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Não poderíamos nos furtar à citação de dois comentários fundamentais sobre a personalidade de Anísio Teixeira

O DISCURSO EDUCACIONAL DEMOCRÁTICO POPULAR: atualizando problemas e conceitos.

CAPITULO 1 O discurso educacional progressista como suporte ideológico de prática política e transformação social: elementos históricos e atuais para

30 Não poderíamos nos furtar à citação de dois comentários fundamentais sobre a personalidade de Anísio Teixeira

(12/07/1900, Caetité, Bahia; 11/03/1971, Rio de Janeiro) na contribuição do referido “título” em questão. A coletânea organizada por João Augusto de Lima Rocha (“ANÍSIO EM MOVIMENTO”, ”Senado Federal, Brasília, 2002), traz em suas 304 páginas diversos textos e pronunciamentos originais de Anísio Teixeira, além de outros valiosos depoimentos de grandes autores e educadores brasileiros sobre sua obra. Dentre estes, Darcy Ribeiro afirma, categoricamente, que Anísio foi “o educador mais brilhante do Brasil. Foi também o homem mais inteligente e cintilante que eu conheci. Conheci muita gente inteligente e cintilante, mas Anísio foi o mais. Conhecia educação com muita profundidade, e foi um homem que refez seu próprio pensamento várias vezes na vida” (RIBEIRO, Apud ROCHA, 2002: 66). Além de Darcy, Florestan Fernandes (um pouco mais contido, como era do seu comportamento), também presta as devidas reverências ao mestre educador: “Anísio Teixeira foi um dos homens mais ilustres da história do pensamento brasileiro. [...] Conheci Anísio no fim da década de 1950, e sempre tive um convívio com ele muito agradável e ao mesmo tempo muito estimulante. Era um homem generoso e compreensivo, um homem sempre pronto a dar, o protótipo do educador. O educador prevalecia em todas situações e chega a ser inacreditável que as mãos da ditadura militar tenham se erguido contra este homem ao qual todo nós devemos, e que ele tenha sofrido incompreensão, incerteza e amargura, em vez de receber honras, compensação e carinho” (FERNANDES, idem: 51).

humana, é que a democracia resolve o problema dessa dilacerante desigualdade. [...] Esta é a justiça social por excelência da democracia. A educação é, portanto, não somente a base da democracia, mas a própria justiça social. (Anísio Teixeira, “Autonomia para a Educação”, (1947) Apud ROCHA, 2002: 35)

Ao estabelecer a educação pública como o foco exclusivo dos problemas nacionais da época, Anísio Teixeira atraiu, além dos “liberais históricos” ligados ao campo progressista, uma parte dos educadores alinhados ao que Luíz Fiori assinala como projeto “nacional-popular” (FIORI, 2002: 2; apud FRIGOTTO, 2005: 225). A estes coube desenvolver, já em meados dos anos de 1950 (MOTTA, 1996), outras vertentes sobre a “idéia força” que sustentava os pressupostos originais de Anísio, dando-lhes assim, com o passar do tempo, um caráter mais militante e socialista.

Darcy Ribeiro, assumindo a herança intelectual de Anísio e os fortes laços de amizade que os ligaram por mais de três décadas, imprimia a esse ideário um aspecto antropológico de “afirmação cultural”. Em seu discurso inaugural no plenário do Senado, em 20 de março de 1991, o autor de “O Povo Brasileiro” e de tantas outras obras de relevo reportou-se ao início dos anos de 1960 para sintetizar, com sua maestria habitual, a construção de um pensamento que, gerado inicialmente nos berços mais lúcidos do campo pedagógico liberal, visualizava a expansão da educação pública como a “viga mestre” não só do desenvolvimento econômico do país, mas principalmente como afirmação da própria consciência e do caráter civilizatório nacional:

Invoco, agora, o nome preclaro do meu querido mestre Anísio Teixeira – a consciência mais lúcida que já conheci [...] Juntos, descentralizamos o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do Ministério da Educação, criando centros regionais de pesquisa e de experiência em vários estados. Nosso objetivo era convocar toda a intelectualidade brasileira – sobretudo a que se abriga nas universidades – a atuar responsavelmente no campo da educação popular. E generalizar a consciência de que um sistema educacional público eficaz e democrático é requisito essencial para que a nossa sociedade realize suas potencialidades dentro da civilização a que pertencemos (RIBEIRO, 2003: 41)

De forma semelhante, Florestan Fernandes, sociólogo de peso e homem de profundo rigor intelectual não arrogante, mas em prol das lutas dos trabalhadores, também partilhava, ao lado de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, a crença no potencial revolucionário da educação, especialmente nas sociedades periféricas latino-americanas da época. Reconhecendo as singularidades de uma sociedade cuja estrutura não foi produzida diretamente pelo capitalismo mercantil e comercial, mas sim das relações nascidas do pacto colonial31, Florestan nos recorda que a grande contribuição de Anísio foi ter traçado, de

