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2 CONCEITOS FOUCAULTIANOS: SABER, PODER, GOVERNO,

2.2 O lugar da ―Teoria/Prática‖: Foucault e a caixa de ferramentas

Aproximarmo-nos dos conceitos foucaultianos para operar com eles frente a uma dada realidade é, ao mesmo tempo, um grande desafio e uma prática instigante e intrigante, sobretudo quando consideramos a própria percepção de Foucault sobre sua obra e seu pensamento, bem como sobre as teorias como um todo, inclusive aquelas das quais ele mesmo se utilizou, como podemos observar em uma de suas falas sobre Nietzsche: ―O único sinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamento como o de Nietzsche, é precisamente utilizá-lo, deformá-lo, fazê-lo ranger, gritar. Que os comentadores digam se se é ou não fiel, isto não tem o menor interesse‖. (FOUCAULT, 2011d, p.143).

A primeira das concepções foucaultianas que devemos tomar, portanto, é a de que sua teoria não é dogmática. Que pode ser subvertida se necessário, pode ser reinventada e até contestada. Podemos operar e devemos operar com deslocamentos conceituais, tomando suas ideias como hipóteses e suas experiências como provisórias.

vazia de prática, sem aplicabilidade e de certo pessimismo sobre a realidade. No entanto isso se dá por um conhecimento superficial do pensamento do autor, sendo importante dizer que para nós Foucault radicaliza a curiosidade científica, materializada no ato de perguntar, de indagar a realidade, e se, isso é básico no fazer de todos os teóricos, em Foucault não opera como mero ―ponto de partida, mas se presentifica em todas as instâncias do jogo da constituição teórica, sendo o princípio, o meio, o fim e a própria ―deixa‖ para uma revisão futura‖ (KHALIL & FARIAS, 2007, s. p.). Por isso Miguel Morey (1983) descreve o dispositivo da obra foucaultiana como: ―una máquina de interrogar nossa cultura‖ (p. ii). Talvez seja esse o movimento mais ansiado e inspirado em Foucault que desejamos alcançar.

Assim, nesta seção, fincamos os pés para situarmos como os conceitos foucaultianos são tomados por nós. Qual o lugar dos conceitos nesta tese. Na verdade, eles se configuram com ferramentas para operarmos frente às múltiplas realidades. Sim, conceitos, na concepção do próprio Foucault, são ferramentas, e para nós não poderia ser diferente. Foucault (2006) vai dizer, inclusive que seu discurso,

é, evidentemente, um discurso de intelectual e, como tal, opera nas redes de poder em funcionamento. Contudo, um livro é feito para servir a usos não definidos por aquele que o escreveu. Quanto mais houver usos novos, possíveis, imprevistos, mais eu ficarei contente. Todos os meus livros seja História da loucura seja outros podem ser pequenas caixas de ferramentas. Se as pessoas querem mesmo abri-las, servirem- se de tal frase, tal ideia, tal análise como de uma chave de fenda, ou uma chave- inglesa, para produzir um curto-circuito, desqualificar, quebrar os sistemas de poder, inclusive, eventualmente, os próprios sistemas de que meus livros resultam, pois bem, tanto melhor! (FOUCAULT, 2006b, p.52, In: POL-DROIT).

É nesse contexto que tomamos a teoria foucaultiana que, na verdade, é compreendida para além do jogo dicotômico ―teoria e prática‖. A teoria não é uma mera representatividade. É ação. Em Foucault o que temos é tão somente ação. Ação teórica, ação prática, que se dão em um revezamento ou em rede. Também nos parece importante salientar que a teoria para Foucault é sempre local, como vai nos dizer Deleuze (in: FOUCAULT, 2011a):

Talvez seja porque estejamos vivendo de maneira nova as relações teoria−prática. As vezes se concebia a prática como uma aplicação da teoria, como uma consequência; as vezes, ao contrário, como devendo inspirar a teoria, como sendo ela própria criadora com relação a uma forma futura de teoria. De qualquer modo, se concebiam suas relações como um processo de totalização, em um sentido ou em um outro. Talvez para nós a questão se coloque de outra maneira. As relações teoria−prática são muito mais parciais e fragmentárias. Por um lado, uma teoria é sempre local, relativa a um pequeno domínio e pode se aplicar a um outro domínio, mais ou menos afastado. A relação de aplicação nunca é de semelhança. Por outro lado, desde que uma teoria penetre em seu próprio domínio encontra obstáculos que tornam necessário que seja revezada por outro tipo de discurso (é este outro tipo que permite eventualmente passar a um domínio diferente). A prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra e a teoria um revezamento de uma prática a outra. Nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma espécie de muro e é preciso a prática para atravessar o muro (p. 69)

ainda que haja alguma relação de aplicação a outro domínio, sempre a ação de aplicação será única e própria. Daí usarmos a teoria foucaultiana para forjarmos nossa própria teoria. Nosso próprio movimento investigativo. Se "uma teoria é como uma caixa de ferramentas... É preciso que sirva, é preciso que funcione" (ibid, p. 71); se elas são "como óculos dirigidos para fora e se não lhe servem, consigam outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate" (idem). É assim que Foucault e seu processo investigativo se apresentam para nós, como trampolim talvez. Como um novo disparador, um dispositivo (trataremos deste conceito mais adiante).

Assim, então, os conceitos foucaultianos encaixam-se na trajetória dessa tese, como uma prática a ser revisitada constantemente, e deve servir, operar, produzir, inclusive novos conceitos, uma vez que a metáfora da caixa de ferramentas aloca a teoria foucaultiana em um perspectiva de liberdade, já que o próprio Foucault preocupou-se de que seus conceitos não fossem considerados um sistema abstrato e fechado, mas servissem, operassem como instrumento, sendo possíveis de adaptações conforme necessário.

No entanto, de modo algum, isso se configura como uma acepção frouxa de seus conceitos e de suas análises. Não se trata de uma vulgarização ou banalização de conceitos centrais de sua teoria, ao contrário, é tão somente, a compreensão de que seu rico aparato teórico deve operar e, caso não satisfaça plenamente, deve servir de suporte para perspectivas totalmente novas.

A ideia de ferramenta em Foucault, que, enquanto novo conceito, está imbricada pela inseparabilidade entre teoria e prática, finca decididamente o intelectual, o novo teórico, no campo da prática, uma vez que estará impingido a agir, operar com conceitos, transformar realidades já que o papel da teoria, claramente não é, revelar verdades ocultas, mas uma ação política de engajamento e resistência contra as formas de saber/poder. Em nossas proposições, por exemplo, operar com os conceitos foucaultianos, é ter a coragem de considerar a realidade específica de um povo, o povo cearense, mais ainda de jovens de escola pública, de modo que, os conceitos com os quais operamos, também sofreram suas reconfigurações a partir de uma configuração local.

2.3 Escolhendo as ferramentas: Governamentalidade, Biopolítica, Biopoder e