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3 APROXIMAÇÕES GENEALÓGICAS ACERCA DAS TRAMAS DE

3.2 A Educação Profissional no Brasil

3.2.1 O Ensino Técnico e a expansão industrial no Brasil

Em análise a documentos oficiais do Ministério da Educação do Brasil, vemos que este considera que a Educação Profissional, em sentido amplo, remonta à colonização e teve, nos índios e escravos, seus primeiros alunos (BRASIL, 2009), uma vez que a educação jesuítica, entre outras coisas, ensinava a estes, ofícios manuais necessários ao cotidiano da época (FERREIRA JR.; BITTAR, 2012), o que contribuiu para que se concebesse a educação para o trabalho como destinada a pessoas de baixas categorias sociais (FONSECA, 1961) numa espécie de eco das perspectivas grega, citada por nós anteriormente, onde as escolas, enquanto lugar do ócio, eram destinadas aos mais abastados e o ensino para o trabalho destinado a pobres e escravos. Só com o advento da corrida pelo ouro em Minas Gerais é que a educação para o trabalho teria atingindo os brancos (BRASIL 2009).

Algumas iniciativas educacionais para o trabalho surgiam devido a instalações de algumas fábricas em terras brasileiras por esta época. No entanto, segundo um Alvará datado de 05.01.1785, disponibilizado pelo Arquivo Nacional, promulgado por D. Maria I, rainha de Portugal, ficava proibido a existência de fabricas no Brasil,

de tecidos, ou de bordados de ouro, e prata. De veludos, brilhantes, cetins, tafetás, ou de outra qualquer qualidade de seda: de belbutes, chitas, bombazinas, fustões, ou de outra qualquer qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca ou de cores: e de panos, baetas, droguetes, saietas ou de outra qualquer qualidade de tecidos de lã; ou dos ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou misturados, tecidos uns com os outros; excetuando tão somente aqueles dos ditos teares, e manufaturas, em que se tecem, ou manufaturam fazendas grossas de algodão, que servem para o uso, e vestuário dos negros, para enfardar, e empacotar fazendas, e para outros ministérios semelhantes; todas as mais sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil, debaixo da pena do perdimento, em tresdobro, do valor de cada uma das ditas manufaturas, ou teares, e das fazendas, que nelas, ou neles houver, e que se acharem existentes, dois meses depois da publicação deste; repartindo-se a dita condenação metade a favor do denunciante, se o houver, e a outra metade pelos oficiais, que fizerem a diligência; e não havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais (PORTUGAL, 1785, s. p.)

Um ato na contramão do progresso que experimentava a Europa, mas que, segundo Fonseca (1961), alegava a alta fertilidade das terras brasileiras suficiente para a sustentação de seu povo e, mais incisivamente, o risco de autossuficiência da colônia em relação à metrópole caso esta tivesse uma autonomia agrícola, cultural e também industrial.

Na verdade, segundo Ramos (2011) iniciativas de uma educação profissional organizada só surgiram no século XIX com a chegada da família real portuguesa e a revogação do Alvará citado por nós anteriormente. D. João, por sua chegada ao Brasil, logo cuidou de criar o Colégio das Fábricas, primeiro aparato de educação profissional oficial que

temos notícias (BRASIL, 2009). Para o final do século XIX, no anoitecer do império, já com a abolição da escravatura, no Brasil o ―número total de fábricas instaladas era de 636 estabelecimentos, com um total de aproximadamente 54 mil trabalhadores, para uma população total de 14 milhões de habitantes, com uma economia acentuadamente agrário- exportadora‖ (idem, p. 2).

A primeira legislação oficial que tratou sobre educação profissional enquanto sistema nacional, chamado de ensino técnico, foi o Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, por Nilo Peçanha, e difundia um discurso de necessidade da educação profissional uma que ela serviria para, ―não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime‖ (BRASIL, 1909, p, 1). Surgiu então as Escolas de Aprendizes Artífices.

O que traz este discurso oficial presente no decreto de Nilo Peçanha é a reverberação bem articulada entre as engenharias do poder pastoral (FOUCAULT, 2013b) e as novas práticas de governamentalidade advindas dos ideais capitalistas e da ética protestante, já bem difundidos no Brasil da primeira república. A nova união entre educação formal e profissionalização é agora, não mais em função da vida, mas em nome de uma administração da vida por meio da evocação de si, distinguindo o bem do mal e reconhecendo o lugar legítimo de salvação moral e social: a escola.

Daí em diante, fundamentados sob o mesmo ―espírito‖ pastoral/libera/assistencialista, alguns outros decretos, projetos e leis foram sendo editados para dar conta do desejo governamental de uma educação que atendesse aos interesses do mercado e ao mesmo tempo garantisse a paz social por meio do livramento do mal da ociosidade: projeto Fidélis Reis, que em 1927 regulamentou o ensino profissional gratuito e obrigatório em todo o país; em 1937 a constituição nacional que tratava do ensino técnico, profissional e industrial; a ―Reforma Capanema‖, em 1941, que tornou o ensino profissional como nível médio...

