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6 PROCESSO DE (RE)TERRITORIALIZAÇÃO DO CAMPONÊS PIAUIENSE E

6.1 Percepção do camponês do seu território e transformações no seu modo de vida

O camponês usa os elementos da natureza a seu favor e planeja sua rotina antes do nascer do sol. De acordo com os entrevistados, as condições de sossego e de segurança na comunidade tornam a vida no campo melhor, se comparada com o centro urbano. Em uma comunidade com poucas casas (Figura 18), as relações pessoais são mais presentes e o contato com a natureza (um dos principais benefícios de se morar no “interior”, de acordo com as investigações) contribui para uma qualidade de vida satisfatória.

Figura 18: (A) Povoado Coco, em Regeneração; (B) Assentamento Cachoeira e (C) Papa Pombo, em Floriano e; (D) Povoado Salinas, em Itaueira.

Fonte: O Autor (2018).

O trabalho realizado pelo lavrador nessas comunidades exige disciplina e um esforço físico intenso, por isso seus anos de trabalho parecem ser mais extenuantes que os dos trabalhadores da cidade. Mesmo assim, foi percebido um rigor em sua programação de afazeres diária, rigor esse que é seguido por claras divisões de tarefas.

Saía cinco da manhã, a “muié” todo dia levantava as três pra fazer comida e eu caía no mundo. Sete horas eu chegava na roça e saía de lá quatro horas que era longe, chegava mais ou menos umas seis, seis e meia pras sete em casa (Entrevista n.3, Informação verbal).

Nesse caso, quando há a oportunidade de trabalhar fora da roça (com diárias), ficou claro que o camponês tem consciência das suas limitações físicas e, caso ele exceda esse limite, há o comprometimento de toda sua rotina de vida.

Aqui a gente acorda 6 horas da manhã, aí faz um cafezinho, bota um feijãzinho no fogo, uma carne se tiver, aí fica limpando o pezinho de caju... Faço meu carvãozinho de uso, e assim, aí às vezes, lá uma vez eu acho uma diária. Mas eu não “guento” trabalhar uma diária, aí não compensa eu ir, porque eu não aguento trabalhar um dia todinho, porque o sol esquenta muito e não vou arriscar minha saúde, porque eu sou sadio. Minha vista é um ruim demais, precisa até operar agora de catarata. Mas eu não vou arriscar minha saúde. Aí nove horas quando termina a novela a gente dorme (Entrevista n. 63, Informação verbal).

A B

Como observado no relato acima, ficaram evidentes problemas de saúde por parte dos camponeses, sendo os mais comuns as contusões de joelhos, problemas na coluna e na visão, acarretando a diminuição do trabalho na roça, ou até mesmo a interrupção por completo da atividade agrícola.

Para o trabalhador rural, reconhecendo suas limitações físicas com passar dos anos, surge o sentimento de frustração de não poder se aposentar mais cedo.

Entra governo e sai governo... Agora mesmo “nós tem” um aqui, que foi botado por nós, e tá judiando muito com os agricultores, inclusive essa reforma da previdência. A gente vem batendo muito na tecla, né [...] mas é uma raridade o homem [do campo] se aposentar. O homem com sessenta anos pra sessenta e cinco, a mulher com cinquenta e cinco pra sessenta, é um absurdo. Esse governo que entrou aí, o sindicato tá batendo muito nisso daí. Um trabalhador rural com sessenta anos já é um avançado, e querer derrubar aquilo que a gente conquistou com muita luta, não veio de graça não e agora o governo querer derrubar? (Representante Sindical de Itaueira, informação verbal).

Assim, ficou claro que uma das maiores preocupações do camponês piauiense é com a segurança financeira no futuro, quando ele não exercer mais o trabalho na roça. A garantia da aposentadoria para o trabalhador rural é, segundo a investigação, o descanso merecido do labor rural.

Essa realidade coaduna com os estudos de Marx (1890), quando ele fala que a resistência camponesa diante da pressão capitalista de convertê-los em instrumentos de trabalho a serviço do capital os tornam livres dessa lógica de acumulação, mas isso pode gerar um tremendo efeito em sua sobrevivência, pois ganhar a vida no campo está ficando cada vez mais difícil com o passar do tempo.

Contudo, mesmo com as adversidades do meio rural, o sentimento de continuar produzindo e o apego ao seu território faz com que o camponês resista na terra e reinvente o seu trabalho.

