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4 MARCO METODOLÓGICO: PISTAS INVESTIGATIVAS

4.1 Até onde for a vista

Gostaríamos de iniciar discutindo as posturas éticas e o fazer pesquisa para nós. Há tempos vemos um movimento frenético no cenário científico que apela e impõe certos caminhos fixos, certo modo de pensar e agir, certos compromissos éticos dos pesquisadores, que cumulam em uma série de procedimentos e formulários que, supostamente, garantem o rigor verdadeiro-ético-científico. Sem falar que os pesquisadores devem se pôr como pesquisadores-testemunhas de fatos (VASCONCELOS, 2015), e por isso, como diria a boa regra do direito, comprometidos com a ―verdade‖, devendo dizer ―a verdade‖, somente ―a verdade‖, nada mais que ―a verdade‖, esta enquanto princípio universal e absoluto.

No campo das ―ciências humanas‖, cada vez mais grita a necessidade de que os pesquisadores redescubram a ética, um novo ethos, uma escolha de liberdade, tomando a liberdade não apenas como uma possibilidade ética, mas como a possibilidade mesma da ética (FOUCAULT, 2004a). Para nós esse fazer ético enquanto um ethos é muito caro justamente por partirmos de um referencial próprio para pensar a imanência, que são os estudos foucaultianos e, neste contexto, não é o método como consagrado pelas Ciências que é o cerne da pesquisa, mas o ethos, ―no sentido grego desta palavra, uma atitude‖ (LOBO, 2012, p. 18) que tem, ao mesmo tempo, um caráter ético, político e filosófico (idem.).

Esta Tese surge, se desenvolve e continua a partir de uma ciência de que ela, em um movimento ético-político-filosófico, é intencional e busca provocar deslocamentos. Assim, os caminhos de pesquisa se despontam, não como caminhos seguros e/ou neutros, até porque ―nada mais é seguro, previsível: nem os pontos de saída, nem o percurso, nem os pontos de chegada‖ (VEIGA-NETO, 2009a, p. 88-89), mas como uma atividade, uma maneira de entender, modo de ver as coisas‖ (idem) que se dá em certo caminhar, e que cujo caminho é o próprio solo, sem pavimentação externa e, muitas vezes, construído no exato momento do próprio caminhar. Uma espécie de desbravamento fundamentado em uma visão epistemológica. Escrever, pesquisa, conhecer uma dada realidade, está intimamente vinculada como ―a forma como se pensa e se conhece (LOURO, 2007, p. 396).

Entendemos os movimentos de pesquisa feitos nessa Tese, como Louro (ibid): escolhas teóricas e políticas que desconfiam das certezas definitivas, e onde dúvidas e incertezas são mais que possíveis, o que não quer dizer um vale tudo teórico-metodológico, mas apenas que, por não se tratar de uma pesquisas aos moldes iluministas, há que se lidar

com o transitório, o mutante.

Assim entendemos, ao tratarmos dos processos de subjetivação de jovens no contexto das Escolas de Educação Profissional do Ceará, e o contexto do modelo empresarial de educação que modela tais escolas, que essa Tese é um fazer ético e enquanto um fazer de liberdade. Daí também a entendermos como ação política, num desdobramento efetivamente ético, na busca por saber ―como‖ os sujeitos, ou engendramento do humano, entraram no seio do jogo de verdade, seja na forma de ―Ciência‖ ou por meio das verdades encontradas nas instituições ou práticas de controle (FOUCAULT, 1984), produzindo corpos e subjetividades legitimadas como essenciais ou naturais.

Foi nesse sentido que Foucault (2004a) apontou para a necessidade de abandonarmos a suposta certeza advinda da razão, em um movimento ético que nos alerta para os perigos dos discursos antropológicos/filosóficos sobre o homem. E é assim que entendemos que a principal fundamentação ética das pesquisas reside na postura epistemológica que se pretende assumir e na coerência com esta. Um movimento de liberdade que, aos moldes do que pensava Foucault, se daria dentro daquilo que seriam as formas possíveis de imanência, numa análise crítica nominalista, que se configuraria como prática de resistência (RAJCHMAN, S. d.). Não à mera aplicação de instrumentos. Estes não apontam, necessariamente, para um porto seguramente ético no lidar com as questões humanas, sobretudo as que tocam às subjetividades. Em Foucault vemos a ética mais ―como um campo de problematização, do que como um âmbito normativo de fundamentação da ação moral (CANDIOTTO, 2013, p. 220).

