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Foto 5 – Uma das Famílias Entrevistadas

4.2 Perfil dos Agricultores

4.2.1 Condições de vida

A situação de renda das famílias pesquisadas é muito diversa: há famílias vivendo na extrema pobreza e outras que recebem até duas aposentadorias e uma pensão, além do PBF. Assim, as famílias apresentam rendas que variam de R$ 37,33 a R$ 1.430,00 mensais, o que representa uma grande disparidade: a família de menor renda recebe menos de 3% daquela auferida pela de maior renda. Uma família se declarou sem qualquer renda monetária. Afora os benefícios sociais “uma boa parcela ainda vive (e sobrevive) de atividades exclusivamente agropecuárias em uma região vulnerável às crises climáticas, particularmente do cultivo das chamadas ‘culturas brancas’”, como milho, feijão e mandioca. (JUNQUEIRA, 2004, p. 166-167).

Segundo dados de 2005 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE, 2005), 54,3% da população do Ceará vivem abaixo da linha de pobreza. Na região Nordeste 55,4% são extremamente pobres; e no Brasil o índice é de 31,8%.

Ao serem inquiridos sobre o que significa viver em boas condições com sua família, de imediato responderam: saúde, união, paz na família e com os vizinhos e trabalho. Mas quando, em seguida, perguntamos se para viver em boas condições é importante ter

renda (dinheiro), casa, alimentação, atenção médica e hospitalar, assim como escola, luz, água, geladeira e outros eletrodomésticos, responderam considerar estes elementos muito importantes para ter conforto e viver bem. Quem não tem geladeira, por exemplo, chegou a falar da falta que faz esse equipamento no dia-a-dia da família. Dona Maísa, por sua vez, disse que “quem não sai pra nenhum canto a companhia é a televisão” e, além disso, “tá se inteirando das coisas que acontecem por fora”.

Aqueles que pagam aluguel da casa onde moram (12%) manifestaram que seu grande sonho é ter a casa própria. De um modo geral, acham que, na medida do possível, vivem em boas condições com a família. Para tanto, eis algumas das razões manifestadas: “Na vista do que era, vive”; “Graças a Deus, até agora não faltou nada”; “Trabalho, não falta nada”; “Temos saúde e trabalho”; “Dá para sobreviver”; “Vivo sossegada, com tranquilidade”; “Não falta nada”; “União: não há brigas nem problemas sérios”; “Tenho casa, sou aposentada, meus filhos trabalham”; “Temos nossa casa e não vivemos à custa de ninguém”; “Comparando com outras, temos o necessário”; “Família unida, trabalham, bons genros”; “Só em ter minha casa e meus filhos com saúde...”; “Vida de agricultor com aposentadoria”; “Meu filho me deu essa casinha e ganhei essa outra. Estou muito feliz e tenho esperança que vai continuar melhorando”.

Para muitos dos entrevistados viver bem é não faltar nada, principalmente para os filhos. Nesse sentido “não faltar nada” está diretamente relacionado à questão alimentar, haja vista que vários deles vivenciaram situações extremamente críticas, no passado, pela impossibilidade de satisfazer essa necessidade básica. Eis alguns depoimentos: “Temos casa, almoço e janta todo dia”; “Meus filhos nunca passaram fome”; “Almoço, janta, merenda e saúde”.

Nesse contexto, Rocha (2006, p. 28) afirma que “em países como o Brasil, onde a variável renda se mostra relevante como medida de bem-estar, é natural enfocar a questão da pobreza utilizando as abordagens de renda e das basic needs de forma complementar.”

Apesar das privações enfrentadas por muitos, em Caucaia 90,2% dos agricultores entrevistados se declararam felizes, mesmo enfrentando sérias dificuldades quanto ao acesso a serviços essenciais como água, saúde, educação e transporte, sendo o mais crítico deles o atendimento médico-hospitalar.

