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Inversão do ônus econômico da prova

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 163-165)

4 A ATUAÇÃO DO JUIZ PELA EFETIVIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS

4.2 A atuação do juiz nas diferentes fases do processo coletivo

4.2.3 Fase instrutória

4.2.3.2 Inversão do ônus econômico da prova

Conforme indicamos, as ações coletivas relacionadas a direito do consumidor admitem a inversão do ônus da prova, o que entendemos deva ser informado pelo juiz ao proferir a sua decisão saneadora. Nesses casos, o réu da ação coletiva deverá não apenas constituir a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito coletivo alegado na sua defesa, mas também demonstrar que não se sustentam os fatos abordados na petição inicial.

Consequentemente, terá o réu a responsabilidade pelos custos de produção da prova, como, por exemplo, os honorários periciais. Se não pagar esses valores, a prova não será produzida e o réu sofrerá os efeitos de não ter se desincumbido do ônus, inclusive o de que os fatos alegados pelo autor sejam considerados verdadeiros, conforme decidiu o STJ até mesmo em ações individuais relacionadas a lides de consumo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. EXTENSÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. PAGAMENTO. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO. AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA.

1. Tratam os autos de agravo de instrumento interposto por LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A contra decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que deferiu a inversão do ônus da prova em favor da autora FRANCISCA NERIS DE SOUZA, abrangendo, inclusive, o pagamento de honorários periciais. O relator do agravo, monocraticamente, deu-lhe provimento, entendendo que o ônus da prova e sua inversão nada têm a ver com o ônus de adiantar o pagamento da remuneração do perito. Fundamentou sua decisão no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, no Enunciado nº 10 do TJRJ, bem como nos arts. 19 e 33 do CPC, ao concluir que, no caso em tela, a remuneração do perito deve ser suportada pela parte autora, visto que a realização da prova pericial decorreu da determinação, de ofício, pelo juiz, observando-se as disposições concernentes à gratuidade de justiça.

Irresignada, a autora interpôs agravo interno, ao qual o TJRJ negou provimento. Em sede de recurso especial fundamentado nas alíneas "a" e "c", sustenta a autora, além de dissídio pretoriano, ofensa aos arts. 6º do CDC e 19 e 33 do CPC. Defende a recorrente que: a) a inversão do ônus da prova deve ser plena, a teor do que dispõe o art. 6º, VIII, do CDC, inclusive no que se refere ao aspecto financeiro, a fim de facilitar a defesa do consumidor; b) deve ser afastada a aplicação dos arts. 19 e 33, ambos do CPC, porquanto se trata de relação de consumo, e que tais dispositivos chocam-se com a aplicação plena do Código de Defesa do Consumidor; c) não deve suportar o ônus de adiantar os honorários periciais, máxime por ser beneficiária da Justiça Gratuita, pois assim sendo, arcaria com prejuízos para a sua adequada defesa. Contra-razões apresentadas pleiteando a manutenção do aresto atacado.

2. Esta Corte já decidiu que a "regra probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo ônus. Daí não se

segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (REsp nº 466.604/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o REsp nº 443.208/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a "inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção". Igualmente, assim se decidiu no REsp nº 579.944/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 17/12/04, no REsp nº 435.155/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 10/3/03 e no REsp n° 402.399/RJ, Relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05.

3. No caso concreto, configurada a hipossuficiência do consumidor, inclusive com o reconhecimento do benefício de assistência judiciária gratuita em seu favor, e sendo imprescindível a produção de prova pericial para a solução da lide segundo o juízo que a designou, de ofício, não deve a parte autora arcar com as despesas de sua produção.

4. Recurso especial provido. (STJ, REsp 843.963/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 16/10/2006, p. 323)

Mas, ainda que a inversão do ônus da prova não ocorra, pela ausência dos requisitos de verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do autor da ação, conforme o critério adotado pelo juiz, este pode simplesmente inverter o ônus econômico da prova, significando que o autor deve provar os fatos alegados na petição inicial, mas será custeado pelo réu. Trata-se de exceção à regra do artigo 33 do Código de Processo Civil, segundo a qual cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que tiver indicado, e o perito será custeado por quem requereu a prova pericial ou, se tiverem sido ambas as partes ou o juiz, de ofício, esse ônus econômico recairá ao autor.

Nesse caso, o magistrado provavelmente terá levado em conta que o artigo 87 do CDC dispõe não haver adiantamento de honorários periciais, mas entendido que a fragilidade econômica do autor colegitimado não o dota da hipossuficiência suficiente para a inversão total do ônus da prova, decorrente da necessidade de facilitação da defesa dos consumidores, na forma do artigo 6º, VIII do CDC. Em virtude disso, especialmente se a prova pericial tiver sido requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juiz, e o autor não tiver meios de custeá-la, entendemos que tal ônus deva mesmo recair sobre o réu.

Em busca da verdade real dos fatos e da efetividade das ações coletivas, a medida se mostra salutar e se sustenta inclusive no fato de que, para alguns, a hipossuficiência

econômica realmente justificaria a inversão total (e não apenas econômica) do ônus da prova. É isso o que se depreende, exemplificativamente, da lição de José Geraldo Brito Filomeno245:

Hipossuficiência como se sabe, entretanto, é terminologia do chamado Direito Social, ou Direito do Trabalho, e que deve ter, aqui, a conotação de pobreza econômica ou falta de meios, sobretudo em termos de acesso a conhecimentos técnicos ou periciais em dado conflito nascido de relações de consumo. (...) A noção de hipossuficiência, por outro lado, é-nos dada pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 1.060, de 5.2.50, como sinonímia de ‘necessidade’, a saber: ‘Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Ocorre que, se o réu da ação coletiva não cobrir os custos conforme determinado pelo juízo, corre-se o risco de a ausência da prova prejudicar o autor colegitimado e, consequentemente, a coletividade de consumidores. Nesse caso, não vemos outra saída ao magistrado que não inverter totalmente o ônus da prova, conforme a lei já o autoriza. Com isso, se o réu não custear a prova, sofrerá as consequências já aventadas na ementa transcrita acima, sem prejuízos ao direito do consumidor.

Futuramente, se o PLS 282/2012 for aprovado, incluirá no CDC o artigo 90-F, cujo §1º prevê que o poder público, preferencialmente com recursos dos fundos de direitos difusos, custeará a prova pericial determinada de ofício pelo juiz ou requerida pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou por associações, as quais não precisarão restituir o valor, mesmo se a ação coletiva tiver seus pedidos julgados improcedentes.

No documento Felipe Evaristo dos Santos Galea (páginas 163-165)