31 Trata-se, como afirma o autor numa de suas obras mais proeminentes (“A Revolução Burguesa no Brasil”), da hipótese de que a sociedade brasileira não foi fundada pela ação direta do capitalismo mercantil, mas sim pelos efeitos dos seus “germes”, isto é, pelo modelo colonial trazido pelas naus e caravelas ibéricas. Com efeito, Florestan defende que o nosso sistema

“maneira rápida, mas suficientemente profunda, a trajetória dramática da educação

brasileira”:

Isso mostra uma tese que os sociólogos sempre defenderam: a da interação dialética que existe entre educação e mudança social. A educação não é só produto de mudanças, ela gera mudanças. Ela não é só produto da revolução social, ela gera a revolução social. E Anísio Teixeira sentia atração pela filosofia de Dewey provavelmente porque sabia que, no Brasil, era através da educação que nós deveríamos realizar nossa revolução nacional (FERNANDES, 2002: apud ROCHA:53).

Há, porém, um importante elemento que diferencia Florestan Fernandes (bem como Paulo Freire, na sua “segunda fase” de produção intelectual32) do ideário original de Anísio,

qual seja: a compreensão dos limites da educação popular na superação das contradições maiores da sociedade capitalista. Em “PNE; Limites e Desafios: Uma avaliação necessária”, ABICALIL (2007: 205) recorre, em várias passagens, a um dos mais importantes discursos de Florestan no período em que este foi deputado federal pelo PT de São Paulo (1987/94), publicado no Diário da Assembléia Nacional Constituinte, de 14 de agosto de 198733 . Nele, Florestan reivindicava que a nova Constituição garantisse, além da ampliação dos direitos sociais, “a igualdade efetiva das oportunidades educacionais, não como princípio para

„inglês ver‟, mas como norma imperativa e auto-aplicável”(p 271). Contudo, tendo a clareza

dos desafios ainda por enfrentar, ele também reconhecia que, uma vez alcançado, tal direito

[...] não visaria suprimir as desigualdades de classe, convertendo a educação democrática em equivalente político da revolução socialista. Ao contrário, ela teria por fim regular a reprodução da sociedade civil segundo requisitos que não excluiriam a massa pobre da população da cultura cívica, da cidadania e da participação política (idem, 271; apud ABICALIL, 2007: 205)

1.3 – Dos céus à terra: a esquerda educacional progressista nos de 1990.

O resultado de toda essa elaboração programática e intelectual constituiu-se num dos períodos mais notáveis de atuação política das esquerdas brasileiras, seja pela densidade das propostas debatidas, seja pelas mobilizações de base por elas proporcionadas (ARROYO, 2001: 17). Com a promulgação da nova Constituição, em outubro de 1988, a idéia de se “ampliar a cidadania” sob o impulso da educação transformou-se , de fato, na teoria central de construção política do campo democrática

econômico e social adquiriu formas próprias de subordinação à ordem internacional do capital, o que tornou sua gestão problemática até mesmo para a burguesia real ou supostamente autóctone: “Em uma linha objetiva de reflexão crítica, não há como fugir à constatação de que o capitalismo dependente é, por sua natureza e em geral, um „capitalismo difícil‟, o qual deixa poucas alternativas efetivas às burguesias que lhe servem, a um tempo, de parteira e amas-secas” (FERNANDES, 1991; 275)

32 Ver nota 35.

33 ABICALIL (2007) também informa que o discurso integral de Florestan Fernandes encontra-se em “Perfis Parlamentares”, nº49, Câmara dos Deputados, Brasília, 2004, 258-279

popular (MOCHCOVITCH, 1992). Foi por meio dela que os partidos de esquerda, notadamente as correntes não diretamente afiliadas à tradição leninista, conseguiram absorver parte do impacto da crise terminal do bloco socialista nos anos 90 e, em conseqüência, elaborar um programa alternativo de resistência social e mesmo de desenvolvimento econômico, o qual sobreviveu, inclusive, aos anos “mais duros” das privatizações de enfoque neoliberal (1995-2002).

Considerando a educação como campo social de disputa hegemônica, resultante da condensação de forças entre a sociedade civil e a política, partimos de um referencial analítico fundamentalmente gramsciano, adotando a concepção de Estado ampliado, na qual se efetiva a articulação entre a base material e superestrutura. Tal perspectiva é fundamental para a compreensão da análise das particularidades que o Estado capitalista assume, como indicativo complexo do modo de produção, objeto das variadas combinações particulares por ele conhecidas. (DOURADO, 2006, 26).