Toda vida trabalhei em roça, nasci e me criei dentro de roça, com meu pai... Me casei e continuei na roça. Eu tenho profissão de pedreiro, mas todo tempo trabalho na roça, trabalhava lá [construção civil] e quando chegava ia direto pra minha roça. [O trabalhador do campo] é importante em todo lugar... Mas o pobre se formar sem emprego o que é que adianta? Pra nós é importante, mas tem gente que não dá valor, o pobre trabalhador no interior é muito melhor do que na cidade, eu morei na cidade e dava cinquenta reais minha feira, no outro dia a feira não tinha mais, tinha que comprar toda hora uma coisa e outra (Entrevista n. 63, Informação verbal).

Portanto, constatou-se que o camponês piauiense atual vê alternativas de sobrevivência no sistema capitalista, sem, no entanto, assalariar-se completamente. Chayanov (1925) já apontava para essa realidade, ao afirmar que o pequeno produtor familiar é o próprio gerente de sua empresa e o objetivo de sustentar os membros da residência é conseguido quando há o equilíbrio entre o bem-estar e da sua situação de mercado (se ele pode – ou não – vender o excedente da sua produção).

A investigação empírica apontou primeiramente a facilidade com que o lavrador tem de se adequar às dificuldades do campo, e a sobreviver sem uma alta renda fixa. Como ficou constatado, há famílias de quatro componentes que se mantêm somente com um auxílio governamental de R$ 143,00 (média de R$35,75/mês por membro da família).

Ademais, a vida camponesa na região avaliada teve como característica primordial a criatividade. Isso converge para o debate levantado por Oliveira e Pereira (2014), que abordou que a subordinação do camponês ao sistema capitalista revela uma força de classe que, por muitas vezes, pode ser incômoda por ir de encontro à modernização que está se instalando no campo.

Desse modo, convém relatar que o assalariamento comumente é uma situação forçada pela necessidade de se alimentar. A sua segurança alimentar é vinculada às condições edáficas e dos regimes anuais de chuvas e, quando as condições não estão favoráveis, o camponês vê-se obrigado a procurar alternativas.

Assim, ficou reconhecido por parte de lideranças no campo (sindicatos) que, frente às dificuldades físicas do ambiente, as novas técnicas empregadas na lavoura podem amortecer os possíveis problemas na produção.

Eles [camponeses] reclamam muito da parte financeira em si, mas o que eu vejo hoje é falta de técnicas, porque as pessoas, o agricultor, tem uma mania de fazer aquele plantio como era antes e hoje nós temos seca verde, o inverno que tá vindo hoje é pouco tempo, em um período de 90 dias, e nós temos que aprender a viver esse período de pouca chuva e o que vejo que falta é técnica. O governo federal dá esse suporte pra esses agricultores, porque o SEBRAE aqui mesmo nós temos um programa sertão empreendedor, e a gente vê que quem entrou “foi” só 20 famílias, quem veio hoje a gente já vê a diferença. Por quê? É porque tem um acompanhamento, como fazer seu criatório, tem um acompanhamento em geral de como manter o criatório, a alimentação, como fazer o seu plantio nesse período e até mesmo fazer os “estocamentos”, dividindo em partes iguais para a alimentação dos animais e dos humanos (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar de Itaueira. Informação verbal).

Destarte, essa realidade comprovou o que Chayanov (1925) afirmou: o camponês não consegue aumentar a intensidade do seu trabalho além de um “ótimo” que ele já se impôs, a não ser que a unidade familiar precise. Pode-se atualizar essa concepção afirmando que,

com a necessidade de melhores condições de vida, o novo produtor rural pode lançar mão de técnicas mais atuais como forma de melhorar seu trabalho na lavoura sem que este precise estressar sua capacidade física e dos membros de sua família.

É interessante, pois, compreender que esse novo camponês, que exige do estado melhores condições de produzir para que ele permaneça na terra, é uma cria do próprio sistema capitalista, como afirmou Oliveira (1986), o qual reconheceu que esse agricultor ainda é forte, e este ímpeto em produzir cada vez mais não visa lucro, mas sim alcançar condições para adquirir outros produtos necessários para satisfazer suas necessidades.

