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ESPAÇOS DINÂMICOS; ELITES CONSERVADORAS Contexto histórico, cultural, geográfico e político do tema

Mapa 3: Barra do Garças: entroncamento rodoviário da BR 158 e BR

Fonte: RIBEIRO. 2001

Crítico ferrenho do autoritarismo paternalista das oligarquias instaladas em Barra do Garças, Casaldáliga também aponta, com grande precisão, a estrutura política deste poder local de bases familiares, estreitamente ligado ao latifúndio e ao controle patrimonialista da administração pública da sede municipal:

Barra do Garças está na mão de um clã de famílias desde a fundação do município, que controlam amplamente a Administração, o Cartório, o Ensino, e a Polícias locais. O Sr Landislau Cristino Cortes é prefeito de Barra do Garças pela terceira vez. Fazendeiro, proprietário de 8 fazendas, a sua política é declaradamente de apoio e cobertura ao latifúndio na região. (CASÁLDALIGA, em Carta Pastoral de 19 de outubro de 1971: “Uma Igreja

da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, página

21)

A força do mandonismo imposta pelo “município sede” chega a ser surpreendente em relação ao tempo e mesmo aos padrões autoritários do regime militar. Sem o prévio aviso, as descrições de Casaldáliga sobre os acontecimentos da década 1970 na região parecem datados de cenas antológicas do século XIX ou do início do século XX. Em meio aos dramas deste cenário, desfaz-se de forma inequívoca a “historiografia encomendada” e ufanista de Valdon Varjão. As relações entre os homens são permeadas por um clientelismo fisiológico e nefasto que se dissemina por toda a sociedade local, reproduzindo o círculo vicioso em que “fazendeiros, políticos, comercio e polícia, perfeitamente entrosados” (CASALDÁLIGA, 1971:21), dominam a população utilizando-se da força e do consentimento despolitizado das massas mais empobrecidas da população92. Veja-se, por exemplo, numa comparação direta, duas descrições diametralmente opostas sobre um mesmo tempo e espaço históricos, onde o cenário mágico de Valdon Varjão – e, por extensão, dos políticos mato-grossenses da ARENA - colide frontalmente com a realidade opressiva descrita por Casaldáliga:

Dotada de todos os requisitos que configuram uma cidade confortável e dinâmica, Barra do Garças surpreende o visitante pela presença, em pleno sertão, de um centro comercial de porte respeitável que já se encaminha, aceleradamente, para a criação de uma estrutura industrial. [...] Situado no Vale do Araguaia, que por si mesmo representa uma das grandes promessas no que diz respeito à agropecuária, o Município conseguiu, pelo esforço das suas lideranças políticas, aproveitar o fluxo de interesses econômicos que hora se dirige para os sertões amazônicos, fazendo com que a Barra – como é carinhosamente chamada pelos seus habitantes – galgasse essa posição invejável. [...] Com mais de dois mil estudantes de nível secundário e quase dez mil de nível primário, Barra do Garças possui uma estrutura educacional altamente significativa, onde os esforços do governo do Estado de Mato Grosso e do Município se integraram, consolidando, na realidade prática, o velho dístico popular: “a união faz a força” [...] Barra do Garças possui duas Lojas Maçônicas de grande atividade, o que faz com que os interessados pelas questões da Filosofia encontrem campo propício para suas investigações. (VARJÃO, 1985:134- 135).

[...] O voto é comprado da ingenuidade do povo, nas campanhas eleitorais exuberantes de promessas. Os votantes são trazidos em massa, em

92 É interessante conhecer os estudos da professora Regina Beatriz Guimarães, do Departamento de História da UFMT, sobre

a histórica da violência e da problemática social da região da BR 158, especialmente a partir dos planos privados de colonização dos governos militares entre 1970 e 1985. Para um entendimento preliminar, consultar GUIMARÃES, Regina Beatriz. “Amazônia na boca da carabina”. Revista “HISTÓRIA”, da Biblioteca Nacional. Ano 3, n27, dez 2007:66-69.

conduções coletivas. Nunca tiveram a possibilidade de escolher livremente um representante verdadeiro. Há necessidade de adular os poderosos (para comprar fiado; para não ver filhos sem escola elementar; para conseguir um documento, uma influência, um cargo). Os manda-chuvas “servem” ao povo com um paternalismo triunfante e orquestram os seus “dons” – mínimos atrasados, com freqüência fraudulentos. Há clima de terror, e o fatalismo passivo do povo que sabe que “sempre foi assim” (“política é assim

mesmo”), ou aquela falta de liberdade para se expressar, para prescindir,

para reclamar. Tudo isso faz da política local dessas regiões uma opressão estabelecida e legal. (CASÁLDALIGA, em Carta Pastoral de 19 de outubro de 1971: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a

marginalização social”, página 21)

“Paternalismo triunfante e opressão estabelecida e legal”: eis as “palavras da

verdade” tão bem delineadas por Casaldáliga, em 1971, para descrever o conjunto de

práticas políticas que, a despeito das inúmeras modernizações pelas quais o estado passaria nas próximas três décadas, a cidade de Barra do Garças tão cedo não se libertaria.

A partir de 1970, novas cidades se ergueram no Vale do Araguaia tal como os pequis selvagens brotam nos solos ácidos desta “franja da Amazônia”. Gigantescas colonizações, levadas à cabo por empresas privadas e por imensos subsídios e incentivos ficais do Estado Federal (estratégia central dos regimes militares para a ocupação dos cerrados e da Amazônia mato-grossense), se espalharam pelo território com a força dos colonos sulistas que para lá se dirigiram, carregados de sonhos e esperanças pela nova terra. Outros, vindo do norte e nordeste, constituíram uma segunda leva de retirantes para se juntarem aos seus originais conterrâneos que já estavam no Vale desde as primeiras décadas do século XX (OLIVEIRA, 2006: 18). Empresas paulistas, paranaenses e multinacionais, amparados pelos vultosos empréstimos da SUDAM e da SUDECO93, deram início aos gigantescos investimentos de capital agrícola nos chapadões mato-grossenses, dos quais nasceu o tão extraordinário como assustador agronegócio brasileiro (Gráfico 6). Fusões de culturas, hábitos, modos e práticas de vida se mesclaram num turbilhão de povos e costumes que até hoje continua em movimento e formação.

93 Respectivamente, Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e Superintendência do Desenvolvimento do Centro

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