIROLI, 2006, p. 14) são apontados os seguintes problemas: “Assistência técnica tradicional (monocultura), falta de estrutura de comercialização”, além da necessidade de “planejamento do desenvolvimento regional, comercialização e agregação de valor”.

Para Bastos (2006, p. 176) uma melhor atuação da assistência técnica carece de um ambiente institucional adequado e mais eficiente em que,

Além de oferecer condições mais operativas para se enfrentarem os desafios do cotidiano, em infra-estrutura, política de estímulo e capacitação, possa fomentar um processo de mudança de comportamento e de conduta individual e coletiva, entre os mediadores e o público-alvo, para que se potencialize o resultado de políticas como a do Pronaf B.

No primeiro semestre de 2008, com vistas a promover melhorias para o Plano Safra 2008/2009, o MDA promoveu reuniões nas capitais e outras cidades brasileiras, envolvendo os parceiros institucionais da agricultura familiar e os movimentos sociais. Em Fortaleza, esse encontro foi realizado no mês de maio, na sede do BNB. De acordo com um dos representantes do MDA presentes neste evento,

Na opinião dos representantes dos agricultores familiares, e de outros representantes dos encontros técnicos, há uma deficiência importante de assistência técnica e extensão rural, quando se avalia o número de extensionistas pelo universo de agricultores nos municípios, e a qualidade da ater executada. Há uma deficiência no suprimento de recursos para custeio (para gasolina e outros gastos do dia a dia dos extensionistas) em parte das empresas de ater, sendo o problema mais presente na região Nordeste. O diálogo entre a ater, movimentos sociais e bancos é um ponto que ainda precisa ser melhorado.

Compreendendo a necessidade de encontrar solução, ou pelo menos diminuir a lacuna hoje existente na prestação de Ater para os agricultores familiares, é que foram firmados termos de cooperação técnica entre o MDA e as empresas estaduais de extensão rural, com vistas à prestação de assistência técnica aos clientes do Pronaf B que contrataram operações no BNB, priorizando aquelas formalizadas no âmbito do Agroamigo. Na sequência, formalizou-se parceria entre o BNB e a Ematerce52 para o caso específico do Estado do Ceará. O acordo, utilizando recursos da União, define que no primeiro ano seja prestada assistência técnica a 42 mil agricultores familiares. Embora esse número represente apenas 7,7% da carteira ativa do Agroamigo e 2,7% da carteira do Pronaf B como um todo, no Estado do Ceará pode estabelecer o início de um círculo virtuoso no acompanhamento, tão necessário, à qualificação do crédito do Pronaf B, segundo dados de outubro de 2008, do BNB.

Assim é que, conforme pactuado, referida entidade se compromete a realizar apenas 5% do acompanhamento em caráter individual; os demais casos deverão ser acompanhados de modo coletivo, nas comunidades. Para um dos gestores do BNB entrevistado, embora não seja ainda a solução do problema, “se ao menos ocorrerem palestras bastante esclarecedoras, já é um começo”.

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Durante a pesquisa de campo presenciei, na Ematerce, a chegada da documentação da primeira remessa de clientes a serem acompanhados nessa modalidade. Todavia, apenas os recursos e a remuneração da Emater pelos serviços de Ater não resolvem o problema, uma vez que a empresa continua carecendo de infraestrutura, logística e reforço do seu quadro técnico, equivocadamente desestruturado nas últimas décadas.