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5 MODO DE VIDA E PRODUÇÃO AGRÍCOLA DO CAMPONÊS E LOGÍSTICA

5.3 Novas características e logística do agronegócio nas microrregiões do Médio

Nas incursões realizadas nas microrregiões do Médio Parnaíba, de Floriano e de Picos, constatou-se que as grandes fazendas de agronegócio estão se instalando paulatinamente nesses territórios. O perfil marcante destas indústrias rurais é o monocultivo do eucalipto inicialmente, mas que está sendo substituído pelas plantações de soja.

Primeiramente, foi realizado um levantamento sobre as fazendas que existem nos limites municipais, a partir de relatos de moradores das áreas rurais e de representantes do governo local (secretarias de agricultura). Nesse caso, também foram visitadas a Emater dos referidos municípios e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais.

Ficou evidente a inserção de quatro grandes empreendimentos do agronegócio nos municípios componentes das microrregiões: As Fazendas Terra Roxa (Aredam) e Real (em Regeneração), Fazenda Coberta do Cipó (Agroflorestal, em Francisco Ayres) e o Polo Frutífero Irrigado, em Guadalupe.

Foram localizadas outras fazendas, mas não houve possibilidade de contato com algum represente, pois estes não se encontravam nos escritórios da fazenda, ou até mesmo ninguém do município sabia dizer ao certo onde os donos moravam. Assim, a pesquisa detectou um total de sete empreendimentos de agronegócio, que estão localizados no Mapa 9.

Mapa 9: Localização dos empreendimentos de agronegócio nas Microrregiões do Médio Parnaíba Piauiense, de Floriano e de Picos Fonte: Elaborado pelo Autor (2018).

De acordo com o Mapa 9, observou-se que a maioria das fazendas tinha como plantio inicial o Eucalipto. De acordo com os entrevistados, o grande avanço das plantações de eucalipto se deu pela promessa da instalação da Suzano Papel e Celulose no Piauí.

Com as projeções de parcerias, estas fazendas iriam ser as principais fornecedoras de matéria-prima para esta empresa; contudo, como as negociações com o Governo do estado não avançaram, a Suzano montou base no município de Imperatriz, estado do Maranhão, alterando completamente os objetivos das fazendas já instaladas em território piauiense.

De acordo com o representante da Fazenda Coberta do Cipó, que fica no município de Francisco Ayres, o empreendimento instalou-se há doze anos no Piauí, influenciado principalmente pela Suzano. O dono é americano, mas o gerente (que é piauiense) coordena uma equipe de quarenta funcionários.

O empreendimento conta com uma infraestrutura para dar suporte tanto para os trabalhadores e para o tratamento químico da madeira (de acordo com o entrevistado, é a única empresa de eucalipto do Piauí que tem maquinário para esse tipo de tratamento). A organização dessa fazenda de eucalipto conta com refeitório e dormitório para os funcionários, uma frota de tratores e mais um galpão para guardar as máquinas, e que também serve como oficina.

Com um total de 7.000 ha de área total, cerca de 2.600 ha é direcionado para a plantação de eucalipto; as demais são a reserva ambiental, garantindo, segundo o investigado, a destinação de pelo menos 30% da área para preservação da vegetação nativa. Em conformidade com o gerente, toda a extensão de terras está avaliada em R$ 30.000.000,00.

Ainda segundo a investigação, a Fazenda Coberta do Cipó contabilizou uma produtividade de seiscentas árvores por hectare, o que na hora da venda correspondeu a trezentos metros estéreos, ou seja: quando há o carregamento dos caminhões, para que não existam perdas quantitativas para os compradores, é contabilizada tanto a madeira propriamente dita quanto os espaços vazios entre elas (dessa forma, tem-se a área real de toras de madeira que o caminhão está levando). Para o plantio, a Empresa investigada confirmou a utilização de cobre, ácido crômico e ácido arsênico como forma de preparação do solo.

Sobre o destino da produção, o gerente da Fazenda afirmou que a maior parte da madeira negociada tem como destino a sua transformação em lenha para fornos de cerâmica e gesso. Já a madeira tratada por eles serve basicamente para a construção de cercas. Entretanto, com o passar dos tempos, a Fazenda percebeu que a demanda produtiva está caindo, o que também leva à diminuição dos investimentos.

Figura 12: Plantação de eucalipto da Fazenda Coberta do Cipó (Agroflorestal) em Francisco Ayres Fonte: O Autor (2018)

No tangente ao tratamento da madeira do eucalipto para uso em cercas, a referida Fazenda conta com um galpão para armazenar as toras in natura e as já tratadas, além de todas as máquinas responsáveis pelo processo (Figura 13):

Figura 13: Galpão de tratamento da madeira de eucalipto. A) Armazenagem da madeira cortada e tratada; B) Máquina de descascamento da madeira; C) Trilho que conduz a madeira para o tanque de vácuo; D) Tanque de vácuo; E) Caixa de armazenamento de produtos químicos para tratamento da madeira.

