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3 Avaliação ao sector público da investigação em Portugal (1996-99)

Parte II – Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia

II. 3 Avaliação ao sector público da investigação em Portugal (1996-99)

572 Artigos 22º e 24º do D.-L. nº 125/99 de 20 de Abril

É frequente que o apoio à investigação nos laboratórios públicos ocorra em períodos de “desenvolvimento ou em contextos de ultrapassagem de subdesenvolvimento”574. Na actualidade, e de uma forma generalizada pois como já constatáramos, as mudanças ocorridas nos modos de organização da actividade científica estão concertadamente alinhadas com um determinado paradigma, assistimos a um movimento de questionamento dos organismos públicos de investigação científica. Portugal não é excepção, pelo que em 1996 se dá início a uma avaliação internacional cujo objectivo é aferir a permanência, ou não, de instituições de investigação científica no Estado.

Iniciada com a Resolução do Conselho de Ministros n.º5/96 de 28 de Dezembro, a avaliação do sector público da investigação científica foi o ponto de partida para a reforma dos Laboratórios de Estado. De facto, e desde os anos sessenta, que a maioria dos países da OCDE assistia a um processo de questionamento sobre as suas estruturas públicas vocacionadas para a investigação científica. Portugal seguiu este movimento e o Governo socialista que acabava de tomar posse incluiu no seu Programa “proceder à reforma da actual matriz dos Laboratórios de Estado em condições da maior eficiência, identificação e ligação aos utilizadores, concentração e actualização das missões da investigação, certificação e difusão científicas e tecnológicas, rejuvenescendo os seus quadros onde necessário e dotando esses organismos de órgãos de avaliação e acompanhamento eficazes”575.

A primeira avaliação externa, aos laboratórios públicos, levada a cabo por um Comité Internacional foi em 1997576 e desde então há regularmente relatórios de acompanhamento das medidas da reforma. Da avaliação de 1997 emanou ainda um conjunto de recomendações que serviram de base à elaboração da RCM n.º 133/97 de 17 de Julho, referente à referida reforma. No entender do Comité Internacional de Acompanhamento o sistema público de investigação científica deve ser alvo de um processo de reengenharia, articulando doravante os dois objectivos do Governo em relação a Investigação e Desenvolvimento: 1. reduzir os custos e 2. apontar as metas da investigação para as necessidades da sociedade. Para tal, propõe-se este Comité coordenar o processo de avaliação institucional, e não ajuizar sobre a qualidade da

574 Ruivo, 1998, 43

575 Preâmbulo da RCM n.º5/96 de 28 de Dezembro

576 Em 1997 foram avaliados 9 Laboratórios: INIA, IPIMAR, INSA, IH, LNEC, ITN, IICT, INETI e

IGM. Em 1998, foram alvo de avaliação o IGM/JM, o IM e o LNIV. Por fim, e já em 1999, a DGPC foi sujeita a avaliação externa.

investigação que é feita. Trata-se de avaliar a relevância do trabalho feito por estes laboratórios e propor recomendações para que cumpram a missão genérica que têm: contribuir para o desenvolvimento socio-económico do país, servindo as políticas governamentais definidas, estando ao serviço dos organismos públicos e do sector privado. Concluem também que o conceito de "laboratório de Estado" não perdeu validade, carecendo apenas de uma redefinição e actualização. A OCDE exerceu uma forte pressão para que ocorresse esta redefinição.

A avaliação externa apontou diferentes medidas, consoante o estado de desenvolvimento em que se encontrava cada um dos laboratórios e sobretudo em função do modo como tinham até então orientado a realização da sua missão. No entanto, foram encontrados traços comuns. Assim, o principal obstáculo ao desenvolvimento e à afirmação destes laboratórios prende-se com o facto de não disporem de capacidade para transferir o seu know-how e os seus produtos tecnológicos para a sociedade. A essa incapacidade alia-se a ausência de uma política de difusão dos seus resultados e logo, das suas competências, pelo que aumenta o desconhecimento em relação a estas estruturas de investigação. A ausência de serviços de cariz estratégico, como o de estudos económicos e sociais impede, a longo prazo, a procura, a previsão e a observação da tecnologia, bem como a programação das actividades de I&D, ao serviço da comunidade e da sociedade como um todo. Preconiza o Comité Internacional que se desenvolvam mecanismos para a transferência de resultados e de saberes especializados para clientes e utilizadores, desenvolvendo também uma rede de comunicação com as empresas privadas. Há que reavaliar o equilíbrio entre as actividades de I&D estatutárias e sob contrato e as actividades de I&D e outras de C&T doutra proveniência, englobando aqui a vulgarização, a valorização, a informação e a difusão dos resultados.