Em visita à Emater do município de Regeneração, foi indagado ao técnico do órgão público qual era a principal dificuldade no processo produtivo dos camponeses. Ele afirmou que a questão financeira não chegou a ser o maior problema, e sim a resistência camponesa em aderir a novas técnicas, contradizendo o relato de alguns lavradores investigados.

Rapaz, eu acho que a dificuldade não é nem o financeiro. É mais a questão de que tinha gente que tinha potencial. Nesse projeto eu elaborei, um projeto que dizia que a galinha tinha que ter um galpão com X metros, com tantos animais por metro quadrado, mas aí quando chega lá o caboco bota na cabeça dele, uma resistência de criar num poleiro, [produz] num “chiqueirinho”, aquele negocio pequeno. Aí eu digo: ‘Rapaz, nós estamos trabalhando é num projeto que vai ser orientado com assistência técnica, esquece isso aqui de mão que é do tempo do teu avô’. A resistência do agricultor é pra assimilar a tecnologia, ainda tem muita resistência, querem fazer as coisas do mesmo jeito que era no tempo dos avós, não são adeptos, não querem se adaptar a tecnologia. Muitos deles fazem é desviar os créditos. (Técnico da Emater de Regeneração. Informação verbal).

Portanto, a resistência em se aderir às novas técnicas relatadas pelo entrevistado está vinculada diretamente aos traços culturais passados de pai para filho. Mesmo com camponeses vislumbrando a facilidade que novas metodologias podem trazer para o seu labor, ficou reconhecido o descontentamento de muitos moradores sobre aderir aos procedimentos apresentados por órgãos governamentais.

A principal via para se ter acesso a implementos agrícolas, como material para irrigação, é por meio de financiamentos concedidos por créditos rurais. Uma preocupação recorrente quando se pega dinheiro junto ao banco é o pagamento da dívida contraída: “Sempre utilizei o negócio do banco, aí a gente paga direitinho. O banco sempre me ajudou demais, fui beneficiado em muitas coisas” (Entrevista n. 2, informação verbal).

O envolvimento de mais famílias, em um sistema colaborativo, teria mais retornos quantitativos, mas o envolvimento de todos os camponeses às vezes não é possível por falta de engajamento, como apontaram algumas entrevistas.

[...] o que poderia melhorar pra gente é a irrigação, mas aí o pessoal acha difícil, não sei se eu “tô” falando besteira, porque assim, eles acham que a água não vai suportar isso aí. Eu tenho vontade de criar uma horta, mas assim, minhas amigas não ajudam, aí tenho meus temperos individuais. Não tem uma coisa coletiva porque o pessoal não “quiseram”. Na época recebemos um kit de irrigação, e eu tentei na época que eu era presidente do sindicato, eu tentei, mas o pessoal não queria, aí tivemos que entregar e foi pra outra comunidade (Entrevista Nº4, informação verbal)

A falta de engajamento, geralmente, advém não da ausência de perspectiva para crescimento, mas sim da percepção de cada camponês de suas reais necessidades diárias de alimentação e de trabalho.

Entretanto, o cooperativismo mais forte dos trabalhadores rurais ficou expresso nas trocas de diárias, quando estes se ajudam na colheita das lavouras. Oliveira (1986) argumentou sobre isso, ao expor que a ajuda mútua se torna mais premente quando há a real necessidade, ou seja, quando a força de trabalho da família somada não dá conta do trabalho na lavoura e eles também não dispõem de rendimentos para pagar um trabalhador assalariado (diarista).

Ademais, concomitante à falta de disponibilidade de técnicas e a ausência de dinheiro, o camponês tem uma percepção geral da realidade político-econômica brasileira e o que isso está trazendo para sua vida.

Rapaz, se mudasse aí esses governos... Que esses governos aí “tão” embaçados demais, “tão” acabando com o país, tudo corrupto, na televisão é só o que falam, na politica, em roubo. Aí fica meio complicado. Aqui tem que melhorar na vida nossa que... O Brasil tem que melhorar em si, no geral é aquela questão de educação, aquela coisa mais precária, aí os governantes tem que modificar tudo isso pra melhor (Entrevista nº6, Informação verbal).

Dessa forma, ficou constatado pela pesquisa que o camponês investigado anseia pela melhoria da política brasileira, para que esta seja mais justa e melhore o sistema de educação no campo.