Na constituição de 1937, que figura no período do Estado Novo, além de o ensino técnico ser destinado a classes mais pobres da sociedade, as indústrias e os sindicatos têm o dever de manter escolas de aprendizes para os filhos de seus funcionários e/ou associados (BRASIL, 2009). De maneira formal a política pública brasileira se aproxima da iniciativa privada e se atrela a ela, possibilitando a permeabilidade dos primeiros ares e interesses liberais no cenário educacional.

É neste contexto que, na década de 40, surge o famoso sistema ―S4‖, hoje conhecido como sistema ―S‖. Composto pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI),

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço da Indústria (SESI). O que vimos nesta época foi a inciativa privada, não reconhecendo nos modelos oficiais de educação propostos pelo estado, inaugura uma educação paralela, conforme afirma Oliveira (S.d.) criou-se um sistema paralelo empreendido pelo SENAI, bem mais moldado aos interesses destas instituições.

Retomando a linha de promulgação de leis que trataram da educação profissional temos, com um cenário bastante promissor para a estabilização das escolas técnicas com o Plano de Metas do Governo de Juscelino Kubitschek. Neste período a relação entre Estado e economia é bastante estreitada e para atingir seu objetivo de crescer 50 anos em 5, Juscelino abre as portas das fronteiras brasileiras que são tomadas por indústrias automobilísticas. Quando vemos os registros documentais constatamos pela primeira vez um orçamento significativo para a educação. Cerca de 3,4% do total de investimentos previstos para os diversos setores brasileiros (BRASIL, 2009). A educação é arrastada pela urgência das indústrias que necessitam de mão de obra. A isso se chama ―formação de profissionais orientados para as metas de desenvolvimento do país‖ (idem, p. 4).

Seguindo este mesmo delineamento vieram as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 4.024/61 e nº 5.692/71. A primeira dizia em seu Art. 34 que ―o ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário‖ e a segunda vai além, tornando compulsório o ensino técnico, e não uma possibilidade como prevista na Lei º 4.024/61.

Até aqui, no Brasil, não havia muita clareza quanto à obrigatoriedade de oferta dos cursos técnicos, se esta responsabilidade seria da união, dos estados ou dos municípios. Até mesmo porque o sistema ―S‖ recebia subsídios do governo e cobria parte da demanda. As leis regulamentavam o ensino, mas não obrigavam nenhum ente de forma clara e comprometida. Grande parte das escolas técnicas eram mantidas pela união e constituíam a Rede de Educação Profissional e Tecnológica inaugurada em 1909 (ESCOTT; MORAES, 2012).

Durante as décadas de 1960 e 1970, época em que se deram as grandes transformações educacionais no Brasil e um movimento de institucionalização da educação profissional, como pudemos ver, muitos foram os acordos realizados sob a influência de instituições internacionais de cunho econômico financeiro. Para compreendermos a produção dos discursos que legitimaram a firmeza da educação profissional como modalidade oficial, vamos nos ater há alguns destes acordos.

Até os anos de 1946 muitas mobilizações populares surgiam em defesa de uma educação publica e gratuita, centrada no aluno e seus interesses, embora ainda com um viés funcionalista no que se refere aos fins da educação. Dentre estes movimentos temos o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (AZEVEDO; DORIA et alii, 2006). Havia uma clara insatisfação no que se refere às estruturas da sociedade da época, sobretudo com a intensificação dos conflitos entre capital e trabalho. Os movimentos sociais em defesa da educação foram ouvidos, ao menos foi o que se pensou, e as mudanças legislativas ocorridas na época queriam dizer que era em nome destas reivindicações que atuavam. No entanto, o que se percebeu foi que os decretos-leis promulgados na época não conseguiram vislumbrar o sistema educacional como um todo, mantendo-se elitista e discriminatório (FAZENDA, 1988). Entre os anos de 1946 e 1961 a realidade só se consolidou ainda mais. Os ideais de educação democrática foram sufocados pelos ideais da igreja e em nome da sobrevivência do sistema econômico (idem).

No ano de 1962, afetados pela adesão de Cuba ao regime marxista-lenista, os países componentes da Organização dos Estados Americanos (OEA), se reuniram no Uruguai onde se deu origem ao Acordo de Punta Del Este. Neste acordo despontou uma relação de interdependência entre o Brasil e os Estados Unidos, sob o argumento de modernização por meio do mercado externo (NETO, 2005), mas que também era motivada pelo fortalecimento das práticas neoliberais em combate à ameaça comunista que soprava dos ventos cubanos. É neste acordo que a lei nº 4.024/61, tratada anteriormente, tem seu nascedouro.

Foi do Acordo de Punta del Este que surgiu também os acordos MEC/USAID que na pratica consistiram na entrega do sistema educacional brasileiro a técnicos americanos por meio da Agencia para o Desenvolvimento Internacional (AID). O sistema educacional fora organizado no vislumbre do mercado e não das necessidades do povo brasileiro (FAZENDA, 1988).

