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Princípios específicos dos processos coletivos

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 132-135)

4 A ATUAÇÃO DO JUIZ PELA EFETIVIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS

4.1 Princípios norteadores da função jurisdicional em ações coletivas

4.1.3 Princípios específicos dos processos coletivos

Somados aos (e amparados nos) princípios fundamentais já listados nos capítulos anteriores, verificamos em parte da doutrina referências a outros específicos dos processos coletivos190. Apontaremos resumidamente aqueles que nos parecem ser os principais, e que contribuem para justificar os atos do magistrado em cada uma das fases do processo.

190 Eneida Pinto de Souza (PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista

de Processo nº 151, ano 32, set. 2007, p. 312-313) inclui, dentre esses princípios específicos, o da máxima efetividade do processo coletivo. Contudo, já apontamos acima que entendemos ser a efetividade do processo o grande ponto de partida para o estudo das ações coletivas relacionadas a lides do consumidor, norteador de todos os demais princípios, na linha em que estruturamos o raciocínio desenvolvido nesta dissertação. Não é, pois, apenas mais um dos princípios que regem as ações coletivas. Ainda assim, vale apontar que, segundo a referida doutrina, esse princípio decorre da necessidade de se alcançar a verdade processual em seu grau máximo de probabilidade sobre os fatos alegados na ação coletiva, por imposição do interesse social e em decorrência do direito de acesso à justiça, além de estar implícito nos já comentados artigos 83 do Código de Defesa do Consumidor e 21 da Lei de Ação Civil Pública.

Por força desse princípio, o juiz deve se valer de todos os instrumentos para alcançar a verdade real e proporcionar a tutela adequada e efetiva dos direitos transindividuais. Assim, pode determinar de ofício a produção de todas as provas pertinentes, embora sempre observando o devido processo legal, e conceder as medidas necessárias à eficácia de seus atos. Isso decorre do impulso oficial, que é incomensuravelmente maior nas ações coletivas, tanto que o Anteprojeto da Nova Lei de Ação Civil Pública especificará alguns poderes do juiz não aplicáveis aos processos individuais, tais como a flexibilização da técnica processual e a possibilidade de desmembramento de processo coletivo para conveniência da tramitação, conforme enfatizado inclusive na exposição de motivos daquele projeto de lei.

1) Princípio da primazia do conhecimento do mérito do processo coletivo: decorrente do fato de o Poder Judiciário, no atual sistema constitucional, assumir a função de transformar a realidade social, dando efetividade às normas garantidoras dos direitos coletivos fundamentais. Dessa forma, o Poder Judiciário tem interesse de enfrentar o mérito do conflito para promover a pacificação social. Em homenagem a esse princípio, o juiz deve flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual191 tanto quanto possível, para efetivamente resolver a lide, pautado na instrumentalidade das formas e no sistema das invalidades processuais do CPC, notadamente o artigo 249, §2º192, segundo o qual, quando puder decidir o mérito a favor de quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato;

2) Princípio da máxima prioridade da tutela coletiva193: Poder Judiciário deve atuar para priorizar demandas coletivas, pois resolve inúmeros conflitos de uma só vez e gera todos os benefícios já indicados nesta dissertação. Nesse sentido, o PLS 282/2012 inclui o §3º ao artigo 81 do CDC e o artigo 104-A para prever que as ações coletivas terão prioridade de processamento e julgamento, exceto perante ações populares e de alimentos;

3) Princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva194 ou princípio da não taxatividade e atipicidade da ação e dos processos coletivos195: todos os tipos de ações, procedimentos e medidas podem ser usados em prol da tutela coletiva – decorrência dos artigos 83 do Código de Defesa do Consumidor (“Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”) e 21 da Lei de Ação Civil Pública (“Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”). Sob esse raciocínio, qualquer restrição à tutela coletiva do direito do consumidor seria inconstitucional, inclusive como decorrência do disposto no artigo 129, III, da Constituição da República (“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil

191 PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo nº 151, ano

32, set. 2007, p. 312-313.

192 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. v.4.,

7.ed. Salvador: Jus Podium, 2012, p. 119.

193 PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo nº 151, ano

32, set. 2007, p. 312-313.

194 Conforme PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo,

ano 32, nº 151, set. 2007, p. 312-313.

195 Também segundo a denominação utilizada por ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo

brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.575; DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. v.4.7.ed. Salvador: JusPodium, 2012, p. 126-128.

pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”);

4) Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva196: busca-se aproveitar ao máximo e beneficiar o maior número possível de pessoas, pelo que se admite coisa julgada erga omnes ou “ultra partes”. Entendemos que, em função desse princípio e da necessidade de se conferir máxima efetividade às ações coletivas, pode o magistrado ampliar subjetivamente a lide coletiva, para que seja alcançado grupo ou classe não incluso originalmente na demanda coletiva;

5) Princípio da indisponibilidade ou da disponibilidade motivada da ação coletiva197: a desistência, a inércia ou o abandono da ação coletiva são submetidos ao controle por parte dos outros legitimados coletivos ativos, que poderão assumir o controle do processo (especialmente o Ministério Público), na linha em que já expusemos no capítulo específico mais acima. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr destacam que essa indisponibilidade é ainda mais acentuada na demanda coletiva executiva198, que não comporta possibilidade de não se perseguir a execução, pois, tendo sido ajuizada ação coletiva e julgados procedentes os seus pedidos, é dever do Estado efetivar esse direito coletivo lato sensu. Já Eneida Luzia de Souza Pinto199 indica separadamente (mas com o mesmo conceito dos mencionados doutrinadores) o princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público, que justifica em previsão legal expressa nos artigos 15 da LACP (“Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”) e 16 da Lei da Ação Popular (“Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave”);

196 Conforme PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo

nº 151, ano 32, set. 2007, p. 312-313.

197 Conforme PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo

nº 151, ano 32, set. 2007, p.312-313 e DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. v.4.,7.ed. Salvador: JusPodium, 2012, p.122-123.

198 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. v.4.

7.ed. Salvador: Jus Podium, 2012, p. 123.

199 PINTO, Eneida Luzia de Souza. Princípios informativos das ações coletivas. Revista de Processo nº 151, ano

6) Princípio do microssistema ou princípio da aplicação integrada das leis para a tutela coletiva200: os processos coletivos são regidos por normas próprias e integradas por um microssitema, na forma em que já expusemos mais acima. Assim, apenas residualmente se aplica o Código de Processo Civil;

7) Princípio da reparação integral do dano201: embasado, dentre outras, nas regras dos artigos 100 do CDC e 11 da Lei da Ação Popular (“Art. 11. A sentença que julgando procedente a ação popular decretar a validade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando incorrerem em culpa”). Entendemos que, em virtude do microssistema de ações coletivas, esse artigo contribui com a possibilidade de o magistrado conceder de ofício a indenização em prol da coletividade de consumidores, conforme defenderemos no capítulo abaixo sobre os atos do juiz na fase decisória dos processos.

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 132-135)