Um caso emblemático é o do Estevão, que em situação de pobreza extrema, vivendo com mais quatro pessoas em uma casa de, aproximadamente, 9m2, disse com convicção que era feliz e que morava no melhor e mais tranquilo lugar de Caucaia. Maura, também muito pobre, disse que é feliz porque vive em harmonia com sua família e seus filhos

são bons e obedientes e a ajudam. Acrescentou ainda que vê “tanta gente que tem tudo e não é feliz”. Anita, por sua vez, ratificou que o mais importante para viver bem “é não deixar faltar nada para os filhos. É muito ruim os filhos pedirem alguma coisa pra gente e a gente não ter”. E prosseguiu dizendo que “à vista do que era antigamente” também se considera feliz. Dona Júlia, ao ser interrogada se era feliz, foi enfática:

Considero. Depois que eu entrei na igreja, graças a Deus, meus filhos tão na igreja tudim; saíram da bebida. De primeiro, bebiam; aí foram tudo pra igreja. Eu vivo despreocupada, graças a Deus, porque a pessoa que bebe pode brigar, matar ou morrer. Quando eu vou pra igreja a família vai todinha.

Entre os entrevistados apenas 10, 3% têm acesso aos serviços da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) que são ofertados apenas em determinadas localidades da Sede do município. Todavia, 70% dos respondentes declararam possuir água encanada proveniente de poços, cacimbas ou cisternas viabilizadas pela prefeitura ou pelas próprias famílias da comunidade. De outra forma, alguns chegam a deslocar-se até 5 km para obter água. Em muitas comunidades, ainda que próximas à sede do município, as famílias enfrentam bastante dificuldade para adquirir água, como longas distâncias e espera pelo carro- pipa. Segundo um dos dirigentes do sindicato entrevistado, o carro-pipa é viabilizado pelo Governo do Estado através da Defesa Civil, atendendo a diversas localidades do município de Caucaia. A totalidade dos participantes desta pesquisa não dispõe de serviço de esgoto.

Embora 95% das famílias disponham de energia elétrica, esse serviço não passa de um sonho para as famílias que são impedidas, conforme já mencionado, de ter esse serviço implantado em suas casas, possivelmente como forma de forçá-las a abandonar as terras onde vivem há décadas, como moradores de fazenda.

Apesar de todos terem afirmado que contam com postos de saúde, vários destes não funcionam ou o fazem precariamente, no que diz respeito às instalações, à disponibilidade de profissionais de saúde e ao fornecimento de medicamentos. Assim, na zona rural, algumas pessoas se deslocam até 12 km para conseguir chegar ao posto de saúde, onde nem sempre conseguem atendimento. Mesmo os postos que funcionam com regularidade e dispõem de medicamentos para determinadas doenças não atendem a muitas das necessidades da população, mormente no que se refere a situações urgentes e imprevistas. Dona Isaura, por exemplo, tem um dente inflamado que nunca conseguiu extrair por causa da pressão arterial sempre alta. Além deste problema de saúde que não consegue resolver, demonstrou grande

desejo de “botar os dentes que faltam”. Dona Júlia disse que “tendo saúde a gente tem tudo. Abaixo de Deus, saúde”.

As escolas de Ensino Fundamental são, em geral, próximas às residências, não havendo deslocamento superior a um km. Mas para o Ensino Médio os alunos precisam se dirigir à sede do município, e apenas algumas localidades contam com transporte disponibilizado pela prefeitura. Há casos em que a escola fica a mais de 30 kmde distância da residência do aluno.

Embora 15,4% dos entrevistados contem com transporte coletivo na porta de casa, há quem disponha de transporte apenas a uma distância de 4 km. Além disso, há várias localidades com horários bastante restritos. Mais grave do que isso, uma situação que já era do meu conhecimento e foi confirmada por um dos dirigentes do STR por mim entrevistados: na Serra do Juá e na Serra da Rajada, assim com em outras localidades, não há transporte coletivo nem acesso para veículos particulares. Na Serra do Juá, situada a 20 km da sede do município, e de onde se avista o mar, os doentes descem a serra de rede até a sede do município. O sindicalista relatou que, por ocasião do recadastramento do INSS, uma senhora de 90 anos teve que vir a cavalo até a cidade. Segundo ele, essa localidade produz 100% da banana consumida em Caucaia. Para o transporte das frutas são usados jumentos.

Diante desse cenário, são precárias as opções de lazer. De acordo com o citado dirigente sindical, “o futebol é o lazer que os homens têm”; para as mulheres, disse que “só na época do inverno, quando os rios enchem. Tomam um banho de rio, fazem de conta que tão tomando banho na praia”. Em relação aos jovens ainda demonstrou maior preocupação em razão da falta de alternativas nesse aspecto: “Essa é a dificuldade que nós temos que segurar os jovens na zona rural. Porque existe esse processo. Tem que ter essa questão do lazer. Temos que ter, obrigatoriamente, no processo de desenvolvimento”.