Ao nível da difusão dos resultados da investigação outras ressalvas são feitas. Desde logo foi constatada uma falta de clareza ao nível da comunicação interna, o que constitui um obstáculo à prática de uma investigação interdisciplinar e enfraquece a imagem institucional transmitida para o exterior. Por outro lado, na maioria dos casos a política editorial é pouco clara, havendo uma hesitação entre publicações de alto nível, em inglês e destinadas à comunidade científica internacional e publicações em português, com o fim de divulgação, apenas. A falta de projecção internacional é uma consequência, também, desse factor.

Esta constatação não deve ser interpretada sem uma perspectiva que inclua a história destas instituições de investigação.

Foi também esta avaliação a responsável por três Decretos-Lei (123, 124 e 125/99, todos de 20 de Abril) que constituíram um impulso considerável para a revitalização do sector da investigação, na sua globalidade. Estes Decretos-Lei diziam respeito, respectivamente, ao Estatuto do Bolseiro (entretanto revisto), ao Estatuto da carreira de investigação científica e ao Regime jurídico das instituições de investigação (adiante Regime jurídico ou RJII).

Os Laboratórios de Estado estão sujeitos a avaliação periódica, um processo realizado por painéis de avaliação predominantemente constituídos por peritos de instituições estrangeiras. De entre os factores de avaliação tem especial interesse “a difusão dos resultados da actividade da instituição junto dos utilizadores e da sociedade em geral e ainda as actividades desenvolvidas no domínio da promoção científica e tecnológica, designadamente as que envolvam colaboração com escolas, visando o reforço da educação cívica de base”577. Podemos deduzir que a actividade de divulgação está contemplada no conceito de qualidade que a avaliação externa pretende medir nas instituições de investigação. No entanto, e se tivermos em consideração um dos relatórios de acompanhamento (neste caso, o terceiro referente a 2001) não encontramos qualquer referência a essa preocupação.

Em 2001, o terceiro relatório de acompanhamento do Comité Consultivo internacional chamava à atenção para a necessidade de redefinir a missão destes Laboratórios orientada para os seus resultados e de centrar esses mesmos Laboratórios no seio da estratégia do respectivo Ministério da tutela. Apelava este Comité também aos Ministérios, e logo ao Estado Português, para uma clarificação e um reconhecimento da importância dos Laboratórios de Estado.

No entanto, a primeira visita feita aos treze Laboratórios evidenciou que esta etapa não está todavia concluída. Há claramente uma indefinição no que concerne a actual missão que se espera destes Laboratórios e sobretudo salta à vista a falta de sentido estratégico atribuído pelos respectivos Ministérios. Em 2005, continuam por resolver os principais problemas gerais detectados pelo Comité internacional, no terceiro relatório de acompanhamento:

1. a nível da governância: o aparelho burocrático continua extremamente pesado e inibidor de acção. Permanece um real problema de gestão da autonomia operativa destes institutos públicos, em parte porque recentemente, a maioria destes Laboratórios perdeu a autonomia financeira. Este peso excessivo da burocracia não se coaduna com uma gestão moderna e actual das instituições de investigação científica já que condiciona todo o trabalho possível. Consequentemente, continua a não haver um reconhecimento inequívoco do estatuto dos Laboratórios de Estado. Assiste-se em alguns casos a alguma abertura ao exterior mas relativamente tímida, fruto de uma insuficiente definição da missão. A autonomia financeira e administrativa foi devolvida aos Laboratórios de Estado578 em 2005579 mas não são ainda visíveis os benefícios desta em matéria de agilidade na gestão,

2. a nível da gestão financeira: em 2001, a autonomia financeira ainda estava em vigor. No entanto, o próprio sistema financeiro, com um funcionamento rígido, impedia a obtenção célere de outras fontes de financiamento, o que limitava bastante a capacidade de acção destes Laboratórios. Mais uma vez, esta rigidez espelha a falta de sentido estratégico referente aos Laboratórios, tendo como consequência o bloqueio efectivo da capacidade de acção. Refira-se que a componente de prestação de serviços é quase sempre rentável para estes Laboratórios, sendo que estes resultados poderiam, não fora o sistema burocrático, ser injectados no desenvolvimento das instituições,

3. a nível dos recursos humanos: estes encontram-se bastante envelhecidos, não tendo os Laboratórios a capacidade para contratar novos contributos. A renovação da comunidade científica tem-se feito graças às bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e não através do provimento de lugares. Por outro lado, a carreira de investigação nestes Laboratórios também não parece ser das mais procuradas, consequência, provavelmente, da falta de reconhecimento da importância destes organismos públicos.

