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2 CONCEITOS FOUCAULTIANOS: SABER, PODER, GOVERNO,

2.3 Escolhendo as ferramentas: Governamentalidade, Biopolítica, Biopoder e

2.3.2 Disciplinando corpos: A escola como dispositivo

2.3.2.1 Políticas Públicas Educacionais como Dispositivo

Como já falamos, o surgimento dos Estados, no início do século XIX na Europa, e as estratégias de governo e ―cuidados‖ com a população, aliadas ao desenvolvimento industrial e ao crescimento demográfico, favoreceu uma postura que legitimava o Estado como responsável por gerenciar as demandas sociais e os novos modos de vida das populações. No

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caminhar desse processo de governo das populações, em um aperfeiçoamento das técnicas de governo, desenvolve-se a partir de um modelo jurídico-políticos, o que viríamos a conhecer como políticas públicas (CASTEL, 1998), focadas, inicialmente, nas mazelas sociais de caráter assistencialistas, mas que demonstram a disposição do Estado em desenvolver mecanismos de controle da vida, intervindo nos problemas sociais, mas que, inevitavelmente, atingiriam o corpo-organismo.

No Brasil, pudemos ver essa perspectiva nas configurações dos princípios higienistas dos anos de 1920, que tiveram grande repercussão no cenário educacional. A partir de 1924, ano em que fora fundada, a Associação Brasileira de Educação (ABE), que agregou intelectuais, médicos, cientistas, educadores, juristas e religiosos, pretendia firmar a educação institucionalizada como a principal referência de transmissão de valores fundamentais para a época, a saber: higiene, conduta moral e patriotismo (ABREU JUNIOR; CARVALHO, 2012), o que, de certo modo, influenciou o Estado brasileiro, e as configurações das politicas públicas nacionais.

Consideramos importante relembrar que o Estado não é o centro de operação do poder, mas uma espécie de prisma por vezes, e por outras, um lugar de criação engenhosa. Os dois pontos, em nosso entender, se objetivam por meio das políticas públicas, meio jurídico legítimo da governamentalidade.

Todavia, embora não seja o centro do poder, o Estado existe como uma espécie de maestro-instrumentista, que tanto rege como toca, às vezes impõem o ritmo, às vezes muda o tom, e isso nos parece ter sido melhor aperfeiçoado a partir da noção de Políticas Públicas. Essa espécie de ―batuta‖ do Estado encontra seu lugar na história, enquanto campo de saber, primeiro na tradição norte americana de ciência política, por volta da década de 1950 (MELO, 1999), chegando depois também no Brasil por meio de inúmeros acordos entre esses países (falaremos mais à frente).

O conceito de Políticas Públicas, por esta época, ainda não é bem definido, o que, longe de ser uma desvantagem, traz, na verdade, um potencial inventivo e abrangente. Mas ainda que não haja consenso acerca de seu conceito, seus efeitos são perceptíveis nos modos como criam novos modos de vida e fomentam as práticas de relação si-consigo.

Os campos que as Políticas Públicas abarcam vão se construindo a partir da necessidade de governar as populações. Tanto é que, certa defesa da concepção do que venha a ser uma Política Pública, defende que esta deva ser entendida e criada a partir do que poderia ser considerado um problema público (SECCHI, 2014). Assim, as Políticas Públicas, criadas para garantir o pleno exercício da cidadania, atenuam a visão que a população tem

acerca de seu potencial de governo e apresenta-se como promotora de direitos, enquanto repercute nas formas de vida das populações.

As políticas públicas, situadas num dado contexto histórico, carregam marcas da normatividade e legitimação de certos códigos morais e ―naturais‖ (jeito de ser, de agir, de sentir as coisas e o mundo, de pensar, de portar-se sexualmente ou de privar-se frente aos desejos) específicas para cada faceta populacional.

Uma tentativa de condensar as várias proposições de definição para Políticas Públicas foi a de Dye (1984) que dizia que seriam o que o governo escolhe fazer ou não fazer. E aqui atentamos para o fato de que, efetivamente, no contexto das Políticas Públicas, o ―fazer‖ do governo seria jurisdicionar, financiar e avaliar resultados. A operacionalização se faz por meio da docilidade de seus agentes e da docilização das populações.

Souza (2006a), por sua vez, diz que se pode resumir política pública

como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ―colocar o governo em ação‖ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (p. 26).

Nesse sentido, as Políticas Públicas, que são ações do estado direcionadas às vidas dos cidadãos (aqueles que moram nas cidades. Não necessariamente indivíduos de direitos) e nelas deixam suas marcas e produzem seus efeitos, são pensadas e legitimas no Estado, com a intervenção de instituições diversas, que depois de formuladas e aprovadas dão origens a ―planos, programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informação e pesquisas‖ (GUARESCHI; LARA; ADEGAS, 2010, p. 333)

Assim, as políticas públicas são instrumentos de governamentalidade, uma vez que atuam sobre populações específicas (crianças, idosos, loucos, deficientes, mulheres, jovens), operando como dispositivos. Elas são ―parte de diferentes modalidades de governo engendradas na modernidade a fim de investir na vida e, nesse sentido, produzir os modos de subjetivação característicos do Estado moderno‖ (ibid, 2010, p. 334).