Gracindo (1994: 331), ao investigar as ações práticas/educativas dos partidos políticos no Congresso Nacional, entre os anos de 1990 a 1992, comenta a importância do aspecto pedagógico na orientação do programa e das reflexões teóricas dos “partidos de esquerda transformadores” da época:

Os transformadores, aparentemente tentando desvelar o desenvolvimento econômico brasileiro, pela ótica da teoria do desenvolvimento desigual e combinado, em que a percepção das diferenças lhe dá suporte, trazem para o ensino fundamental uma importância política marcante. Eles parecem dar uma grande ênfase à efetividade política do processo educativo, cujo objetivo é a formação de um tipo de cidadania que possa atuar nas transformações sociais desejadas: no aspecto econômico, uma mudança radical nos rumos capitalistas, com (quem sabe?) oportunidades para construção de uma nova sociedade socialista (não aquela decorrente da experiência do Leste europeu, mas, possivelmente, uma nova experiência concreta das idéias marxistas renovadas); no aspecto político, a efetivação de uma democracia de massas. Dentro dessa concepção, o ensino fundamental necessita enfocar primordialmente a formação de um tipo de cidadão que seja sujeito dessas transformações. Por isso, preconizam uma educação libertadora e auto-emancipadora em que o social parece ser uma meta, e o indivíduo, o objetivo (GRACINDO, 1994; 331).

Assim, embora a luta pelo acesso à educação pública tenha sido, como vimos, uma ação de longa data da intelectualidade progressista, o contexto político dos anos 80/90 deu- lhe sem dúvida nova feição34. Desta vez, além do discurso de caráter ético/pedagógico (como o faziam os liberais) ou complementar às reivindicações de desenvolvimento

34 Logo que regressou do exílio político, Paulo Freire, em palestra no “III Encontro Nacional dos Supervisores em Educação” (Goiânia, 20 a 25 de outubro de 1980), utilizou-se de sua própria obra para exemplificar a particularidade da década de 1980 em relação aos anos anteriores. Freire diz, taxativamente, que foi a partir daquela década em que ele assumiu, de forma definitiva, o caráter eminentemente político da educação: “[...] Em “Educação como prática da Liberdade”, eu não fiz inferência um minuto sequer a esta natureza política da educação. Não é o que se verifica nos livros posteriores a este, mas neste, na verdade, eu não me referi uma só vez. E é interessante, porque na verdade eu sabia que estava fazendo uma prática política, mas só que eu não assumia. Ao nível crítico, eu não assumi então uma prática que fosse eminentemente política. E como educadores nós somos artistas e políticos, mas nunca técnicos” (FREIRE, 1982: 97)

econômico (como o queriam - e ainda o querem - a maioria dos conservadores), a

“prioridade máxima à educação” constituiu-se na plataforma política sobre a qual os partidos

de esquerda lançaram-se às eleições municipais e estaduais. Ao denunciar a “exclusão do

conhecimento” como uma das formas mais perversas de manutenção da desigualdade

social, o enfoque sócio-educacional tornou-se, ao menos para o conjunto majoritário da esquerda progressista, no principal instrumento que diferencia uma “gestão social” (focada na qualidade de vida da população), de uma “administração conservadora” (calcada somente em obras ou num assistencialismo clientelista):

Há que romper o círculo vicioso por algum ponto. E o ponto básico é o dos investimentos. È necessário, pois, tomar a decisão histórica de definir a educação como prioridade e social e política número 1, passando a investir imediata e fortemente na construção e consolidação de um amplo sistema nacional de educação (SAVIANI, 2004: 4)

A consolidação do nosso processo democrático continuou alimentando as perspectivas deste discurso. Nem mesmo os anos mais agudos da “ofensiva neoliberal”35, desencadeada no Brasil e na América Latina por toda a década de 1990, retiraram-lhe a força ou a inserção social nos setores mais organizados das classes trabalhadoras. Afinal, foi exatamente neste período que a esquerda democrática continuou expandindo seu eleitorado nas sucessivas eleições municipais e estaduais brasileiras, agregando assim outros setores - bem como valores - na luta pela democratização do sistema público de ensino.

Frei Betto, um dos maiores expoentes da Teologia da Libertação e militante histórico das comunidades eclesiais de base da esquerda católica, atribui valor ainda maior ao foco pedagógico no desenvolvimento do projeto democrático popular no Brasil. Em artigo publicado logo após a posse presidencial de Lula, em fevereiro de 2003 (sob o título “Obrigado, Professor”), ele afirmava categoricamente que, graças às idéias de Paulo Freire, foi possível a vitória eleitoral - inédita, na perspectiva histórica mundial - de um metalúrgico de esquerda e sua elevação ao cargo máximo de direção do país:

Foram as suas idéias, professor, que permitiram a Lula, o metalúrgico, chegar ao governo. Isso nunca aconteceu antes no Brasil e, quiçá, do mundo, exceto pela via revolucionária. Falo da eleição a presidente da República de um homem que veio da miséria; enfrentou, como líder

35 Naturalmente, há variações de tempo dessa “ofensiva” de país para pais, se considerarmos como o término da hegemonia

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