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Ativismo judicial

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 37-43)

1 EFETIVIDADE PROCESSUAL

1.4 Ativismo judicial

Na busca por efetividade e razoável duração do processo, tem ganhado destaque o termo ‘ativismo judicial’, comumente utilizado para designar a postura participativa do juiz, independentemente da provocação das partes, com o propósito de fazer justiça à luz dos princípios constitucionais norteadores do direito.

O conceito completo de ativismo judicial, contudo, é algo não definido pela literatura jurídica ou pela jurisprudência. Isso porque, enquanto alguns qualificam como ativismo judicial somente a conduta do magistrado que extrapole regras escritas e praticamente crie novas normas, outros já utilizam o termo para qualquer atividade proativa da parte daquele profissional, mesmo se estiver expressamente prevista em lei, ou nem sequer fazem essa diferenciação.

Aparentemente nesse último sentido, Cândido Rangel Dinamarco45 entende que “Ativismo judicial é a expressão da postura participativa do juiz – seja mediante a iniciativa probatória, seja pelo efetivo comando do processo e constante integração na problemática ali residente, seja mediante o efetivo diálogo com os litigantes”.

Por outro lado, Jamile Bergamaschine Mata Diz e Gláucio Inácio da Silveira46, além de adotarem a posição doutrinária transcrita como um dos aspectos do ativismo, ressaltam o que, em sua visão, é outro viés do ativismo judicial, que se aproxima à teoria unitária do processo:

postura participativa do juiz no processo de criação da norma jurídica. Nesse sentido, a ideia de ativismo representa um rompimento com a postura positivista...atitude do juiz que, recusando-se a ser um cego aplicador da lei, participa efetivamente do processo de formação da norma jurídica. O ativismo não sugere, porém que o juiz simplesmente ignore a lei e se arrogue função legislativa...O que recomenda o ativismo judicial é que a interpretação do direito infraconstitucional se realize a partir da Constituição e seja inspirada pelos valores prevalecentes no meio social. A interpretação deve, em última análise, voltar-se para a consagração do valor justiça.

45 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo I. 6.ed. São Paulo:

Malheiros, 2010, p.846.

46 DIZ, Jamile Bergamaschine Mata; SILVEIRA, Gláucio Inácio da. O ativismo judicial no direito comparado.

Na opinião de Elival da Silva Ramos47, que vai além do conceito exposto, o ativismo judicial apenas estará tipificado em casos de atuação do juiz extremamente desvinculada de suas funções essenciais, ou seja, efetivamente como criador de normas:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes.

Observamos, portanto, certa divergência na literatura jurídica a respeito do conceito de ativismo judicial e do momento em que o magistrado deixa de exercer sua função natural regulada pelos princípios do impulso oficial e dispositivo e começa a praticá-lo. Para alguns, mesmo no exercício da função natural do juiz pode-se falar em ativismo se a sua postura for bastante dinâmica.

Embora tenhamos abordado as diferentes visões sobre ativismo judicial, entendemos não ser relevante, na prática, chegar-se a um consenso sobre a definição exata do termo, inclusive por não haver norma que refira a esse conceito e regule expressamente a conduta ativista. Ou seja, não está claro, no ordenamento jurídico brasileiro, nem o que é, e nem até que ponto é possível praticar ativismo.

Exercendo ou não conduta tida como ativismo judicial, importa que o magistrado aja de maneira eficiente e ágil, para entregar às partes aquilo que lhes é de direito, e fundamente a sua atuação juridicamente, se não em uma regra escrita autossuficiente, ao menos em princípios constitucionais.

Dessa forma, exercerá a jurisdição em toda a sua magnitude. Se isso for interpretado como ativismo judicial, muito bem, é o que defendemos, pois essa conduta traz uma vantagem imbatível ao direito do consumidor: a sua máxima efetividade. Os argumentos de que fere a segurança jurídica não devem demover o julgador dessa postura.

Segurança jurídica dispõe o consumidor ou o grupo de consumidores que sabe ter a proteção máxima do Estado, e confia em que o Poder Judiciário, mediante o exercício real da jurisdição, fará prevalecer o seu direito se o fornecedor de serviços ou produtos

desrespeitá-lo. Sob esta ótica, a segurança jurídica é muito mais do que pretender ser o magistrado conservador na aplicação das regras processuais. Se tiverem sido obedecidos o contraditório, a ampla defesa e todos os demais direitos e princípios relacionados ao devido processo legal, não é possível ao fornecedor alegar ausência de segurança jurídica, pois sabe que o magistrado dispõe de todas as ferramentas para implementar o direito do consumidor violado, sem tecnicismos desnecessários.