No caso específico desta tese tratamos de políticas públicas que produzem os estudantes/jovens/trabalhadores/protagonistas/empreendedores, que intercruzam, em nosso modo de ver, entrelaçamentos de muitas populações, em uma articulação multifacetada que demonstra o poder de agenciamento das políticas públicas, que, segundo Guareschi, Lara e Adegas (2010), quando analisados com cuidado, veremos que os fundamentos das políticas públicas configuram-se como uma espécie de ―política da anatomia, ou seja, saberes institucionalizados que assujeitam até mesmo as gestualidades de nosso cotidiano‖ (p. 335).

Ora, se foi por meio do ingresso da vida na política que pudemos testemunhar uma nova forma de agenciamento por meio da operação de um novo poder, o biopoder, entendemos que quando a ―vida educacional‖ (em seus modos, vivências, experiências, práticas, e subjetividades) entra na política, e desenvolve-se um aparato de gestão das experiências educacionais por meio de políticas públicas específicas e ―universais‖, então temos um potente modo de organizar as experiências de si, de maneira produtiva na vida escolar, entendido para nós como sendo uma forma de fazer viver nas escolas, uma vez que estas devem, legalmente, pautar-se por tais políticas, que regulamentam o cotidiano do ensinar, do aprender e do avaliar.

Em consonância com o poder disciplinar, e até mesmo por meio do aperfeiçoamento de alguns modos de operar desse, o biopoder investe na vida por meio de mecanismos cada vez menos coercitivos, por meio da engenhosa promoção da autonomia da população, em uma espécie de consciência do estado que agora é mesma do cidadão. Essa autonomia tem também uma função econômica, em que os ―sujeitos livres‖ estariam melhor adaptados ao liberalismo econômico.

As políticas públicas se configurariam, em parte, na sociedade biopolítica, como as ações do Estado decorrentes da necessidade de intervir nos fenômenos da população para, ao promover autonomia, atuar conforme os interesses dos fisiocratas. Uma população pensada como totalidade, mas fracionada pelas características demarcadas pela estatística, demografia, etc. em diferentes fatias populacionais que, em função dessas características, passaram a exigir campos específicos de políticas para a construção das intervenções (GUARESCHI; LARA; ADEGAS, 2010, p. 335).

No jogo articulado de governo dos homens, a autonomia liberal desponta como uma engenhosa maquinaria de governamentalidade, em um deslocamento da ideia de autonomia como ―governo de si‖ para ―governar-se a partir da interiorização das normas (morais e econômicas) de bem viver da sociedade moderna/contemporânea, num frenético balizamento de si por meio das tecnologias do eu (FOUCAULT, 1990).

Ao considerarmos como Benevides (2014) que ―não é mais o caso de dizermos: ‗os governos procuram governar de modo a privar os homens de decisão, arbítrio e controle sobre sua própria vida‘, estamos nos aproximando justamente da época em que se torna possível dizer: ‗os governos só podem governar, ou só podem bem governar, caso governem homens autônomos, autogestores e responsáveis por sua própria vida‘‖ (s.p.), então nos perguntamos: como se daria o governo dos homens autônomos? Uma das respostas possíveis seria: fazendo operar as tecnologias do eu no seio das populações, tomadas, ora com corpo-espécies, ora com corpo-organismo. E nesse sentido as políticas públicas surgem como potente eixo de articulação.

efetivem, por serem às vezes inoperantes, fora da realidade, ou simplesmente recusadas pelas populações, entendemos que, na medida em que essas leis se justificam amparadas em um determinado campo de saber, e aqui pensamos nas Políticas Públicas, elas se pretende com status de verdade.

As tecnologias do eu que operam para evocar uma ―experiência de si‖ (FOUCAULT,

2010b), também incidem nas políticas públicas brasileiras por meio de ecos internacionais, como é o caso dos que reverberam a partir de organizações como a ONU (Organização das Nações Unidas) que copta países para que redimensionem seus sistemas educacionais, a partir do discurso de uma ―educação para todos‖ (UNICEF, 1990), fazendo com que a escola fomente processos de subjetivação ―em massa‖.

Nesse sentido é que nos colocamos frente a um campo complexo de análise, perpassado por políticas públicas, como o caso a educação formal e institucionalizada, que toma como elemento de governamentalidade os jovens e os coloca no jogo de verdade a partir das relações com os saberes econômicos e a cultura, em um movimento borbulhante de questões, articulações, capturas e resistências, que fomentam subjetividades a partir de uma nova ética e uma nova estética do bem viver, a partir da relação do indivíduo consigo mesmo por meio da interiorização daquilo que supostamente seria inerente à essência humana.