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Importância das ações coletivas: função social e econômica

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 49-54)

2 A EFETIVIDADE NAS AÇÕES COLETIVAS

2.2 Importância das ações coletivas: função social e econômica

As ações coletivas são instrumentos extremamente relevantes para a realização dos direitos do consumidor, não apenas pela importância de seu objeto, mas também pela forma de instrumentalização dos respectivos processos. Segundo o artigo 1º da Lei nº 7347/1985,

Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; ll - ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse

66 Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C896067D8CF5CBE357F877893 623E415.node2?codteor=754582&filename=Parecer-CCJC-17-03-2010>. Acesso em: 28 jul. 2013.

difuso ou coletivo; V - por infração da ordem econômica; VI - à ordem urbanística.

Ou seja, os direitos protegidos por este instrumento processual são dos mais caros à sociedade.

Mas, além disso, as ações coletivas em geral asseguram o acesso à justiça e adquirem importância fundamental pelo fato de tutelarem conjuntamente interesses de inúmeras pessoas, estas muitas vezes indetermináveis. É difícil mensurar o alcance de uma ação coletiva justamente pelo fato de poder ser aproveitada por qualquer pessoa lesada pelo réu, o que, por si só, demonstra a relevância do instrumento.

São notórias as dificuldades gerais de acesso à justiça, especialmente no Brasil. Dentre elas, podemos enumerar os custos processuais e com advogados, o tempo do processo e a ignorância sobre os direitos dos cidadãos.

Essas dificuldades foram reconhecidas em escala global inclusive por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua obra “Acesso à Justiça”, na qual lecionam que os novos direitos substantivos das pessoas comuns (dentre os quais, em várias passagens da obra, incluem-se os direitos dos consumidores) têm sido particularmente difíceis de fazer valer individualmente, dadas as barreiras enfrentadas por pessoas relativamente fracas com causas pequenas, contra gigantes organizacionais, especialmente corporações ou governos. Tais indivíduos, com estas demandas, frequentemente não conhecem seus direitos, não procuram auxílio ou aconselhamento jurídico e não propõem ações67.

Assim, a ação coletiva não apenas tutela direitos inclusive inalienáveis, mas gera benefícios a toda a coletividade, até mesmo intuitivos, que se espalham entre aqueles ao Estado ou aos terceiros lesados, ou a todos concomitantemente, posto que ao beneficiar o Estado, indiretamente toda a sociedade será favorecida. Não se ignora, porém, que, muitas vezes, o próprio Estado viola direitos coletivos e igualmente merece se sujeitar às respectivas ações judiciais.

Ao Estado, podemos imaginar que a tutela coletiva de direitos coletivos assegura a obediência a direitos fundamentais como os do consumidor, portanto apoia políticas públicas, ao mesmo tempo em que ajuda a evitar inúmeras ações individuais repetitivas, que causam morosidade ao sistema judiciário e ainda o expõem a um maior risco de decisões contraditórias, gerando insegurança jurídica.

67 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Por outro lado, o indivíduo lesado pelo ato ilícito atacado pela ação coletiva pode se ver beneficiado por uma eventual sentença de procedência sem qualquer (ou com pouco) esforço, seja pelo fato de um direito coletivo que lhe interessa ser assegurado e diretamente beneficiá-lo, suprindo as suas pretensões (exemplificativamente, a cessação de uma publicidade abusiva), seja porque somente precisaria posteriormente liquidar e executar a sentença para ser ressarcido por danos individualmente sofridos.

Sabe-se inclusive que muitas vezes os consumidores, diante das dificuldades mencionadas, não se sentem encorajados a propor ações individuais, mas terão seu direito tutelado coletivamente e isso os beneficiará diretamente ou por meio do incremento das relações sociais e de mercado. Podemos supor, por exemplo, a prática ilegal de fornecedor de serviços contínuos que costume cobrar R$ 10,00 a mais na conta de cada consumidor. É muito provável que o consumidor individualmente decida não tomar qualquer atitude contra isso perante o Poder Judiciário, pois acabaria gastando mais do que o benefício econômico decorrente da ação judicial. Todavia, quando analisado de maneira coletiva, o ato ilícito do fornecedor pode estar gerando milhões de reais de prejuízo ilegal aos consumidores, que certamente serão adversamente afetados se a situação não for resolvida. Nesse caso, então, bastaria a ação coletiva para fazer cessar a conduta ilegal do fornecedor ou ainda levá-lo a pagar indenização por perdas e danos. Conforme decidiu o STJ,

As ações coletivas lato sensu – ação civil pública ou ação coletiva ordinária – visam proteger o interesse público e buscar a realização dos objetivos da sociedade, tendo, como elementos essenciais de sua formação, o acesso à Justiça e a economia processual e, em segundo plano, mas não de somenos importância, a redução dos custos, a uniformização dos julgados e a segurança jurídica. (STJ, CC 96.682/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 23/03/2010).

Estes também têm se mostrado os principais motivos utilizados pela literatura jurídica para justificar a importância das ações coletivas. Com efeito, Sérgio Seiji Shimura68 ensina que a ação civil pública serviu como resposta às demandas da sociedade massificada,

para dar vazão à litigiosidade diluída difusamente na sociedade, aliada ao desconforto e à ilogia de a mesma Justiça decidir conflitantemente sobre um mesmo fato da vida invocada por partes individuais distintas, para tornar mais aberto o canal de participação da sociedade contra o poderio político ou econômico.

