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A transformação e recriação do território agrário piauiense com o passar dos anos é alicerçada principalmente na forma de como se deu o processo de estruturação das atividades econômicas em territórios antes tido como “vazios”. Esses espaços localizavam-se no sul e sudoeste do Estado, mais precisamente em áreas onde o Cerrado predomina.

Como discutido anteriormente, os pequenos proprietários e trabalhadores (livres e escravos) foram indivíduos importantes para a consolidação da ocupação territorial do estado do Piauí. A ocupação do território tomava fôlego no decorrer do tempo, como demonstrado no Gráfico 1:

Gráfico 1:Crescimento populacional no Piauí, de 1762 a 1932. Fonte: Adaptado de Miranda (2015).

Aliada a essa realidade no sul do Piauí, havia a concepção de que o homem da terra não poderia praticar uma agricultura eficaz, pois não tinha acesso à tecnologia que a agricultura capitalista dispunha. Moraes (2006) destaca que atividades agrícolas deveriam ser promotoras de empregos para o campo e, consequentemente, de aumento do poder aquisitivo das famílias rurais.

Nessa perspectiva, observando essas grandes e vastas áreas “sem produção”, algo deveria ser feito para que o estado criasse uma rotina econômica no campo que o fizesse ranquear no mercado agrícola exportador: tal ideia se fortaleceu com o advento dos grandes programas de incentivo ao mercado do agronegócio.

Quando se fala em nível nacional, o país já ranqueava o terceiro lugar de produção de soja na década de 1960 e subindo uma posição dez anos depois. De acordo com Santos e Araújo (2007), os polos de agronegócio responsáveis por esse desempenho eram os do Centro-Oeste e do Sul brasileiros.

Contudo, o que se iniciou na década de 1950 em todo o Brasil só veio a tomar corpo, no Piauí, quase trinta anos depois, com os primeiros programas voltados para os vales úmidos. A partir na década de 1970, Alves (2006) lembra a criação de outros programas, onde se destacavam o Polonordeste, o Projeto Sertanejo e o Programa de Irrigação do Nordeste. A fim de fortalecer tais iniciativas, houve também aberturas de créditos principalmente para práticas de reflorestamento e atividades agropecuárias, advindas da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Banco do Nordeste (BNB).

Em harmonia com a criação destes programas, as ações de desenvolvimento governamentais eram claramente direcionadas para o avanço técnico no campo. De acordo

com a Cepro (2016), na administração do então governador Alberto Silva (1986 a 1990), houve o esforço de se elaborar uma diretriz para alavancar a economia piauiense. Na Diretriz de 1974, há a constatação que, entre 1962 e 1968, o ritmo de crescimento econômico estadual foi muito insatisfatório, o que é creditado a uma série de fenômenos como, por exemplo, a concorrência de outros estados com melhor infraestrutura e capital aplicado.

Assim, para justificar o amplo esforço para dinamizar o agronegócio no Piauí, ficou registrado nesta diretriz que o Piauí carecia de um mercado interno que alicerçasse um desenvolvimento estadual condizente com outras áreas do Brasil. Ficou registrado que era naquele momento mais prudente investir no mercado exportador, já que dessa maneira criar- se-ia uma capacidade de atração de investimentos que trariam vantagens para o estado competir por setores do mercado nacional e internacional nos segmentos de exportação de matérias-primas agrícolas e minerais (CEPRO, 2016).

A base dessa estrutura e do planejamento inicial volta-se para a ocupação do cerrado piauiense. A Cepro (2016, p.76) dá destaque ao objetivo principal da Diretriz do governo Alberto Silva:

Com efeito, no Piauí há disponibilidade de terras suscetíveis de exploração agrícola, em Região em que elas são escassas; considerável parcela do seu território encontra- se livre das secas; os recursos de água subterrânea são abundantes, inclusive no trecho semiárido. Sem embargo do amplo e ao mesmo tempo minucioso estudo [...] afiguram-se oportunas algumas antecipações, a saber. Em primeiro lugar, serão consideradas atividades prioritárias, como a pecuária (notadamente no referente ao boi); como as culturas industriais (por exemplo, o algodão); como a diversificação de culturas (por exemplo, a soja); como as culturas alimentares; finalmente o próprio extrativismo, dentro da relatividade temporal dos obstáculos ainda a serem vencidos. Em segundo lugar, serão levados em conta os programas instrumentais [...]: a assistência técnica; a oferta de insumos (principalmente quanto à necessidade de vencer o estrangulamento representado por frequentes desorganizações na distribuição de sementes); as pesquisas e a experimentação; o apoio à comercialização (por exemplo, o apoio creditício e a infraestrutura de armazéns); as centrais ou terminais de abastecimento.

