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4 MARCO METODOLÓGICO: PISTAS INVESTIGATIVAS

4.2 Proposições Metodológicas

4.2.4 Instrumentos na Produção de dados

4.2.4.5 Operando com o Dispositivo: Grupo de Problematização

Por Grupo de Problematização entendemos como sendo uma espécie de momento filosófico para discutir, de forma produtiva e livre, as questões referentes ao contexto discursivo presente nas Escolas Profissionais do Ceará. É importante esclarecer o que compreendemos por problematizar, verbo central e articulador nesta pesquisa. Entendemos a problematização como um acontecimento, um movimento do pensamento e de crítica que ―desatualiza o hoje, o presente‖ (CARDOSO, 1995, p. 56), de maneira a fazer da atualidade uma ―borda do tempo que envolve nosso presente, que o domina e que o indica em sua alteridade‖ (FOUCAULT, 1972).

Quando Cardoso (1995) propõe a ideia de problematização enquanto acontecimento, ele se refere, mais especificamente, a um modo de apropriação do acontecimento, ―através de um questionamento da atualidade‖ (p. 61), e que considerada nos termos de Foucault (1984), se aproxima da perspectiva heideggeriana da experiência como aquilo que consiste em nos afetar e transformar‖ (FIGUEIREDO, 1994, p. 121).

Nessa Tese, problematizar é objetivo, e método, é instrumento de produção de dados. E enquanto, no jogo da cientificidade das pesquisas acadêmicas se busca um problema pra desvelar, aqui buscamos problematizar, enquanto ação constante, sempre ativa e nunca acabada. Como sendo o próprio arranjo do Gerundiar, sobretudo quando entendemos, como Deleuze (1988b) que um problema não desaparece quando para este parece surgir uma solução. Ao contrário, eles perduram, persistem, incidem nela, a reconfiguram, resistem e novos problemas surgem nesse mal-estar.

Embora nossa atenção esteja voltada para a dinâmica escolar que só pode ser entendida no emaranhado das relações dos múltiplos sujeitos (diretores, coordenadores, professores, alunos), tivemos, nos estudantes nosso interesse de pesquisa e os Grupos de Problematização foram potencializadores desse interesse.

Nesse momento da pesquisa, quando tivemos que escolher o número de participantes dos grupos e quem seriam, talvez tenha sido o maior dos impasses sofridos por nós. O preciosismo acadêmico por tentar garantir representatividade, confiabilidade de amostra, voltou de forma bastante impetuosa. Mas era preciso decidir e arriscar. Então optamos por manter os grupos com apenas 20 participantes, compostos de modo não probabilístico por acessibilidade, que consiste no pesquisador compor o grupo a partir da acessibilidade dos sujeitos, ou disposição pra participar, acreditando que, de alguma forma, estes se fazem representativos do universo pesquisado. Esse tipo de amostra é comum em estudos qualitativos uma vez que estes não estão em busca de precisão (GIL, 2008).

precisávamos começar por algum lugar. Foi então que pedimos ajuda a uma das coordenadoras da escola. Esta ficou muito amimada com a possibilidade de um Psicólogo conversar com os alunos, pois ela acompanhava um grupo de alunos que apresentavam alguns ―problemas‖: desinteresse, desânimo, faltavam muito, não acompanhavam o ritmo, se isolavam às vezes, enfim, pareciam ter ―depressão‖. A princípio ficamos preocupados se seria o público que procurávamos. Mas, logo depois, vimos que não fazia sentido que não fosse. Eram alunos daquela escola. E, de uma forma ou de outra, faziam essa experiência de si que supúnhamos ocorrer ali. Aos poucos fomos entendendo que aqueles jovens eram exatamente aqueles que teríamos escolhido se nossa amostra fosse intencional. Eles compunham um grupo que destoava, que resistia, ao contexto padrão da escola.

Algumas vezes a dinâmica escolar provocou evasões no grupo, de modo que chegamos a realizar momentos com 15 participantes. No entanto não consideramos prejuízo ao processo de problematização. Em todos os grupos tivemos um produto final, que constituiu uma espécie de fechamento da vivência problematizadora.

É fundamental dizer que entendemos os Grupos de Problematização como dispositivos, capazes de gerar novas subjetividades, tão necessárias (FOUCAULT, 2013b) e, embora abrangendo apenas 20 pessoas, consideramos seu grande potencial interventivo, uma vez que o que lá fora produzido, passa a fazer parte da teia social que ali se configura e, contagiando essa teia, promove novos emaranhados e novas possibilidades de resistência.

