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Embora as alterações de comportamento, personalidade e de ordem emocional possam ser variadas de acordo com a extensão e localização da lesão, há certos fenómenos mais frequentemente vistos e registados na literatura como carac- terísticos de vítimas de AVC. A depressão e a ansiedade, já referidas acima, são as sequelas que se verificam com mais frequência. Não parece haver consenso na literatura em relação aos motivos que espoletam os quadros depressivos nas vítimas de AVC. Alguns autores defendem que a depressão está directamente relacionada com a lesão cerebral, ao passo que outros autores discutem factores externos potenciadores e desencadeadores da depressão.

Numa revisão de estudos publicados até ao ano de 1989, Starkstein e Robinson (1989) referem que a depressão pós-AVC, dividida pelos autores em major

depression e minor depression, está altamente associada a lesões no hemisfério

esquerdo, sobretudo nos núcleos da base. Dez anos mais tarde, e em resposta a dados contraditórios de outros investigadores, Robinson e Shimoda (1999) apre- sentaram um novo estudo onde notaram desta feita que as lesões no hemisfério esquerdo estavam relacionadas com quadros de depressão durante o permane-

45 Acidente Vascular Cerebral cimento em hospital, mas que esta relação não se matinha no período de um a dois anos após o AVC, altura em que se verificava uma relação significativa entre o quadro depressivo e lesões no hemisfério direito (Robinson & Shimoda, 1999). Mais recentemente, Hama e colaboradores (2007) sugeriram que talvez a dispa- ridade de resultados se devesse à falta de diferenciação entre “estado depressi- vo” e “falta de interesse” (este último, segundo os autores, mais característico de um estado de apatia) – ambos itens avaliados na Self-rating Depression Scale, um questionário amplamente utilizado em estudos deste tipo (Zung, 1965). Os resul- tados mostraram que a severidade da depressão estava associada a lesões no lobo frontal esquerdo, mas não aos núcleos de base, ao passo que a apatia estava relacionada com danos nos núcleos de base, mas não ao lobo frontal (Hama, et al., 2007). Estudos de 2009 na área da neurologia revelam que há ainda muitas dúvi- das a respeito das causas para a depressão pós-AVC, não havendo ainda consenso quanto à associação da depressão com localização e extensão da lesão. Na inves- tigação em neurologia há dados que sugerem as lesões no hemisfério esquer- do e lesões de maior extensão como causas para a depressão (Obradovic, 2009), investigadores que apresentam novas abordagens, sugerindo que é a acumula- ção de micro e macro lesões vasculares que predizem a ocorrência de um quadro depressivo (Santos, et al., 2009) e outros autores ainda que contradizem resul- tados, por exemplo de Starkstein e Robinson (1989), apresentando dados que revelam uma correlação significativa entre incapacidade funcional e depressão, mas não entre depressão e local da lesão (Snaphaan, Werf, Kanselaar, & Leeuw, 2009). Ainda assim, já em 1989 Starkstein e Robinson (1989) afirmavam que, ainda que não encontrassem um efeito directo da incapacidade funcional e social no espoletar da depressão, notavam que, uma vez estabelecido o quadro depres- sivo pós-AVC, a depressão iria influenciar negativamente a reabilitação quer fun- cional quer social. No caso das incapacidades funcionais, estas não só iriam ser perpetuadas pela depressão, como a própria depressão tendia a ser perpetuada pelas incapacidades funcionais (Starkstein e Robinson, 1989).

Do ponto de vista da psicologia, vários são os estudos que apresentam a depressão não como resultado de uma lesão cerebral, mas antes como decorren- te de factores externos ao acidente em si. Greenop e colaboradores (2009) identi- ficaram uma relação entre a depressão pós-AVC e traços psicológicos das vítimas de AVC. Por outro lado, muitos são os autores que descrevem como potenciado- res do estado depressivo as dificuldades percebidas pelas próprias pessoas em consequência do AVC. Carod-Artal e colaboradores (2000) identificaram quatro variáveis relacionadas com a depressão: ser do sexo feminino, ser uma dona de casa, incapacidade para trabalhar e reduzida actividade social. Ling (2002) está em acordo com os autores anteriores no que se refere à redução da actividade social, no entanto, apresenta também a depressão como resultado de uma série de perdas percebidas pelo próprio, como suspensão de actividades e papéis que