O que é possível notar é que as duas frentes de ação governamentais (atividades prioritárias e programas instrumentais, que são uma forma de apoio logístico) são consubstanciadas pela “ausência” de dinâmica econômica principalmente no sul e sudoeste piauiense, em áreas onde pode haver uma ampla exploração pela riqueza hídrica e disponibilidade de terras baratas.

Caminhando lado a lado, os programas de âmbito nacional só vieram a reforçar a economia do agronegócio no Piauí. Nesse sentindo, Moraes (2006, p.184) destaca que:

Efetivamente, em 1978, chegava ao Piauí a primeira missão do Banco Mundial e, em 1981, assinavam-se os acordos do empréstimo e do projeto de ampliação da área de atuação do Polonordeste no Estado, com o nome de Projeto Vale do Parnaíba. Entre 1982 e 1986, a intervenção governamental, no meio rural piauiense, gerou [...] intensa produção de siglas e nomes: PDRI, Perímetros Irrigados, Polonordeste, Projeto Sertanejo, Nordestão, Programa Vale do Parnaíba, Projeto Mafrense, Projeto Vale do Itaueira, Projeto Vale do Gurguéia, Projeto Vale do Fidalgo, Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP) etc. Na atual região dos cerrados, apenas a área restrita ao Vale do Gurguéia foi contemplada.

Em decorrência do objetivo central desses programas, os maiores beneficiados eram os médios e grandes proprietários, pois estes tinham aporte para dar um rápido retorno produtivo e, assim, atender aos objetivos de incremento da economia piauiense.

Mas realmente o boom do agronegócio veio com a produção granífera, com destaque para a soja. Consoante Santos e Araújo (2007), o Cerrado piauiense contava com cerca de cinco milhões de hectares, e o grande produtor capitalista viu a oportunidade de migrar do Sul e do Centro-Oeste do Brasil para o Piauí, trazendo as práticas monocultoras para o meio rural piauiense.

Nesse período, marcado pelo segundo mandato de Alberto Silva (1988-1991), houve também uma preocupação premente em mostrar a importância de se explorar racionalmente os recursos naturais do Piauí. Para que isso fosse possível, segundo a Cepro (2016), o Plano de Governo previa o alargamento da fronteira agrícola, principalmente nos Vales do rio Fidalgo, do Gurguéia e do Uruçuí-Preto, além de levar eletricidade às áreas rurais que antes eram desprovidas de abastecimento elétrico e a construção de acessos vicinais, para interligar as localidades às demais estradas principais (estaduais e federais).

Assim, os primeiros projetos agroindustriais voltados efetivamente para área de Cerrado tiveram suporte inicial do Fundo de Investimento do Nordeste Agropecuário (Finor- Agropecuário) e do Fundo de Investimento Setorial (Fiset). Bandeira (1994) afirma que esse apoio financeiro e logístico contribuiu para modificar a realidade que vinha acompanhando o Piauí no período de 1950 a 1970; anteriormente, a configuração do campo piauiense era constituída, basicamente, por latifúndios improdutivos e pela pequena produção de subsistência.

Com o movimento “modernizador” dos latifúndios (pelo advento dos recursos técnicos e utilização de insumos químicos e máquinas), há o agravamento da concentração fundiária, além da criação da vantagem (ou predileção) por produtos de maior valor para o comércio. Isso também faz surgir novas formas de condições de trabalho entre camponeses e grandes proprietários (assalariamento temporário), tornando muitas vezes os camponeses proletariados.

É preciso destacar que essa corrente modernizadora que abarcou não só o Piauí, mas todo o Brasil, não foi um planejamento excludente em sua essência, mas, sim, em sua execução; o crescimento prioritário do agronegócio relegou o camponês a um personagem secundário, o que gerou distorções de desenvolvimento no setor primário.

Essa desigualdade deu-se, acima de tudo, pela apropriação do excedente econômico pelos grandes produtores. Bandeira (1978) explica que o excedente econômico, que deveria ser aplicado em território estadual e assim incrementar a economia, é simplesmente para aumentar ainda mais o lucro dos detentores de capital, e não necessariamente dos donos de terras. Isto se dá porque esse excedente concentrava-se nas mãos de poucos proprietários, e esses mesmos são os que tinham maior acesso aos créditos e poder político. Assim, a balança sempre pende para o lado do agronegócio.