Reafirmando nosso lugar frente ao conceito de dispositivo que, nesta pesquisa, assume lugar deslocado, uma vez que é objetivado como produção intencional, um lugar para novas produções e novos deslocamentos. Assim, a construção do que chamamos de dispositivo ―grupo de problematização‖, surgiu neste cenário como potencia de desarticulação e rearticulação dos discursos como forma de produzir novas formas de subjetividades como falamos anteriormente.

Sendo o dispositivo um conceito polissêmico (MIRANDA, 2014), tanto pode ser entendido como aquilo que faz ver e falar, como também meios de ver e falar. Daí,

os grupos de supervisão, as oficinas criadas, o diário de bordo pode atuar então como dispositivos. Na pesquisa-intervenção, seja de base institucionalista ou cartográfica, o dispositivo não é uma técnica a ser aplica, mas encontra-se prenhe de ato político, conectando acontecimentos aparentemente desconectados para tentar produzir singularidade, multiplicidade (Idem, p. 84)

O sujeito é fruto da ação deste emaranhado que é o dispositivo (DELEUZE, 1996), e o dispositivo ―Grupo de Problematização‖ buscou configurar-se com disparador, um lugar para pôr em movimento antigos discursos e produzir novos, provoca/produzir deslocamentos, inventando novas condições de possibilidade frente à imanência.

Os grupos de problematização se constituíram, e essa era nossa intenção, como espaço fluido de discussão, avaliação e insurreição, mas previamente planejado, para uma análise do cotidiano e dos discursos que se achegam aos jovens e que porventura os estivessem performatizando por meio de disfarces ou “personas” que balizam a experiência de si supostamente escolhida pelos jovens. Estes grupos também objetivaram fazer circular informações e ideias que permitiram novas escolhas, a construção de novos anseios e novas liberdades a partir de uma relação ética com o outro e com o mundo.

A princípio estavam previstos 06 (seis) grupos de 40 min. No entanto, devido à grade disposição para falar e as riquezas das mesmas, inclusive adentrando fluidamente em temáticas previstas para grupos futuros, reduzimos o número de encontros para 05 (cinco) e deixamos a hora correr livre. De forma que cada Grupo teve duração média de cerca de 1h30 (uma hora e trinta minutos). Foram realizados no período da tarde, em momentos autorizados pela escola e que não prejudicariam os alunos por serem horários de atividades flexíveis. Os participantes dos grupos eram, em sua maioria mulheres, tendo apenas 2 homens. Em média de 2 alunos de cada curso por série, com idade entre 15 e 17 anos.

As estratégias para operacionalizar os Grupos de Problematização foram, desde análise de manchetes de jornais e revistas e documentos escolares, a pinturas, confecção de cartas, cartazes e cartilhas, sempre na dinâmica de uma temática específica, mas com as matizes que os alunos acharam convenientes.

Nos Grupos de Problematização foram trabalhados temas que pretenderam funcionar como disparadores dos processos de problematização. Estes temas emergiram das observações e análises documentais realizadas por nós. Os temas disparadores desses momentos foram:

Tabela 4 – Informações gerais acerca dos Grupos de Problematização

ENCONTRO TEMA TEMPO PRODUTO DA

PROBLEMATIZAÇÃO 1ª Os arrepios da chegada: emoções

dos primeiros dias na Escola Profissional

1h30min Quadro das marcas iniciais

2º A descoberta de mim/ As fontes de mim

1h30min Autorretrato/Antirretrato 3º Jovem o mundo depende de você: o

discurso do Protagonismo Juvenil

1h30min Construção do alvo para as flechas do discurso 4º Abracadabra: que se faça um

empreendedor

1h30min Cartilha do jovem empreendedor da EEEP 5º Eu quero sombra e água fresca X A 1h30min Carta ao eu que não

preguiça é a mãe do cão preciso ser

Fonte: elaborada pelo próprio autor

Os grupos se constituíram como momentos agradáveis e produtivos. Os alunos se demonstravam interessados nas temáticas, discutiam bastante, respeitavam o tempo de fala dos outros, mas não se sentiam intimidados em interferir ou se contrapor, embora a maior parte do tempo eles parecessem concordar com as percepções uns dos outros. Foram momentos ricamente produtivos e fluidos. Momentos de nos sentirmos à vontade.