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suportavam um sentimento de identidade própria, de pertença e status. E, ape- sar de haver autores que não encontram relação entre a capacidade funcional e a depressão, outros autores há que discutem essa possibilidade como sendo ver- dadeira (Filipe & Pereira, 2008; Johnston, 1999). Finalmente, Jenkins e colabora- dores (2009), que se basearam em relatos das próprias vítimas de AVC, mostram que estas pessoas entendem que os défices cognitivos e disfunções emocionais percebidos contribuem para a depressão. Nas palavras de Bogousslavsky (2003), há uma forte relação entre a depressão e a incapacidade funcional, o problema é não se saber qual das duas ocorre primeiro.

Vários autores defendem que, paralelamente à depressão, a ansiedade é um dos problemas mais notados em vítimas de AVC (Binder, 1984; Dobkin, 2005; Ellis-Hill & Horn, 2000; Oliveira, 2000). Segundo Morgans e Gething (2003), a ansiedade é muitas vezes causada por factores externos como o medo sentido na altura de usar a casa de banho. E, se por um lado há autores que defendem que nem sempre a depressão é correctamente diagnosticada por ser confundida com “manifestações pseudodepressivas” (Bogousslavsky, 2003), como é o caso da ansiedade, por outro lado há autores que lhe dão outra importância, pondo-a ao nível da depressão, como Johnston (1999). A última autora concluiu que tan- to a depressão como a ansiedade verificadas um mês pós-AVC prediziam o nível de capacidade funcional medida aos seis meses após o AVC (Johnston, 1999). Åstrom (1996) notou que havia ainda poucos estudos sobre a ansiedade em víti- mas de AVC e, num estudo realizado ao longo de três anos de acompanhamento de vítimas de AVC, concluiu que a ansiedade interfere substancialmente não só na vida social das pessoas como na sua reabilitação funcional.

Ellis-Hill e Horn (2000) lembram que o sentimento de si, de passado, presen- te e futuro é criado através de “narrativas de vida” (p. 280) e que a compreensão deste fenómeno é essencial para melhor compreender e acompanhar as vítimas de AVC. Segundo as autoras, quando as pessoas adquirem uma doença crónica certas histórias de vida são interrompidas, instalando-se uma sensação de incoe- rência e na qual o futuro se torna incerto e imprevisível (Ellis-Hill & Horn, 2000). Daqui as autoras explicam que expectativas irrealistas sobre a futura recupera- ção podem ajudar a explicar os quadros depressivos em que vão ser encontradas as vítimas de AVC no futuro. Esta visão é partilhada por Oliveira e Laíns (1995) que, além destes mesmos argumentos, notaram também altas taxas de incidência de depressão e ansiedade nas pessoas estudadas. Os mesmos autores notaram ainda que quanto maior a idade das vítimas de AVC, mais ansiedade se verifica, a par com tristeza, irritabilidade e maior tendência para criar conflitos interpesso- ais (Oliveira & Laíns, 1995).

A tristeza é, aliás, um dos estados mais encontrados na literatura sobre esta- dos emocionais pós-AVC. Aybek e colaboradores (2005) notaram que 40% das

47 Acidente Vascular Cerebral vítimas de AVC estudadas apresentavam sinais de tristeza e, destes, a maioria (86%) era constituída por mulheres. Bogousslavlsy (2003) apresenta números ainda mais elevados do estudo feito com 300 participantes. Este investigador e seus colaboradores verificaram que a tristeza é, destacadamente (72%), o esta- do emocional mais vezes verificado nas vítimas de AVC. Além disso, acrescentam ainda que a tristeza verificada estava maioritariamente associada a lesões no hemisfério esquerdo (Bogousslavsky, 2003). A irritabilidade verificada no estu- do de Oliveira e Laíns (1995) é suportada pelos dados de Bogousslavsky (2003) e Binder (1984).