A propósito, em artigo sobre esse tema, Glauco Gumerato Ramos48 opõe o ativismo judicial ao garantismo processual, e aponta que o debate de um versus o outro decorre da relevância que se dá aos institutos da jurisdição e do processo. Para os ativistas, a jurisdição se sobreleva. Para os garantistas, é o processo, entendido como devido processo legal, que merece distinta proeminência.

A postura proativa do magistrado, sendo ativismo judicial ou não, justifica-se pelos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional – pois nenhuma lesão ou ameaça a direito será afastada de apreciação pelo Judiciário – e da efetividade e da razoável duração do processo. É com este objetivo que o juiz muitas vezes participa mais preponderantemente do processo. O STJ já inclusive se posicionou no sentido de que o ativismo judicial, aparentemente tomado pelo conceito mais genérico de participação ativa do juiz, mesmo com base em lei expressa, é desejável para a realização satisfatória da justiça:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN JUD.

(...) 3. A regra é a de que a quebra do sigilo bancário em execução fiscal pressupõe que a Fazenda credora tenha esgotado todos os meios de obtenção de informações sobre a existência de bens do devedor e que as diligências restaram infrutíferas, porquanto é assente na Corte que o juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN após o exeqüente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens.

(...)

5. Todavia, o sistema BACEN JUD agiliza a consecução dos fins da execução fiscal, porquanto permite ao juiz ter acesso à existência de dados

48 Acerca do garantismo processual, continua: “Em linhas gerais, o garantismo reforça a importância do devido

processo legal – da categoria fundamental processo, portanto – como legitimador do produto da tutela jurisdicional. Para os garantistas, reside aí a garantia da segurança jurídica a que todos fazem jus como postulado constitucional democrático, de tal modo que as investidas do ativismo judicial abalariam essa dinâmica de funcionamento das coisas, com o comprometimento, ao final, não apenas do devido processo legal, mas também da segurança jurídica que se espera seja mantida pela ordem constitucional. Ou seja, postula-se que é temerária a substituição do processo, como método de debate, pela manifestação ativista do juiz, que acaba pondo de lado certas garantias constitucionais em nome da solução que lhe parece mais ‘justa’ ao caso concreto” (RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate. MPMG Jurídico nº 18, out./nov./dez., 2009, p.13-14).

do devedor, viabilizando a constrição patrimonial do art. 11, da Lei nº 6.830/80. Deveras é uma forma de diligenciar acerca dos bens do devedor, sendo certo que, atividade empreendida pelo juízo, e que, por si só, torna despiciendo imaginar-se um prévio pedido de quebra de sigilo, não só porque a medida é limitada, mas também porque é o próprio juízo que, em ativismo desejável, colabora para a rápida prestação da justiça.

7. Destarte, a iniciativa judicial, in casu, conspira a favor da ratio essendi do convênio. Acaso a constrição implique em impenhorabilidade, caberá ao executado opor-se pela via própria em juízo.

8. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 666419/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 27.6.2005).

Assim, entendemos devam ser admitidas a concessão de tutelas de urgência inaudita altera pars, independentemente de sua natureza (se cautelar, antecipatória de tutela ou liminar em ação de execução específica de obrigações de fazer ou não fazer), e a atividade probatória ex officio, dois dos melhores exemplos dessa postura participativa do juiz, ainda que previstas em lei e, portanto, teoricamente não ultrapassando aquilo que razoavelmente se espera de um magistrado.

A maior parte dos exemplos aos quais nos referimos diz respeito a atuações do magistrado previstas na lei processual, portanto desejadas pelo legislador. Todavia, em algumas situações, o juiz não está amparado em legislação evidente. Por não haver legislação muito clara a respeito de determinado tema, o julgador interpreta visando preservar algum valor, usualmente a justiça.

Nesse contexto, emergem as ideias de puro pragmatismo ou consequencialismo expostas pelo ex-ministro Nelson Jobim quando no Supremo Tribunal Federal, por não ressalvar a necessidade de observação a pressupostos jurídicos para se atingir os objetivos políticos. Trata-se da alegada necessidade de considerar a consequência política da lide à sociedade como um todo, como critério determinante do julgamento, caso haja várias interpretações possíveis, ainda que não se entenda como justa tal decisão. Segundo o então ministro,

Quando só há uma interpretação possível, acabou a história. Mas quando há um leque de interpretações, por exemplo cinco, todas elas são justificáveis e são logicamente possíveis. Aí, deve haver outro critério para decidir. E esse outro critério é exatamente a consequência. Qual é a consequência, no meio social, da decisão A, B ou C? Você tem de avaliar, nesses casos muito pulverizados, as consequências. Você pode ter uma consequência no caso concreto eventualmente injusta, mas que no geral seja positiva. E é isso que

eu chamo da responsabilidade do Judiciário das consequências de suas decisões 49.