Fonte: O Autor (2018).

A B

Consoante a entrevista, há a separação e estocagem da madeira que será tratada. O processo de autoclave (modificação da madeira por processo de pressão a vácuo e inserção de conservantes) deve iniciar o mais breve possível, pois a tora apodrece muito fácil quando esta se encontra em ambiente úmido.

Dá-se início à autoclave com a retirada da casca a partir de um descascador simples (Figura 9B), para que após o descasque a madeira seja depositada nos trilhos que a levam para dentro do tubo de vácuo (Figuras 9 C e D).

Os trilhos se movimentam a partir de tratores e o tubo de vácuo serve para retirar todo o ar de dentro da madeira, pois, segundo o gerente, o tronco de eucalipto é muito poroso, e seu tratamento consiste em preencher as lacunas da tora com produtos químicos que o farão ter mais durabilidade. Dentre estes produtos estão inseticidas, fungicidas e produtos preservativos das propriedades da madeira. Portanto, a vida útil do tronco aumenta consideravelmente, e a empresa dá garantia de quinze anos para seus compradores.

Ficou evidente, então, que a plantação de eucalipto da Fazenda Coberta do Cipó, em Francisco Ayres, concentrou suas atividades principalmente para abastecimento estadual, tendo suas perspectivas de crescimento freadas pela não instalação da Suzano do Piauí.

Semelhante à disseminação de soja em Francisco Ayres, constatou-se a instalação desses tipos de fazendas em beira de estradas em Regeneração, Tanque do Piauí, entre os municípios de Floriano e Itaueira e entre Floriano e Guadalupe (Figura 14).

Figura 14: Plantações de eucalipto em Regeneração (A), na estrada entre Regeneração e Tanque do Piauí (B), na estrada de Floriano a Itaueira (C) e entre Floriano e Guadalupe (D). Fonte: O Autor (2018).

A

C

B

De acordo com o Secretário de Agricultura de Itaueira, a inserção das grandes fazendas se dá de forma gradual, e os donos guardam relações familiares com representantes do poder público.

Nós temos algumas informações de empresas que chegaram até a gente. Uma [fazenda] que tem próximo à torre [de comunicações] é do genro do prefeito do nosso município; tem outra mais pra frente que é de um chinês que eu não sei como é o nome dele, e tem outra agora que veio entrar com um pedido de declaração pra eles... “Vão” plantar eucalipto, futuramente soja, como tá no projeto (Secretário de Agricultura de Itaueira, informação verbal).

Segundo a entrevista, a empresa Companhia Florestal do Brasil (com sede em Araquari, Santa Catarina) está com planos para adquirir em torno de 83.000 hectares dentro dos limites de Itaueira, sendo que destes, 45.000 hectares será destinado para a produção de eucalipto e soja. Consoante levantamento posterior, a referida empresa, além de comercializar lenhas nativas e exóticas, também trabalha com serviços como: supressão de vegetação (desmatamento de áreas para plantio), instalação de cercas, resgate e afugentamento de fauna e resgate de flora, gerenciamento ambiental, dentre outros.

Até 2018, as fazendas só operavam com plantações de eucaliptos em Itaueira, mas há projeções para início do plantio de soja. Ao ser interpelado qual o diálogo que o poder público municipal tem com o agronegócio, ele respondeu:

A solicitação desses grandes produtores são as declarações que é o município que dá. No caso do meio ambiente a gente não dá, quem da é a SEMAR [Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos], mas tem a declaração de utilização do solo que é o município que fornece... são esses tipos de documentos que a gente faz, estando dentro do nosso espaço, dentro do município, a gente faz a declaração (Secretário de Agricultura de Itaueira, informação verbal).

Portanto, cabe ao poder público confirmar que há a viabilidade para que o empreendimento de agronegócio instale no município. Só depois dessa declaração dá-se continuidade aos outros trâmites.

Outra Fazenda de grandes dimensões instalada da microrregião do Médio Parnaíba Piauiense é a Fazenda Real, em Regeneração. Segundo dados coletados na pesquisa de campo, a empresa iniciou suas atividades em 2006, após conseguir uma autorização ambiental. Suas primeiras atividades eram voltadas para o plantio de soja e milho, mas em 2010 a empresa expandiu suas atividades e iniciou também a produção de arroz e feijão.

Ainda segundo dados da empresa, a expansão florestal de eucalipto alcançou em 2013 5.500ha de área plantada e 3.600 ha reservados para a produção de arroz, milho e feijão.

Entretanto, observou-se em 2018 uma mudança em sua base produtiva, que passou do eucalipto para a soja (Figura 15).

