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3 CARACTERÍSTICAS DO NOVO CAMPONÊS PIAUIENSE

3.3 Principais práticas econômicas do novo camponês piauiense

As relações econômicas entre campo e cidade desenvolveram de tal forma que o meio rural não pode ser mais considerado somente como fornecedor de matéria-prima. As diferentes atividades que são desenvolvidas no campo incrementam a renda do trabalhador rural de diferentes maneiras.

Segundo Favareto e Seifer (2012), o novo perfil populacional foi criado a partir da mobilidade física, juntamente com a integração entre os mercados de bens e serviços, de trabalho e também o mercado de bens simbólicos. O crescimento das cidades, por muitas vezes, dita as transformações do campo, mas quanto maior for a interação entres esses territórios, maior a possibilidade de prosperidade de ambos.

Quando se aborda a realidade piauiense, muito de sua base agrícola camponesa transformou o meio rural, sendo por muitas vezes o símbolo desses territórios. Do ponto de vista territorial, o Piauí é um estado com grande disponibilidade de terras e potenciais econômicos distintos.

Diante dessa realidade, segundo Brandão (2016), o governo do estado do Piauí criou doze regiões de desenvolvimento13, a partir das particularidades dos municípios (climáticas, culturais, dentre outros), para que assim fosse permitido aprofundar as intervenções econômicas em cada território. Essa metodologia de divisão foi regulamentada em 2007 e baseia-se na criação de um conselho para cada município, onde são identificados os problemas e possíveis soluções que a população pode cobrar do poder público.

Os principais objetivos do governo nos territórios de desenvolvimento seriam: a instalação de poços e ampliação do sistema hídrico, a construção de estabelecimentos públicos para servir à população rural (escolas, postos de saúde, delegacias, dentre outros) e o recapeamento asfáltico.

Do ponto de vista produtivo, uma das atividades que mais se destacam nas regiões ao norte do estado (Planície litorânea, Entre Rios e Carnaubais) é a cadeia produtiva da cera de carnaúba.

De acordo com Oliveira e Barbosa (2016), a cera extraída da carnaúba só perde para a exportação de soja, em decorrência da expansão do agronegócio no sudoeste do Piauí. A referida planta pode ser aproveitada em sua totalidade (da raiz às folhas) e a ponta do seu processo produtivo inicia-se com o trabalho extrativista dos produtores tradicionais. Com o advento do mercado exportador, a produção moderna avança sobre todas as etapas da cadeia produtiva.

A seguir, uma Figura que expressa a sistemática da cadeia produtiva da carnaúba, desde a extração até o consumidor final:

13 Os doze territórios de desenvolvimento criados pelo Governo do Estado do Piauí em 2007 segue metodologias

diferentes das que foram adotadas para a criação das mesorregiões e microrregiões do IBGE. Nessa parte em específica do estudo, será levada em consideração a primeira divisão, como forma de melhor identificar as potencialidades econômicas rurais no Estado; contudo, o cerne da pesquisa baseou-se preponderantemente na divisão realizada pelo IBGE.

Cadeias

Medicamentos

Produção extrativa (pó) Cera Pré porteira Produtores tradicionais Artesanato Pós porteira

Fornecedores Consumidores

Produtores modernos Celulose

Alimentos

Construção civil

Figura 3: Sistemática da cadeia produtiva da carnaúba.

Fonte: Adaptado de Gomes e Nascimento (2006).

No Piauí, a produção de cera de carnaúba diferencia-se na extração tradicional e mecanizada. De acordo com Gomes e Nascimento (2006), o processo de fabricação do pequeno produtor consiste na fusão, filtração e resfriamento da cera; já a produção moderna/mecanizada é operacionalizada em indústrias refinadoras e segue as seguintes etapas: fusão e destilação para a obtenção da cera; depois esse produto passa por filtração, clarificação, escamação, embalagem, armazenamento e comercialização. A produção piauiense de carnaúba conta com doze diferentes ceras, que variam dependendo do grau de impureza e a forma final (em barras ou escamas ou em pó).

Um dos municípios piauienses que mais se destacam na produção de carnaúba é Campo Maior, que concentra grande quantidade de camponeses voltados para a atividade extrativista nas veredas de carnaubais. A seguir, a Figura 4 apresenta uma área de carnaúba campo-maiorense:

Figura 4: Vereda de carnaubais em Campo Maior – PI Fonte: Araújo (2018).