Em face de problemas como esse surgiu, como limite ao ativismo judicial, o conceito de reserva do possível, pelo qual se pondera a aplicação dos direitos sociais à efetividade fática orçamentária, buscando delimitar a medida em que poderá um direito constitucionalmente assegurado ser, dentro da realidade financeira do Estado, concretamente realizado.50

Podemos classificar esse tipo de posicionamento do Supremo Tribunal Federal como a judicialização da política, da economia e das questões sociais. Segundo José Eduardo Faria51, o Estado é incapaz de controlar e regular, com os instrumentos normativos de um ordenamento jurídico resultante de um sistema romano, rígido e sem vínculos com a sociedade contemporânea, mercados cada vez mais integrados em escala planetária. O Estado legisla desenfreadamente para tentar coordenar, limitar e induzir o comportamento dos agentes produtivos, formando um “cipoal normativo”, gerando incerteza e contradições que acabam sendo levadas ao Poder Judiciário na tentativa de estabelecer um mínimo de coerência no sistema jurídico. Exige-se do Poder Judiciário um trabalho de interpretação contínuo, que leva juízes a praticamente assumirem um poder legislativo e criar um protagonismo judicial nas questões econômicas, sociais e políticas.

São provas desse fenômeno os julgamentos do Supremo Tribunal Federal a respeito da união homoafetiva e da fidelidade partidária pelos políticos. É o momento de o Poder Judiciário também demonstrar sua proatividade ao analisar os direitos do consumidor quando tutelados coletivamente, sem apego a tecnicismos inócuos que servem como fundamento aos críticos daquele Poder.

Enquanto isso não ocorre, entendemos que o juiz pode e deve atuar para atender a política nacional de relações de consumo disposta no artigo 4º do CDC, ainda que

49 Em entrevista ao jornal Valor Economico criticada por Fábio Martins de Andrade (ANDRADE, Fábio Martins

de. O Conseqüencialismo, a Modulação Temporal dos Efeitos e o Ativismo Judicial nas Decisões do Supremo Tribunal Federal e o Estado de Direito. Revista Dialética de Direito Tributário nº 172, jan. 2010, p.34 e seguintes).

50 “Deve-se observar, porém, que se o ativismo judicial não pode ser invocado pelo juiz para encobrir

arbitrariedades, a reserva do possível também não pode ser utilizada pela Administração para escamotear suas possibilidades materiais e frustrar a incidência de normas da constituição”.(DIZ, Jamile Bergamaschine Mata; SILVEIRA, Gláucio Inácio da. O ativismo judicial no direito comparado. Revista da Ajuris – Associação dos juízes do Rio Grande do Sul, ano XXXV, nº 110, jun. 2008, p.169).

51 FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e desafios futuros. Disponível

em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200006&script=sci_arttext. Acesso em: 15 jun. 2013.

isso seja considerado judicialização da política. A proeminência do juiz no processo e a sua participação ativa para o julgamento das lides que lhe são levadas podem ser norteados por valores diversos, mas deveriam sempre se apoiar em fundamentos jurídicos e ter como objetivo a efetividade processual, algo que se pretende obter do Poder Judiciário. Nesse aspecto, são pertinentes as palavras de Antônio de Pádua Ribeiro52:

No tocante ao posicionamento do Judiciário como poder político do Estado, o que se espera, no Brasil, é a manutenção das mesmas regras e princípios hoje existentes, que igualam ou até mesmo superam em conquistas as já obtidas por outros importantes Estados democráticos de direito. O problema está em colocar em prática esses princípios, de maneira a tornar o exercício das funções jurisdicionais menos moroso e mais eficiente, tendo em conta que o Judiciário presta serviço público de alta relevância, qual seja, aquele de distribuir justiça.

Se o Supremo Tribunal Federal considera a consequência de seus julgados para decidir, o impacto destas decisões deve ser cuidadosamente analisado quando se trata de ações coletivas, por suas largas repercussões. Ao agirem assim, os julgadores – de qualquer instância, inclusive – devem considerar os princípios aplicáveis aos processos coletivos, otimizando a concretização desses princípios à luz da efetividade e da duração razoável do processo almejadas pelo operador do direito e pela sociedade.

Ao longo deste estudo apontaremos situações nas quais o magistrado competente para julgar um processo coletivo pode atuar de maneira ativa, mesmo que para alguns esteja praticando o ativismo judicial.

52 RIBEIRO, Antônio de Pádua. O Judiciário como poder político no século XXI. Revista Síntese de Direito

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 37-43)