Figura 15: Plantação de soja na Fazenda Real, município de Regeneração Fonte: O Autor (2018).

Foi constatado que a soja está se transformando no principal monocultivo nas microrregiões estudadas, tal qual o sudoeste piauiense. As empresas que outrora plantavam eucalipto estão optando em extinguir essa plantação, justamente pelo mercado menos abrangente que o grão supracitado.

Ainda em Regeneração, foi visitado outro grande empreendimento de agronegócio, a Fazenda Terra Roxa (AREDAM), que tem como proprietário um investidor de Vitória, Espírito Santo.

Com instalação em Regeneração em 2011, a Fazenda Terra Roxa contabilizou 24 funcionários. De acordo com dados fornecidos pelo representante, o tamanho total da propriedade é de 3.700 ha, sendo que destes, 2.000 ha foram destinados para a produção de milho e principalmente soja (Figura 16). Em 2018, o valor da terra girou em torno de R$1.000,00 o hectare. As justificativas da mudança de sua base produtiva (eucalipto para a soja) assentam-se na morte de grande parcela da floresta de eucalipto e principalmente pela inviabilidade de negociar com a Suzano, pela logística de entrega da madeira.

Figura 16: Área já colhida de plantação de soja na Fazenda Terra Roxa Fonte: O Autor (2018)

Em conformidade com o entrevistado, a fertilidade do solo foi a principal característica para a instalação da Fazenda em Regeneração; em contraponto, a maior dificuldade na produção é a irregularidade das chuvas. 2017, contudo, foi um ano atípico, pois o plantio iniciou-se em dezembro decorrente da grande pluviosidade; normalmente o processo a plantação começa em janeiro com projeção de colheita para março. Entretanto, o trabalho na área não para, pois em períodos de entressafra o solo vai sendo preparado para novo plantio.

Quando a soja é colhida, ela passa por vários processos, como o despejo dos grãos em uma máquina responsável pela secagem (pois, caso o grão concentre umidade, ele cozinhará nos caminhões), limpeza e armazenamento em silo bags para que depois os caminhões sejam abastecidos. Antes de a carga de soja ser colocada nas caçambas, o caminhão é pesado vazio e logo depois ele carregado, para se saber com exatidão o volume da carga. O refugo da limpeza da soja (casca) é vendido para o comércio local e serve para complemento da ração animal (Figura 17).

Figura 17: A) Galpão para preparo da soja para venda; B) Forno de secagem de grãos; C) Silo bags, destinados ao armazenamento e proteção dos grãos de soja; D) Casca dos grãos vendidos como complemento de ração animal.

Fonte: O Autor (2018).

Outro grande problema para a Fazenda, segundo o investigado, foi a logística para adquirir peças e acessórios, que são muito caras na capital Teresina; por muitas vezes, sai mais barato comprar no Espírito Santo e despachar de avião para o Piauí.

Observou-se na pesquisa que a Fazenda Terra Roxa tem alto suporte de implementos e maquinários. Interpelado sobre os bens da empresa, o representante enumerou as principais, que podem ser observadas na Tabela 31:

Tabela 31: Discriminação e quantidade de implementos e bens da Fazenda Terra Roxa, em Regeneração – PI.

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE Trator 16 Caminhão 5 Caminhonete 1 Motocicleta 3 Ônibus 1 Esparramadeira 2 Grade Aradora 4 Plantadeira 5 Terraceador 1 Pulverizador 3 Semeadeiras a lanço 2 Bazucas 4 Enciladeira de grãos 1 Classificador de sementes 1 Fonte: Dados da pesquisa (2018).

A B

O investigador confirmou que todos os bens são próprios da Fazenda (não há nada alugado) e a tendência é expandir a área da plantação para áreas ainda inexploradas. Todo esse investimento foi para atender aos três compradores da Fazenda, que são: Amaggi, localizada na Bahia, que atua principalmente na comercialização granífera de soja e na venda de insumos agropecuários; DuReino e Cooperativa Agrícola Virtual (COAVI), que tem sede em Teresina e exportam o que negociam com a Fazenda Terra Roxa.

Em vista disso, confirmou-se que o agronegócio se expandiu nas microrregiões examinadas com mais força principalmente a partir dos anos 2000 (com mais evidência em 2006), com a promessa de chegada da Suzano Papel e Celulose para o Piauí. Com os planejamentos frustrados, houve uma mudança na base produtiva para a soja, commodity mais aceita no mercado nacional e internacional.

Nesse ínterim, os grandes empreendimentos estão se territorializando em áreas outrora territórios dos camponeses. As tensões dessa convivência podem vir de várias formas, e a percepção do pequeno produtor sobre o avanço dos monocultivos é diversificada. É premente e necessário entender as características e consequências dessa coabitação no rural piauiense.

6 PROCESSO DE (RE)TERRITORIALIZAÇÃO