As ações coletivas se coadunam perfeitamente com a preocupação pela efetividade, conforme assegura Patricia Miranda Pizzol69 ao elencar os motivos pelos quais aquelas também possibilitam acesso mais amplo e efetivo à ordem jurídica justa:

(a) uma ação coletiva pode substituir várias ações individuais, o que permite uma melhor atuação do Judiciário, além de proporcionar maior segurança, à medida que são evitados julgados conflitantes (usando as palavras de Kazuo Watanabe, a ação coletiva permite a substituição da atomização das ações pela molecularização dos conflitos);

(b) pessoas que não teriam acesso ao Judiciário em razão dos diversos obstáculos que a demanda judicial pressupõe (custas, descrença no Judiciário e nos advogados, morosidade, dificuldade na identificação do direito etc.); (c) a ação coletiva fortalece o Judiciário, racionalizando o seu trabalho, permitindo que o Judiciário participe das grandes controvérsias nacionais; vale dizer que o processo coletivo tem sempre relevância social e política.

Ainda segundo a doutrinadora, a tutela coletiva do direito do consumidor e de outros direitos coletivos tem sido prestigiada não apenas no Brasil, mas também em outros países, exatamente por se tratar de instrumento de efetividade processual e pela necessidade de adequação do processo e das instituições processuais às exigências de tutela dos novos direitos.70

Com efeito, os benefícios da tutela coletiva de direitos são constantemente lembrados pela literatura jurídica estrangeira, inclusive a norte-americana, entendida como vanguardista nessa matéria. Quanto a isso, é interessante a lição de Gene A. Marsh71, professor da faculdade de direito da Universidade do Alabama, Estados Unidos da América, também por lembrar que é muito maior e mais nefasta a um fornecedor a repercussão negativa de uma ação coletiva do que uma correspondente ação individual proposta pelo consumidor:

Class actions play an important part in the enforcement of consumer protection laws. In cases where individual consumer claims would produce a small award of damages, a class-based effort may provide the appropriate incentives to bring the action (...). Class actions may also be more effective than individual claims in forcing defendants to modify their behavior. A

69 PIZZOL, Patricia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça. In:

Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson Nery; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord). São Paulo: RT, 2006, p. 89.

70 PIZZOL, Patricia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça. In:

Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson Nery; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord). São Paulo: RT, 2006, p. 89.

71 MARSH, Gene A.. Consumer protection Law – in a nutshell. Third edition. St. Paul, Minnesota: West

company may be willing to risk continuing a predatory business practice if the odds are that only infrequent individual claims will be filed. However, the filing of a statewide or national class generally raises both the stakes and the publicity surrounding the business practice. Class actions make it possible for individual consumers, who would otherwise be out-resourced in individual claims to join together and take on economically powerful interests.

Ainda há muito a evoluir no Brasil a respeito dessa matéria. O próprio instituto das ações coletivas não é familiar à maior parte da população. Muitas vezes os indivíduos desconhecem os direitos do consumidor, e mais ainda, que eles podem ser ou já ter sido abordados em ações coletivas que dispensam seus esforços e custos individuais, ao menos inicialmente.

A exemplo disso, vejamos a enorme comoção que causaram as chegadas, entre 2007 e 2011, dos termos finais dos prazos de prescrição de ações de ressarcimento de consumidores bancários72 decorrentes de questões de expurgos inflacionários relacionados aos planos econômicos Bresser, Verão e Collor. Instigados pela grande mídia sobre a iminência da perda de suas pretensões, consumidores mobilizaram-se para propor ações individuais em tempo, gerando filas que duravam horas para a simples distribuição de uma ação e assoberbando o Judiciário com centenas de milhares de novas ações judiciais idênticas na sua essência, conforme noticiado na época73.

A maior parte dos consumidores provavelmente não sabia que diversas ações coletivas contra praticamente todos os bancos do país já estavam em curso, o que dispensaria a propositura de ações individuais, exceto os procedimentos de liquidação e execução.

72 Estes já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal como consumidores beneficiários dos direitos trazidos

pela Lei nº 8.078/90, em função da ADI 2.591, baseada em grande parte no conteúdo do §2º do artigo 3º do CDC (“§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”), com a seguinte ementa: “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.

(...)” (STF, ADI 2591, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, Rel. para acórdão Ministro EROS GRAU, TRIBUNAL PLENO, j. 06/06/2006, DJ 29/09/2006).

Ademais, mesmo no eventual caso de improcedência dos pedidos das ações coletivas e da inexistência de coisa julgada a afetar individualmente os consumidores, seria muito difícil que, havendo o precedente desfavorável nas ações coletivas, resultado diverso fosse gerado nas ações individuais, pela relevância e repercussão que as decisões nas ações coletivas representariam.

Portanto, tivessem os consumidores conhecimento do instituto das ações coletivas em trâmite e fossem elas realmente públicas no sentido de a sua existência ser de conhecimento geral, muito provavelmente não teriam corrido para a propositura de tantas ações individuais e não teriam contribuído com a sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário.

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 49-54)