Ainda segundo Fazenda (idem) outra conferência, agora a de Santiago em 1970 foi fundamental para a configuração das leis educacionais desta época, mas precisamente sob a égide da LDB nº 5.692/71, que ainda sob os moldes do acordo MEC/USAID buscava preparar alunos produtores, consumidores e portadores de mão-de-obra para a dinâmica industrial. É importante salientar que por esta época é promulgado o Ato Institucional nº 5, o que impedia contestações acerca dos rumos e modelos que assumia a educação brasileira, de modo que esta foi, cada vez mais assumindo ares de legitimidade ―absoluta‖ ainda que abruptamente, e o espírito de produtividade e a linguagem científico-tecnocrata agora regia todo o cenário educacional, sobretudo aquele do ensino de 2º Grau, correspondente ao Ensino Médio de

hoje.

A miscelânea entre interesses neoliberais no Brasil para fortalecer o combate aos fantasmas comunistas, sob a batuta americana, e as ações de um estado autoritário e repressor configurado na ditadura militar, parecem encontrar, no discurso de uma educação profissional, contra o ―ócio‖ e as artimanhas de satanás14

, um campo fértil para suas engenhosidades. Ao tempo que se pôde entender as engrenagens educacionais, desta época, como sendo produto dos agenciamentos neoliberais, estas também atuam num movimento de retroalimentação do liberalismo, operando como dispositivo de produção da realidade ansiada pelo mercado.

No ano de 1994, embora já num cenário de redemocratização, o Governo Federal sancionou a Lei Nº 8.948, de 8 de dezembro 1994 que restringia o investimento de recursos em sua rede de educação (BRASIL, 1994), fragilizando a educação profissional pública e abrindo ainda mais campo para a iniciativa privada reger as vivências e propostas educacionais, seguindo as mesmas práticas de seus antecessores. Esta Lei só seria modificada pela Lei nº 11.195, de 18 de novembro de 2005.

No cenário pós-ditadura militar o sistema educacional foi regulamentado pela LDB nº 9.394/96. Marco na história da educação brasileira por trazer claramente a obrigatoriedade de financiamento público para a educação pública, mas também que responsabiliza os entes públicos por cada nível de educação, a saber: Municípios, Ensino Fundamental; Estados, Ensino Médio; Governo Federal, ensino superior. Esta LDB também regulamenta a separação entre educação básica e educação profissional, mantendo possibilidades desta última ser ofertada posteriormente, concomitantemente, a integradamente à primeira. Algumas instituições privadas que ainda mantinham cursos técnicos aos moldes da LDB nº 5.692/71 poderiam se arriscar (e se arriscaram) nestas modalidades de oferta da educação profissional juntamente com o Ensino Médio.

Outro parêntese se faz necessário neste momento. Por esta época já se via surgir os primeiros movimentos para um novo cenário econômico e político, que se configuraria em naquilo que conhecemos como globalização. A abertura das fronteiras e do mercado, que transformaria o cenário geopolítico mundial, era eminente, e a educação volta aos sonhos daqueles que a tem como lugar possível e real de articulação da realidade. Vemos ressurgir por estes tempos o antigo discurso iluminista/funcionalista de uma ―Educação para todos‖.

A Declaração de Jomtien, em 1990 (UNESCO, 1998) e o relatório da UNESCO para a educação do século XXI tratavam de atualizar este discurso agora com todos os adereços da

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globalização (DELORS et alii, 1996), sobretudo quando em Jomtien, em seu Art. 10º há uma convocação para o inter-relação entre as nações para uma cooperação mutua na busca pela melhoria da qualidade educacional dos países mais pobres (UNESCO, 1998).

Vemos a influencia deste movimento na legislação brasileira quando nos deparamos com o Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, que trata o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (BRASIL, 2007) e buscava alinhar a educação brasileira aos interesses internacionais, à luz do relatório da UNESCO, sobretudo no que toca a oferta, permanência e ampliação da jornada educacional para além da jornada regular, aumentando o tempo em que o aluno fica sob os cuidados da escola. Sem falar também que a ideia de uma educação permanente sob a égide do ―aprender a aprender‖, um dos pilares da educação para o século XXI, como defende a UNESCO, também balizaram e balizam as iniciativas educacionais no que toca as políticas públicas brasileiras.

Esse decreto foi a primeira sinalização para a criação de escolas de tempo integral e se constituiu no cenário que permitiu a implementação do programa ―Brasil Profissionalizado‖, regulamentado pelo Decreto nº 6.302, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007b) que incentivou os estados da federação a implantarem escolas profissionalizantes integradas ao Ensino Médio, ampliando a jornada de estudo, na modalidade de tempo integral, como expresso em seu Art. 1º. Esse movimento fez com que a educação profissional se achegasse aos domínios dos estados uma vez que a LDB 9.394/96 responsabilizava estes entes pelo Ensino Médio e agora este seria também profissionalizante, ao menos em algumas escolas.

É aqui, no deslanchar do Programa Brasil Profissionalizado, que se inauguram as experiências de educação profissional nos estados brasileiros, sobretudo em São Paulo, Pernambuco e Ceará.

3.2.2 A “redescoberta” de uma educação profissional em meados dos anos 1990 e sua