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Inafastabilidade do controle jurisdicional

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 115-118)

4 A ATUAÇÃO DO JUIZ PELA EFETIVIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS

4.1 Princípios norteadores da função jurisdicional em ações coletivas

4.1.2 Princípios fundamentais

4.1.2.2 Inafastabilidade do controle jurisdicional

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição da República (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).

A efetividade processual está intimamente relacionada a esse princípio, pois, ao prever que a parte não será privada do direito de submeter litígios à apreciação do Poder Judiciário, a Constituição da República não quis apenas dizer que pode ser proposta uma ação judicial por aquele lesado ou ameaçado por outrem. O intuito desse princípio é que a ação judicial proposta seja apreciada e julgada pelo magistrado, com todas as garantias do devido processo legal, e que o direito declarado seja efetivado no mundo concreto em um prazo

165 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal: processo civil, penal e

administrativo. 9.ed.revista, ampliada e atualizada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: RT, 2009, p. 90.

razoável. Se não for assim, os jurisdicionados terão excluída da real apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito, fragilizando-se166.

Também decorre do princípio em questão a possibilidade de o órgão colegitimado propor qualquer tipo de ação na busca da tutela adequada da situação fática levada à apreciação Poder Judiciário. Essa orientação não sofre qualquer abalo pelo fato de o artigo 3º da LACP dispor apenas que “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Como aponta Gianpaolo Poggio Smanio167, “o art. 19 da lei dispõe a aplicação subsidiária do CPC. Assim, não há restrição a qualquer provimento jurisdicional.”

De fato, seja por conta da aplicação subsidiária do CPC, também apontada no artigo 112 do CDC, seja pela própria análise dos dispositivos legais desses ordenamentos, fica claro que qualquer tipo de provimento é admissível no processo coletivo. O próprio artigo 83 do CDC, inserido no microsistema das demais ações coletivas referentes às matérias de interesse social, dispõe que “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Portanto, a tutela jurisdicional será aquela requerida para cada ação cabível.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes168 aponta que as variadas naturezas de ações (e consequentemente de sentenças) seriam observadas nos processos coletivos mesmo que o transcrito artigo 83 do CDC não existisse, porque o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal assegura a todos o direito de ação, prevendo que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Também já manifestamos acima a nossa opinião de que o direito do consumidor, especialmente quando tratado coletivamente, é indisponível e não pode ser relegado pelo autor colegitimado para a ação coletiva nem tampouco ignorado pelo julgador.

Em virtude dessa indisponibilidade, também nos parece que, excepcionalmente, viola o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional a cláusula de arbitragem envolvendo a tutela do direito coletivo do consumidor. A própria Lei nº 9307/93

166 A esse respeito, Patricia Miranda Pizzol aponta: “No que tange ao princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), é importante frisar que a Constituição Federal assegura o acesso formal à justiça, mas principalmente o acesso efetivo à ordem jurídica justa. Assim, se os consumidores precisam da tutela coletiva para a proteção dos seus direitos e ela é restringida, em função da limitação da coisa julgada, não se está permitindo o amplo acesso à justiça” (PIZZOL, Patricia Miranda. A Competência no Processo Civil. São Paulo: RT, 2003, p.589).

167 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 115. 168 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p.711.

dispõe que somente podem se submeter a tal forma alternativa de resolução de conflitos direitos patrimoniais disponíveis.

Não fosse por isso, naturalmente consideraríamos válida a cláusula de arbitragem, que não impõe óbices ao controle jurisdicional, mas apenas afasta, por vontade das partes acerca de direitos disponíveis, o controle judicial integral do litígio. Isso porque a fase de conhecimento do processo seria desenvolvida por arbitragem, por árbitros com jurisdição, embora entendamos que esta é parcial, em decorrência da falta de poder de polícia e da concretização por vezes incompleta da jurisdição, diante da ausência de satisfação do direito. Assim, se o árbitro proferir sua sentença e esta não for espontaneamente cumprida, o favorecido deve executá-la perante o Poder Judiciário, que ainda poderá julgar ações cautelares (artigo 22, §4º da Lei nº 9307/93), definir aspectos relacionados à instauração do procedimento arbitral ou julgar suas nulidades.

Diante isso, em situações gerais que não compreendem a tutela coletiva do direito do consumidor ou outros direitos indisponíveis, não há qualquer violação principiológica decorrente da eleição da arbitragem, conforme argumenta Eduardo Talamini169:

(...) por um lado, a arbitragem não é aposta, jogo de azar. Quem remete a solução de sua causa ao processo arbitral não está submetido ao cara-ou- coroa nem à roleta russa. Está buscando uma composição para o conflito em um processo pautado em parâmetros objetivos quanto ao seu desenvolvimento e ao conteúdo de suas decisões; um processo em consonância com as garantias do due process of law; um processo em que julgadores devem ser imparciais e respondem penalmente, como agentes públicos, se não o forem...E o respeito a todas essas garantias é controlável pelo Judiciário – pois apenas não cabe ação judicial para rever o mérito do julgamento do árbitro, mas cabe para controlar todos os aspectos do devido processo legal e da validade da arbitragem”.

Ademais, no tocante à aplicação do princípio em questão nas ações coletivas, aponta Patricia Miranda Pizzol170:

Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória, de direito individual ou metaindividual (difuso, coletivo stricto

169 TALAMINI, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composição

em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem e ação monitória). Revista de Processo nº 128, ano 30, out. 2005, p.70.

170 PIZZOL, Patricia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça. In:

Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord). São Paulo: RT, 2006, p. 86.

sensu ou individual homogêneo). A Constituição anterior se referia expressamente a direito individual (art.153, §4º) e, como a atual não qualifica o direito que visa a proteger (art. 5º, XXXV), é unânime a interpretação no sentido da maior amplitude conferida pela norma constitucional a esse princípio, assegurando a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais.

As ações coletivas realmente possibilitam que muitos jurisdicionados que não proporiam ações individuais em virtude das dificuldades inerentes aos processos judiciais possam ter seus interesses tutelados.

Seja em ações individuais ou coletivas, vale lembrar que o direito de ação sofre algumas limitações decorrentes da Lei, absolutamente legítimas, tais como condições da ação, pressupostos processuais, preclusão e aspectos formais em geral. Todavia, em homenagem aos princípios da efetividade e duração razoável do processo, deve o julgador sempre conferir ao colegitimado autor da ação coletiva a possibilidade de sanar qualquer vício formal, como meio de garantir a tutela do interesse coletivo em juízo.

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 115-118)