Assim, o lavrador piauiense tem consciência das suas limitações em seu território, mas também demonstrou uma visão otimista de sua realidade, ao expor que tais empecilhos não diminuem a qualidade de vida do meio rural, tampouco compromete sua permanência em sua comunidade.

6.2 Reinvenção e complementos do trabalho camponês na região investigada

A resiliência do camponês em seu território está invariavelmente ligada ao seu poder de reprodução econômica e interações sociais em sua comunidade. Como apontou

Oliveira (1986), isso só é possível quando a força do trabalho familiar é suficiente e quando há a ajuda mútua e parceria entre os lavradores (para suprir a ausência de condição financeira).

Além disso, por vezes o pequeno produtor rural vê-se impelido a transformar-se provisoriamente em trabalhador assalariado como um subterfúgio para complementar a renda familiar (OLIVEIRA, 1986). Na situação dos camponeses avaliados, o trabalho temporário associou-se a outras atividades rurais, mais especificamente vinculadas ao agronegócio.

Interpelados se já trabalharam em outra atividade que não fosse a roça, uma grande parcela nunca se assalariou, com exceção de diárias tiradas na lavoura de vizinhos. Contudo, todos que já tiveram um ofício externo do seu plantio empregaram-se em grandes plantações, como, por exemplo, de cana-de-açúcar e eucalipto.

Sobre o trabalho no corte de cana, os camponeses relataram que o chefe da família desloca-se para São Paulo ou Minas Gerais para conseguir emprego de cortador e normalmente eles pagam o deslocamento (ida e volta) para o Sudeste do país. Segundo os relatos coletados na pesquisa in loco, os lavradores saem do Piauí entre fevereiro e abril e só retornam em novembro ou dezembro.

Com uma jornada extenuante, remuneração baixa e um grande período de tempo longe da família e de seu território, todos desejam não necessitar mais desse tipo de ofício. Além do mais, na ausência do homem, a mulher ficava responsável tanto pela gestão da residência (cuidados com a casa, com o quintal e com as crianças) quanto pela roça e hortas.

Essa liberdade de ir à procura de trabalho em outros estados mostrou-se uma ilusão de melhoria de vida, como pontuou Martins (1996), pois esta autonomia de buscar outras ocupações encobre a real relação entre patrão e empregado na produção capitalista no campo. O trabalhador no sistema capitalista é entendido como dono de suas próprias ações e, portanto, patrão de si mesmo (ele pode escolher onde trabalhar), mas a realidade toma o sentido oposto, pois o patrão (dono das grandes propriedades agroindustriais) é quem enriquece diante do trabalho árduo da mão de obra não especializada e barata.

Além do corte de cana, notou-se que camponeses residentes nas proximidades de fazendas de eucalipto no Piauí comumente arranjavam trabalhos temporários nestes monocultivos. As principais ocupações eram a de operador de motosserra e carregador (organização das toras de eucalipto nos caminhões).

A entrevista mostrou um descontentamento dos camponeses acerca do trabalho nas fazendas de eucalipto, sob a justificativa que a empresa evita “fechar o ano” de carteira assinada com os empregados.

Meu marido trabalhou [na fazenda de eucalipto], agora ele só vai receber o dinheiro, ele trabalhou oito meses. Como eu “tô” dizendo, lá não fecha o ano, quando tá perto de fechar o ano, aí manda os mais velhos “sair”, aí entra outras pessoas, não pode fechar o ano lá, o povo diz. Logo meu marido não tem direito pra receber, nem FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], nem aquelas parcelas, eles não fecham o ano que é pra não pagar isso aí [...] Meu marido tem que ser operado, como ele tem pedra no rim, ele tem que operar com urgência, porque ele só vive sentindo dor. Como ele tá doente, lá eles sabiam que ele “tava” doente, não pagaram nada não, nem pra levar pro médico, só mandou ele vir pra casa. Foi pro médico pela responsabilidade dele, graças a Deus tá dando tudo certo, ele vai ser operado em Teresina (Entrevista Nº55. Informação verbal).

Portanto, para que o empregado não gere mais custos para a empresa, esta assina a carteira por um período inferior a um ano; ainda segundo os entrevistados, essa prática “suja” a carteira de trabalho. “Meus trabalhos eram todos de dois, três anos de carteira assinada. Agora tá ‘suja’ porque eles me empregaram e três meses depois me botaram pra fora” (ENTREVISTA Nº 50, informação verbal).

