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Criança Pegando Água no Chafariz na Localidade de

Foto 4 - Criança Pegando Água no Chafariz na Localidade de Boqueirãozinho Fonte: Pesquisa de Campo Realizada em Julho de 2008.

4.4.2 Condições do crédito

Surpreendeu-me o quanto esses clientes apreendem o conteúdo que lhes foi apresentado pelo AMR durante a palestra informativa. São 97,6% os que se referiram ao que foi falado na ocasião relativamente ao perfil dos beneficiários do Programa, bem como em relação aos itens financiáveis e às condições do crédito. Além disso, 36,6% reportaram-se, espontaneamente, a outros aspectos enfatizados pelo AMR na reunião, tais como: “Esse dinheiro não é para pagar a bodega”; “Faça para uma coisa que ache que dá certo”; “Isso não é um empréstimo, é um financiamento”; “Não pode gastar o dinheiro com nada”; “O projeto que fizer é pra cumprir”; “Tem que comprar o que é pra comprar”; “Importância das vacinas e como comprar e vender melhor”; “Explica como tem que vacinar”; e, ainda, “Devem reservar o dinheiro da própria atividade para pagar o financiamento”.

Todavia, conforme já citado, Abramovay e Piketty (2005) colocam que os altos subsídios oferecidos para o grupo B podem afrouxar o rigor técnico na elaboração dos projetos, bem como a disposição dos beneficiários de honrar seu compromisso perante o Programa e a instituição financeira. Neste ponto relato o que a pesquisa revelou quanto aos aspectos substancialmente mais relacionados à concessão do crédito, tais como taxas de juros, prazo, carência e quantidade de parcelas de cada financiamento. De um modo geral, esses agricultores demonstram ter noção do quanto é vantajoso para eles, financeiramente, o crédito do Pronaf B ou Agroamigo, como é mais conhecido. Sabem que a taxa de juros é baixa, além da existência do bônus concedido a todos que pagam suas parcelas em dia.

Assim, 90,2% dos entrevistados consideraram adequado o prazo para pagamento do financiamento. Os demais o julgaram curto. A agricultora que teve suas galinhas roubadas disse: “Não tive tempo para juntar o dinheiro”. Outros que acharam o prazo insuficiente acrescentaram: “Para porco, só se comprar já barriguda”; “Acho pequeno o prazo”; “Porque as galinhas demoram crescer e ficar no ponto de vender”.

Já os que se mostraram satisfeitos com o prazo disseram: “Dá tempo para quitar as prestações”; “Gostei”; “A gente é quem marca”; “Ele combina com a gente”; “Normal”; “Deu para pagar”; “Foi suficiente”; “Preferi assim”; “Foi suficiente pra pagar, porque já compro os porcos no tamanho certo para vender na data certa”; “Deu certo”; “Consigo guardar o dinheiro, deu pra pagar”; “Vendo um mês antes pra conseguir pagar”; “Dá tempo de organizar”; “Consegui quitar”; “De acordo com as condições para o pagamento”. E, para

finalizar: “Achei melhor pagar de duas vezes do que de quatro. Ele perguntou como é que eu queria. Achei melhor assim, de seis em seis meses; do jeito que eu paguei o outro”.

Percentuais semelhantes de satisfação e insatisfação foram encontrados em relação à carência e à quantidade de parcelas do financiamento. Neste contexto, são repetitivos os depoimentos dos agricultores entrevistados que ressaltaram o modo como o AMR negocia e combina com eles a periodicidade das parcelas, segundo as características, tempo de maturação e fluxo de receitas das atividades financiadas. Percebe-se, ainda, como fruto desse exercício de diálogo e atendimento personalizado/individualizado, que os beneficiários do crédito do Pronaf B vão sendo iniciados num processo de educação para o crédito, como demonstram os seguintes depoimentos: “Nos seis meses de carência dá tempo de juntar o dinheiro”; “Ficou maneiro em quatro parcelas”; “Achava ruim em um ano, todo de uma vez”; “Por causa das condições financeiras, quanto mais prazo pior”; “Dá pra juntar e ir pagando, porque foi parcelado”; “Suficiente”; “Duas parcelas é melhor que quatro”; “Uma parcela fica muito extenso”; “Diminuir o valor das parcelas”; “Se fossem mais parcelas, demoraria mais pra quitar a dívida”.