A grande vantagem para o camponês que reside em áreas de carnaubais é a associação destas áreas com a criação pecuária extensiva (bovina e caprina). Normalmente, os pequenos produtores usam a criação de gado para a subsistência, mas também para a comercialização da carne como forma de complementar a renda da extração da cera de carnaúba.

Por mais que a grande produção esteja presente nas regiões de desenvolvimento de carnaubais no norte piauiense, é expressiva a quantidade de estabelecimentos de pequeno e médio porte (até 500 hectares). Segundo Silva e Gomes (2006), em 2004, estes pequenos estabelecimentos rurais somavam 47,62% do total que praticavam a atividade extrativista da cera de carnaúba.

Ainda nos territórios de desenvolvimento ao norte do Piauí, outra atividade extrativista se destaca: a do coco babaçu. De acordo com Silva et al (2010), em comparação com anos anteriores (década de 1930 e 1940) a extração de amêndoa do coco babaçu e comercialização de seus derivados (principalmente o óleo) vem caindo em decorrência de outros produtos que o substituem, como o óleo de soja, milho, dentre outros. Mesmo assim, a tradição de toda a atividade que envolve a produção do coco babaçu resiste com o passar do tempo.

Os principais produtos originados do babaçu são: o óleo comestível (utilizado tanto para consumo das famílias quanto para venda), a amêndoa in natura e o carvão vegetal,

que além da comercialização, serve como matriz energética para o estabelecimento familiar (SILVA et al, 2010).

A principal característica agroextrativista do coco babaçu é a elevada presença das mulheres no início do processo, que é a quebra do coco para a obtenção de sua amêndoa (Figura 5). Ainda consoante Silva et al (2010), as mulheres quebradeiras de coco trabalham de forma consorciada com a produção agropecuária. Pela pouca capacidade de remuneração, a produção proveniente desta atividade agroextrativista também serve como forma de escambo entre a própria comunidade do entorno.

Figura 5: Quebradeira de Coco no município de Miguel Alves – PI.

Fonte: Silva (2010).

De acordo com Oliveira e Santana (2016), existem cerca de dez mil quebradeiras de coco em dez municípios ao norte do Piauí. Além dos produtos primários de comercialização, a palmeira concede para as famílias destas camponesas a cobertura para as casas (palha), material para fabricação de peças de artesanato e a produção de farinha do mesocarpo do babaçu.

Como maneira de fortalecer a atividade camponesa das quebradeiras de coco, foi instituído o Movimento Interestadual de Mulheres Quebradeiras de Coco (MICQB). Para Consoante Oliveira e Santana (2016), essa associação visa facilitar a comercialização dos derivados do coco babaçu e valorizar o trabalho das quebradeiras, que é rotineiramente negligenciado na cadeia de produção.

A pequena produção piauiense também ganhou destaque no decorrer do tempo com a fruticultura, mais especificamente a cajucultura. Segundo Consoante Pinho (2009), o Nordeste é o principal produtor de caju, e o Piauí corresponde a 20,0% do total dessa região.

Do caju, as duas matérias-primas são o pedúnculo floral (o pseudofruto, que é a parte “carnuda” comestível) e o fruto propriamente dito (castanha). O aumento produtivo do caju no Piauí, de acordo com a Codevasf (2016), deve-se a ações governamentais de incentivo ao crescimento da prática por meio da seleção dos produtores e fornecimento de mudas com o objetivo de recuperar e ampliar as áreas de cultivo.

De acordo com Pinho (2009), a castanha de caju tem uma boa aceitação tanto no comércio nacional quanto no exterior. Por ser um produto rico em vitaminas, minerais e ácidos graxos monoinsaturados, ele serve como um bom complemento alimentício e os subprodutos da castanha têm grande importância para a indústria.

O processamento da matéria-prima do caju agrega valor final à produção. Nesse sentido, a organização dos pequenos produtores fortalece sua representação no mercado, e a principal expressão organizacional são as cooperativas. Ainda segundo a Codevasf (2016), há em todo o estado cerca de vinte e uma mil famílias ligadas diretamente à cajucultura espalhadas por cento e vinte municípios piauienses. A partir desse montante, a quantidade de cooperados é expressiva: cerca de quatrocentos e cinquenta produtores são cooperados, divididos em nove cooperativas.

