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2 CAMPONESES E AGRONEGÓCIO: CONCEITO, RELAÇÃO COM A TERRA E

2.4 Dominação do território e expropriação no campo

Com a implantação da informação de massa (redes de tv, jornais, internet), a população brasileira é confrontada com uma realidade que parece ser rotineira no Brasil: a violência no campo. Contudo, as atuais lutas que ganham as notícias nos veículos de comunicação são uma fração do histórico embate entre dominante e dominado (que teve como personagem nos primórdios o indígena brasileiro).

Oliveira (2002) faz um pequeno histórico das lutas no campo brasileiro. Dentre elas destacam-se: as lutas dos quilombolas na época da escravidão; as batalhas de Canudos e Contestado; as lutas que tiveram palco as fazendas de café; as lutas já no século XX dos camponeses; a luta de Trombas e Formoso, em Goiás; os embates ocorridos no Paraná e a criação das Ligas Camponesas. Todas estas situações tinham como característica principal a grande violência gerada pela resistência de uma população que era usada como instrumento de trabalho para certa atividade.

Dessa maneira, a dominação territorial que é imposta e perdura até o século XXI gera diversas formas de reterritorialização dos agentes que atuam no rural. Para entender os processos advindos desses processos, gerados, dentre outros fatores, pela expropriação, é importante observar os contextos econômico, político, simbólico e cultural, como demonstra Haesbaert (2016). A desterritorialização (que existe concomitante ao movimento de reterritorialização) é algo negativo quando o camponês, ao adaptar-se às novas lógicas existentes no rural, tem a sua vivência religiosa, suas crenças e seus valores ameaçados.

Essa desarmonia de objetivos alarga a distância entre os dois extremos do embate (agronegócio e camponês), fazendo surgir, assim, uma desordem territorial que pode reverberar tanto no campo quanto na cidade. Essa desordem pode criar aglomerados de exclusão. Sobre desordem territorial, Haesbaert (2016, p.327) explica que:

Os aglomerados de exclusão, mais do que espaços à parte, claramente identificáveis, são fruto de uma condição social extremamente precarizada, onde a construção de territórios “sob controle” (termo redundante) ou “autônomos” se torna muito difícil, ou completamente subordinada a interesses alheios à população que ali se reproduz [...]. Definir espacialmente os aglomerados de exclusão não é tarefa fácil, principalmente porque eles são, como a própria exclusão que os define, mais um processo – muitas vezes temporário – do que uma condição ou um estado objetiva e espacialmente bem definido. Se preferirmos, trata-se de uma condição complexa e dinâmica, mesclada sempre com outras situações, menos instáveis, através das quais os excluídos tentam a todo instante se firmar (se reterritorializar).

Assim, a desordem territorial criada pela inserção massiva do agronegócio é conflituosa por essência, haja vista que as dimensões impulsionam o homem do campo a encontrar/criar novos territórios, ou até mesmo transformando-se de um agricultor em predominantemente um assalariado.

Dentro desse sistema de dominação territorial, a exclusão inerente ao processo é agravada pela distância histórica que separa a agricultura capitalista da camponesa. Martins (2012) lembra que o camponês ainda abriga em seus costumes relações econômicas e sociais do período colonial brasileiro, além de seus esforços enquanto sociedade são direcionados para sua família e comunidade que o cerca. O confronto vem da subjugação dessa comunidade pelo aparato tecnológico que é alicerçado por leis e interesses muito diferentes dos quais o camponês está acostumado. A pressão dos latifúndios e da lógica de mercado exige uma resiliência cada vez maior das pequenas unidades agrícolas familiares.

Além dessa realidade de conflitos territoriais, Martins (2012) ainda lembra que esses problemas de fronteira9 exigem o conhecimento das subjetividades que movem a vítima no campo; pois é nessa miríade de visões de mundo que há a destruição de territórios e criação de cenários desumanizados.

Nesse contexto, a partir das divergências gritantes entre a forma de vida camponesa e o processo de expansão da indústria agrícola, o principal fator que culmina em um agravamento desse processo é o de expropriação. E esse processo de expropriação é

9 Martins (2012) entende fronteira como o resultado de uma dinâmica territorial que não cessa e tem como

principal modelador o fator político. O autor ainda utiliza a expressão “canibalismo simbólico” para definir as desvirtuações criadas pelos impasses surgidos no território das comunidades tradicionais, as quais ele identifica como vítimas do processo de expansão dos latifúndios.

antecedido pela exploração da mão de obra não especializada e barata dos agricultores reféns dos desígnios do capital. Martins (1982) afirma que a conduta do camponês como mão de obra no sistema capitalista não segue os mesmos rumos de um trabalhador de fábrica, por exemplo; por não pensar como um indivíduo integrante de uma força coletiva (como um operário), ele se vê em um ambiente onde os limites são diferentes dos da lavoura; enquanto na indústria, o trabalhador tem sua força de trabalho como mercadoria, o camponês tem o produto do trabalho a sua mercadoria final.

Nesse sentido, na unidade agrícola familiar inexiste um sentimento de força política e social que no coletivo de operários possuem. O que impulsiona as lutas camponesas no Brasil é a restauração da autonomia dessa classe, como expõe Martins (1982); mas essa luta não é para retornar historicamente a um ponto onde o lavrador via-se livre das influências do mercado, pois isso já não é mais possível, diante da evolução econômica. Dessa maneira, com sua rotina produtiva já entremeada ao sistema capitalista, o movimento político é imprescindível para garantir e dar forma à luta que a sua sociedade clama.

Essa conjuntura, portanto, faz com que muitos movimentos sociais surjam no campo, como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que é um coletivo que busca melhores condições para produzir na terra e tem como uma das principais pautas a reforma agrária como recurso para democratizar o acesso a terra.

O MST é uma boa amostra da reação dos pequenos produtores familiares que buscam, de forma politizada, garantir os seus direitos. Oliveira (2002) destaca que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) apoia fortemente o movimento e que ele já se espalhou para todos os estados do país. Os constantes embates entre latifundiários e o MST provocaram reações dos grandes proprietários, do próprio Estado e da justiça. Mesmo assim, continua atuante frente às tentativas constantes de frear o seu avanço.

Portanto, nos interesses divergentes, representados pelo agronegócio e pelo camponês, percebe-se a diferença dessas forças, sendo que grande parcela do fomento estadual é voltada para a agricultura agroexportadora. É de se supor que numa luta, tanto ideológica quando socioeconômica, o camponês leva desvantagem e está fadado ao desaparecimento, tornando-se parte da massa de proletariados. Mas, contrariando a teoria marxista de que o camponês estava fadado ao desaparecimento, o roceiro resiste e demonstra uma capacidade de contornar as adversidades na medida em que o seu território é subtraído diante do avanço capitalista.