Por outro lado, há o estado de falta de interesse. Não só as pessoas apresen- tam esta falta de interesse, como têm consciência de que este estado apareceu depois do AVC (Ellis-Hill & Horn, 2000). As pessoas estudadas por Ellis-Hill e Horn (2000) distinguiram claramente entre o que eram antes do AVC e o que são depois, sendo no geral essa mudança percebida como negativa. Entre os itens notados pelos participantes, para além da falta de interesse já referida, os partici- pantes diziam que se sentiam menos capazes, menos independentes, menos em controlo, menos satisfeitos, menos activos, menos confiantes e com menos valor (Ellis-Hill & Horn, 2000). A falta de actividade é, segundo Ellis-Hill e Horn (2000), uma das características mais frequentes nas vítimas de AVC a par com a depres- são e a ansiedade.

A falta de actividade pode, em parte, estar relacionada com a fadiga. Segundo Bogousslavsky (2002), a fadiga é um dos sintomas de presença de depressão, de acordo com o DSM-IV (American Psychiatric Asociation, 2002), mas pode ocor- rer sem depressão. A fadiga, sendo uma perda de capacidades reversível para a realização de tarefas, pode ser sentida pelas vítimas de AVC mesmo que estes tenham recuperado a totalidade das suas capacidades funcionais.

Reabilitação

É importante notar que as vítimas de AVC que dão entrada num hospital seguem para tratamento de reabilitação logo após a fase aguda. A reabilitação motora está a cargo de médicos fisiatras, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, assim como de terapeutas da fala, sempre que existam distúrbios na comunicação.

Durante a reabilitação funcional das vítimas de AVC há certos marcos tem- porais aceites de uma forma geral na literatura. Segundo Ramires (1997, citada em DGS, 2001), a maioria das vítimas de AVC atinge o seu melhor nível funcio- nal às 12,5 semanas (90%) e 80% atinge este nível às seis semanas. Segundo a mesma autora, 95% não irá fazer mais progressos após os três meses de terapia de reabilitação funcional. Outros autores confirmam os dados desta autora acer- ca de menor incapacidade verificada aos três meses (Dobkin, 2005; Ling, 2002; Skilbeck, Wade, Hewer, & Wood, 1983), mas Dobkin (2005) acrescenta que aos seis meses cerca de 65% das pessoas não consegue ainda utilizar a mão afecta-

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da na realização das suas actividades. O autor acrescenta ainda que 25% das pes- soas volta ao nível funcional que tinha antes do AVC e que o nível de qualidade de vida tende a ser mais alto para aqueles que apresentam melhores capacida- des funcionais (Dobkin, 2005). À semelhança do que foi relatado acerca de inca- pacidades motoras e distúrbios emocionais, também no caso da reabilitação fun- cional não há consenso quanto à previsão de uma melhor recuperação consoante o hemisfério em que se deu a lesão, apesar de haver algumas indicações de que lesões no hemisfério direito tendem a ser mais difíceis de recuperar (Dönmez, Angin, & Kutluk, 2007).

Como indicado atrás, a incapacidade funcional apresenta-se como um ele- mento de transtorno, relacionado com a presença de quadros depressivos e influenciador negativo no nível de qualidade de vida das pessoas (Carod-Artal, et al., 2000). Os fenómenos físicos, psicológicos e sociais mencionados acima como potenciadores de um estado de depressão influenciam a qualidade de vida e estão inter-relacionados, exercendo impacto uns sobre os outros (Alaszewski, Alaszewski, Potter, Penhale, & Billings, 2003). O facto de ficarem dependentes de terceiros, normalmente familiares próximos, leva a que as relações familiares e sociais sejam afectadas. A vítima de AVC traça então objectivos claros para a sua recuperação a todos os níveis e o alcance de um destes objectivos pode influen- ciar positivamente outros aspectos da sua vida. Um exemplo dado por Alaszewski e colaboradores (2003) é o objectivo de usar a casa de banho sozinho – no caso de alcançar este objectivo, a vítima de AVC pode sentir que conseguiu a inde- pendência numa determinada tarefa e, com isso, pode sentir que aliviou o fardo aos seus cuidadores, aumentando assim a sua auto-estima. Para além dos objec- tivos traçados, é frequente as vítimas de AVC traçarem estratégias próprias de combate à doença, adoptando novas posturas nas suas actividades diárias para praticarem e reduzirem a sua dependência, bem como estratégias psicológicas. Alaszweski e colaboradores (2003) referem o exemplo de pessoas que frequen- temente se sentem afortunadas por se compararem com outras que foram mais severamente afectadas pelo AVC.