Esse engajamento ético é entendido aqui a partir de Meyer e Paraíso (2012), para quem os processos de pesquisa, se pretendendo éticos, devem figurar enquanto ―um certo modo de perguntar, de interrogar, de formular questões e de construir problemas de pesquisa que é articulado a um conjunto de procedimentos de coleta de informações‖ (ibid. p. 16). Essa perspectiva nos coloca como produtores de informações por meio de estratégias de descrição e análise. Por isso os dados não são achados de pesquisa de pesquisa.

Estas questões foram surgindo e tomando lugar preponderante em nosso caminhar inicial no Doutorado em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - UFC, e envolvidos pelas demandas científicas do doutoramento, ficamos inquietos a pensar em como, ainda que compulsoriamente, entramos no labirinto da ―Ciência‖, um dos mais poderosos regimes de verdade de nosso tempo (MEYER, 2012).

Neste contexto nosso fazer ético é compungido a um processo de problematização do conjunto de práticas ―discursivas e não discursivas que faz as coisas, indiscriminadamente, entrarem no jogo do verdadeiro e do falso na produção das realidades‖ (FOUCAULT, 2004a,

p. 270), e que se encontram engenhosamente operante no contexto das Escolas de Educação Profissionais do Ceará por meio do modelo Escola-Empresa e dos discursos que a sustentam, principalmente os discursos do Protagonismo Juvenil e do Jovem Empreendedor.

Estamos cientes de que todos os discursos, inclusive o que produzem os pesquisadores, e mesmo o produzido por mim, se constituem em disputa e enquanto versões de verdades. Por tanto, estar atento a como os discursos se tornam verdadeiros foi o principal foco das análises deste trabalho (VASCONCELOS, 2015, p. 78).

Como nos afirma Fischer (2001) ao memorar o pensamento foucaultiano acerca do trabalho de um pesquisador, ―nada há por trás das cortinas, nem sob o chão que pisamos. Há enunciados e relações, que o próprio discurso põe em funcionamento. Analisar o discurso seria dar conta exatamente disso: de relações históricas, de práticas que estão vivas nos discursos‖ (p. 198, 199).

Desejamos imensamente nos manter no caminho construído por nós até aqui. Isso nos referindo ao Mestrado em Psicologia que ricamente nos aproximou das perspectivas teórico- metodológicas que aqui fincamos. Se pensar em ciência, aos moldes do pensamento moderno que ainda domina o campo acadêmico, é pensar necessariamente em um método, e por isso me pus a pensar nele enquanto parte integrante de minha tese. Foi então que entendemos o que continuamos a querer:

quero ―perder-me‖. Quero des/caminhar no avesso do que se faz posto. E ao espírito de Comte, que ainda assombra a ciência, peço e desejo e ordeno que se afaste de mim. Quero mais! Quero um devir pesquisador (e, talvez, nem ser pesquisador quando este termo me relembra aqueles que perderam a paixão do conhecer, do arriscar, em nome do produzir e acertar). Quero mais! Quero tudo! Quero nada! Quero o que for, sem pretensão de ser. Longe de mim, ser! Inventar, reinventar, desinventar (ainda que seja esta palavra). Quero o sabor da possibilidade, do toque dos ventos epistemológicos (todos os ventos), não para pô-los nos altares e deles virar um devoto, mas para subvertê-los e subverter-me, negar o que conheço e não o que ouvi falar, para desnudo mostrar minhas vergonhas e sem pudor dizer que quero o gozo do experimentar-me subversivo/tido/sor. Assim, entendo o fazer ciência. Assim ela se fez ao longo da história, da minha história, desta história (VASCONCELOS, 2015, p. 72).

Talvez isso não garanta um fazer ético para muitos pesquisadores. Para nós está é a única possibilidade de nos fazermos éticos.

Desse modo, e ―corrompidamente‖ não ―Cientista‖, nos afastamos do risco de operarmos com a ―verdade‖, compreendendo que ―qualquer verdade ou certeza (incluindo, obviamente, as nossas) está ancorada no que é possível conhecer num dado momento, portanto é provisória, situada‖ (LOURO, 2007, p. 241). E atentamos para o conjunto de regras, sansões, princípios e legitimidades que fazem com que certas coisas sejam ditas, outras sejam silenciadas e uma maquinaria se construa na tentativa de moldar aquilo que chamamos aqui de sujeitos. Claro, com suas anti-maquinarias também, com modos de resistências. Nesse sentido, esse capitulo pretende apresentar os caminhos por nós

percorrido, bem como as possibilidades de reorientação metodológica que o campo nos favoreceu.