Todos os interpelados que trabalharam em fazendas de eucalipto relataram a mesma situação de trabalho temporário, o que levou à conclusão que esta prática é comum na gestão dos trabalhadores.

Já segundo o representante da fazenda de Eucalipto da região de Francisco Ayres, o trabalho desenvolvido pela empresa é benéfico à população do entorno, por gerar renda para as famílias que não tinham perspectiva de trabalho em nenhum outro lugar próximo. Para atender à região, a administração da fazenda só contratou mão de obra piauiense. Além do mais, foi informado que a convivência com os lavradores é pacífica, pois eles tentam manter intactas as práticas agrícolas das comunidades locais, permitindo inclusive a criação de animais dentro da floresta de eucalipto.

Essa convivência, contudo, é avaliada de forma distinta pelo camponês que mora nas imediações do monocultivo. Segundo os investigados, o impacto da grande plantação é muito visível na natureza (fauna e flora) e na variedade de produtos nativos que tinham disponíveis para o consumo animal e humano. Com a derrubada das árvores, houve decréscimo na oferta (e consequentemente de consumo) de produtos característicos da culinária local, como, por exemplo, o pequi.

[A instalação da fazenda de eucalipto] atrapalhou porque desmatou tudo, acabou tudo. E por outro lado, eu mesmo não, mas tem muita gente que sempre trabalha lá, arruma uma diária. Eu sinto que não seja muito ruim, não. É ruim porque acabou com a chapada, tinha um pequi, tinha como criar um bicho, mas por outro lado não vejo nada pior não (Entrevista Nº63, informação verbal).

Nos relatos, o único benefício apontado foi a empregabilidade da comunidade local, mas os danos ambientais são incontestáveis aos olhos do camponês.

Rapaz, eu vou lhe dizer uma coisa, eles fizeram um coisa aí que eu não gostei, nós “trabalhava” lá [terras antes da chegada das grandes fazendas], plantava os milho para as galinhas... Aí compraram o terreno e aí fizeram um “aterrão” [terraplanagem] mais monstro do mundo no terreno, tá cheio de aterro. Eles cortaram tudo, aí acabou. Se a gente toca um fogo, não pode, eles têm maquinário né, eles alegaram isso aí né, aí parece assim, que o povo tem medo deles (Entrevista Nº63, informação verbal).

Além do grande desmatamento promovido pelas fazendas de eucalipto, é sempre lembrada a questão da água voltada para esse tipo de plantio. Segundo relatos dos camponeses, eles reconheceram que a floresta de eucalipto exige uma grande quantidade de água para sobreviver e, por isso, eles a chamam de “seca verde”. Essa comprovação de dano ambiental não muda o que está acontecendo no meio rural, pois, segundo os entrevistados, não há nada que eles possam fazer para interromper o avanço do agronegócio.

Essa incursão irreprimível do agronegócio no campo piauiense confirmou a afirmação de Gomes Neto (2016), quando reconheceu que a empresa capitalista tem como objetivo expandir os seus negócios – uma lógica de expansão progressiva pelo território, além de ampliar sua dominação para a produção, distribuição e circulação do produto.

Consoante os camponeses, a inserção do agronegócio só trouxe benefício para os “patrões” que residem na cidade grande, e só perdas em longo prazo para as comunidades rurais. A água, apontada como escassa em muitos povoados e assentamentos, é consumida pelos grandes monocultivos da região, fazendo com que a disponibilidade deste recurso natural se torne ainda mais difícil. Ainda, a criação de animais ficou comprometida, já que o tamanho das pastagens teve que diminuir com a demarcação das terras da agroindústria. Um rebanho que outrora era criado de forma extensiva agora tem que ser criado preso.

Na pesquisa de campo, os representantes das fazendas de soja também foram interrogados sobre a convivência deles com a comunidade local. Na oportunidade, afirmaram que tentam manter uma relação pacífica entre a população e relatam que nunca houve qualquer tipo de confronto. O benefício apontado que a plantação de soja traz para o município também é a geração de empregos e a movimentação do mercado regional.

Sobre a gestão de pessoal, o representante da fazenda de soja confirmou que a mão de obra necessária para operacionalizar a área plantada é toda autóctone. Ao serem contratados, os trabalhadores assinam um contrato de quarenta e cinco dias de experiência,

podendo esse tempo se estender até noventa dias. Passado esse período, dependendo do