578 Apenas três laboratórios nunca chegaram a perder a autonomia financeira e administrativa: IH, INSA e

IGM/JM.

III – Os Laboratórios de Estado Portugueses

Apresentam-se aqui os treze Laboratórios de Estado que constituíram o nosso objecto de estudo. Conforme já referimos anteriormente, optámos por estudar estes organismos no que concerne a sua actuação durante os anos de 1997 a 2006. Este período foi escolhido por corresponder a uma fase relativamente estabilizada do seu funcionamento, por se situar entre dois grandes momentos de avaliação e por ter sido neste tempo que se deu uma reforma estrutural ao sector público da investigação científica, em Portugal. Os dados apresentados correspondem, logicamente, à situação dessa altura pois é nesse contexto que procuramos interpretar as modalidades e práticas de comunicação. Consideramos que o ano de 2006 marcou o fim de um ciclo de funcionamento caracterizado pela lógica que emanava do Relatório de 1997 e que defendia não só a permanência de organismos públicos de investigação como se preocupava com a (re)definição e (re)afirmação deste tipo de organismos, (re)conquistando um lugar próprio no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

O período que estudámos constitui-se, então, como um momento de ensaio de uma nova era para os Laboratórios do Estado. Pretendia-se uma convergência de acções que correspondesse aos desígnios traçados a nível mundial e que tomavam forma nos países da OCDE e que tinha as características que enunciámos noutro momento. No entanto, e face à realidade que se está a instalar desde 2006, e que assenta numa nova forma de governância destes Laboratórios, podemos observar que o modelo ensaiado desde 1997 não teve uma real continuidade e assiste-se a uma “reengenharia”580 muito mais profunda. A partir de 2006, os indicadores apontam para a necessidade dos laboratórios de Estado se organizarem em consórcios, de se aproximarem das suas tutelas, nomeadamente enquanto conselheiros e ainda de se organizarem em torno de um Conselho que articule a actuação comum de todos os Laboratórios, independentemente da área científica em que operam, à semelhança do que já acontece com os Laboratórios Associados.

Optámos pela apresentação dos Laboratórios de Estado com um formato pré- definido, que sabemos ser sintético e algo redutor. No entanto, pareceu-nos ser esta a

forma mais adequada para uma visão de conjunto e comparativa nos aspectos singulares destes organismos. Para cada um destes, referimos:

1. a tutela: visto tratar-se de uma característica específica destes organismos de investigação e por colocá-los numa relação estreita com o Poder político;

2. as referências legais: os documentos que validavam a orgânica e a estrutura organizativa durante o período de 1997 a 2006;

3. a missão: por concentrar a definição da razão de ser destas instituições e por indicar claramente as atribuições que lhe são confiadas;

4. o momento fundador: por indicar o espírito que presidiu à sua constituição e os problemas que entendia resolver. Não se trata, portanto, de uma súmula histórica581, excessivamente rica para ser apresentada neste formato.

Apresentamos de seguida cada um dos laboratórios, recorrendo para o efeito às suas informações institucionais (site, publicações avulsas e publicações internas) e à legislação em vigor durante o período em análise.

581 Henriques, 2006, 38-91 apresenta uma revisão muito completa da história e da evolução dos actuais

laboratórios públicos. Optámos por não apresentar esses dados neste momento da dissertação, preferindo utilizá-los sempre que contribuírem para a compreensão do discurso dos órgãos dirigentes e para a sustentação de uma interpretação, que se quer o mais contextualizada possível, das vivências entre 1997 e 2006. As entrevistas, cujos resultados são analisados posteriormente, foram a nossa principal fonte de informação para a identificação e caracterização das modalidades e práticas de comunicação de ciência dos Laboratórios de Estado Portugueses.