Perguntei a seu Sebastião, como a outros, o que é a carência do financiamento, ao que me respondeu: “Carência é o prazo que a gente vai demorar pra começar a pagar”. Em alusão à negociação das condições do crédito, estabelecida entre o cliente e o AMR durante a entrevista e elaboração da proposta de crédito, alguns disseram: “Tudo é combinado”; “Escolhi, gostei”; “Escolhi, achei melhor pagar em duas, melhor que o primeiro”; “De acordo com o que precisava”; “Combina e entrega o carnê marcando, a gente paga até na Caucaia”.

Inquiridos acerca da conferência ou não do instrumento contratual, quando da assinatura, especialmente no que diz respeito ao valor e ao vencimento de cada parcela, 87,8% dos entrevistados responderam afirmativamente. Mesmo alguns dos analfabetos relataram que o AMR leu as principais cláusulas para eles, além de marcar a data de pagamento em calendário próprio, entregue a cada cliente nesse momento. Referido calendário foi incorporado à metodologia do Agroamigo como um mecanismo adicional no sentido de ajudar os mutuários do Pronaf B a manter suas parcelas em dia e, consequentemente, o direito de renovar o crédito, uma vez que na presença do cliente o AMR assinala as datas de vencimento de cada parcela do respectivo financiamento.

Estudando o assunto, em pesquisa realizada com agricultores familiares do Rio Grande do Norte, Bastos (2006, p. 223-224) ressalta quão distante estão os hábitos desse público de mecanismos que os ajudem a cumprir a formalidade de tais compromissos:

não é muito clara na consciência dos agricultores a justeza quanto à obrigatoriedade de cumprimento de prazos para amortização. A distância entre as datas de pagamento – para o cotidiano de quem está submetido muito mais a mudanças cíclicas (repetidas periodicamente) que às obrigações próprias do hábito urbano – vem se constituindo em verdadeiro algoz para esses novos mutuários do crédito.

A esse respeito Bastos (2006, p. 215) revela ainda depoimentos em que dois dirigentes da associação local afirmam:

O trabalhador vai fazer um empréstimo e o banco diz: ‘olha, venha daqui um ano’. Se não tiver uma coisa na mão para ir lembrando, além do contrato, ele finda esquecendo. Agora, se ele tiver uma tabela dizendo quando é o pagamento dele, aí ele se lembra.

Essa é a ideia do ritual que envolve a marcação das datas e a entrega do calendário ao cliente que acabou de contrair um financiamento no Pronaf B. Essa conduta provavelmente ajuda o agricultor a realizar os pagamentos até o vencimento, haja vista que vários deles se referiram ao calendário entregue pelo AMR.

Com efeito, os entrevistados, de um modo geral, demonstram conhecer bem as bases do financiamento que contrataram. Alguns, a exemplo de dona Júlia, ao serem indagados acerca do que o AMR falou durante a palestra, de imediato, dizem que não lembram, mas enfatizam que “ele explica tudo”. No entanto, quando se pergunta de modo indireto sobre cada aspecto, mostram que entenderam bem cada ponto. Com relação à suficiência e adequação da quantidade de parcelas, dizem: “São três; tá bom. Ele perguntou. Uns fazem de quatro, outros fazem de duas”. E continuam enfatizando que o AMR “explica que se fizer pra uma coisa tem que fazer: se for roupa é só roupa, se for peixe é só peixe... E que o bônus é de 25%”. Dona Júlia tem 58 anos de idade e, embora analfabeta, disse algo que me pareceu muito interessante: só considera as galinhas financiadas como suas depois que quita todas as parcelas junto ao Banco. Com relação ao bônus, ela afirma que “ajuda nas outras coisas; tudo que ganhar serve”.