É importante destacar um dos principais produtos originados do caju e considerado Patrimônio Cultural Brasileiro: a cajuína, bebida oriunda do suco do caju. De acordo com Brandão e Rodrigues (2016), a cajuína impulsiona os ganhos dos pequenos produtores quando estes se encontram cooperando em si; no norte do Piauí, no município de Altos (localizado no território de desenvolvimento Entre Rios), só sua cooperativa contabiliza a produção de dez mil garrafas de cajuína anualmente.

Mesmo com vários produtos de destaque no Piauí, a pecuária ainda é umas das principais atividades camponesas do estado. Mesmo com o agronegócio atuando nessa área, as pequenas fazendas que criam principalmente galináceos, bovinos e caprinos para corte ainda são numerosas de norte a sul do território piauiense.

Segundo Silva e Ramos (1987), a pecuária no estado distribui-se geograficamente por conta da vegetação nativa, pois esta favoreceu a criação de forma extensiva, uma vez que demandava pouco custo em detrimento da pastagem que já se encontrava disponível.

Assim, com o caráter da pecuária extensiva, é comum se deparar com criação animal sendo mantida próxima a estradas, compartilhando o mesmo espaço com outras atividades agrícolas camponesas.

Figura 6: Caprinocultura no município de Francisco Ayres – PI. Fonte: O Autor (2018).

Sobre a caprinocultura, Monteiro e Giordani (2016) destacam que, no território da Chapada Vale do Rio Itaim, a grande potencialidade de produção de ovinos e caprinos atrai compradores de estados vizinhos, como Bahia e Pernambuco; pelas altas temperaturas registradas no Piauí, a caprinocultura se adapta facilmente às adversidades, inclusive quando a disponibilidade de água é diminuta.

Entretanto, o que se observou nos últimos anos, até 2016, foi a queda do número de rebanhos no Piauí14. Mesmo com essa baixa no efetivo, o rebanho de caprinos ainda é destaque nacional, pois colocou o Piauí como terceiro maior produtor brasileiro desta criação (IBGE, 2017).

Assim, desde os tempos coloniais, a pecuária piauiense mantém destaque na história do camponês e do desenvolvimento socioeconômico do estado.

Por fim, o camponês no Piauí mantém relações de pertencimento ao lugar não somente em áreas rurais, como também em urbanas. Com as cidades crescendo tanto vertical quanto horizontalmente, a urbanização avança em áreas onde essencialmente residiam

14 Segundo dados do IBGE (2016), houve uma redução de 5,57% no efetivo de bovinos, de 10,39% no de

comunidades com características do campo; também, a existência de manifestações camponesas na cidade são a herança de indivíduos que se mudaram para centros urbanos com o intuito de praticar outras atividades econômicas, mas acabaram por operacionalizar práticas camponesas.

Uma marcante manifestação rural nas cidades são as hortas urbanas comunitárias, muito importantes para o abastecimento local da população. Instaladas nas beiras dos rios Poty e Parnaíba, nessas hortas são cultivadas hortaliças de baixa exigência edáfica, como alface, coentro, cebolinha, pimenta de cheiro, dentre outros.

Em alguns municípios piauienses, como Floriano (localizado no Território Vale dos Rios Piauí e Itauerias), as hortas urbanas acontecem por iniciativa dos próprios produtores ou subsidiados por instituições como a Igreja Católica.

Já em Teresina, segundo Monteiro e Monteiro (2005), as hortas surgiram por meio de ações da Prefeitura Municipal como forma de gerar renda para famílias carentes e como consequência diminuir a dependência de abastecimentos de hortaliças de outros estados. No início da implantação dessa ação municipal, a atividade nas hortas era mais voltada para crianças e adolescentes com vulnerabilidade social; no decorrer do tempo a prática camponesa estendeu-se para demais membros da família, como forma de complementar ainda mais da renda domiciliar.

Em suma, o novo camponês piauiense, mesmo com a inserção da industrialização em seus campos de atuação, mostra-se como uma classe que contradiz a lógica do capital. A segurança alimentar da família e a garantia de uma qualidade de vida satisfatória ainda mostram os principais objetivos para os pequenos produtores, diferente do agronegócio, onde o lucro deve ser o final do processo.

Não obstante, é importante lembrar que a estrutura familiar da unidade camponesa piauiense está se adequando aos novos tempos, onde o acesso à educação oportuniza mulheres e crianças a modificarem antigas bases patriarcais e concede novas oportunidades para a população do campo.

É importante frisar que a complexidade da agricultura camponesa é muito ampla, pois, além dos pontos aqui levantados, ela também demonstrou particularidades dependendo de cada região do Piauí.

4 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DAS