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Com isso, conservava-se um dos princípios fundamentais da teoria organizacional de Lenin, qual seja: a concepção do

ESPAÇOS DINÂMICOS; ELITES CONSERVADORAS Contexto histórico, cultural, geográfico e político do tema

67 Com isso, conservava-se um dos princípios fundamentais da teoria organizacional de Lenin, qual seja: a concepção do

Partido Comunista como o “destacamento organizado da vanguarda da classe trabalhadora”, na qual o consciente conserva-se como “a negação da negação do espontâneo”:“Um destacamento de „vanguarda‟ que receia que o consciente prevaleça sobre o espontâneo, que receia propugnar um „plano‟ audacioso que obrigue à aceitação geral mesmo por aqueles que pensam de outro modo! Não será que confundem a palavra vaguarda com a palavra retaguarda?” (Lenine, 1977:97).

nacional de desenvolvimento voltado para a defesa da soberania do país e o progresso social”:

[..] Um novo ciclo de acumulação estratégica para o PCdoB O fortalecimento do PCdoB se coloca como condição primordial para tornar vitorioso esse curso político. Na fase de luta que se inaugura abrem-se novas potencialidades para o crescimento e estruturação para o PCdoB. O resultado eleitoral demonstrou elevação da consciência política do povo, propiciando ambiente muito mais favorável para isso. O PCdoB conquistou expressiva vitória com 9,3 milhões de votos para seus candidatos cumprindo no essencial os objetivos eleitorais traçados no 10º Congresso. Aumentou seu prestigio e presença na luta política e social. Vive uma experiência inédita nesses 81 anos de existência, participando do governo central, o que coroa todo um período de lutas que vem desde a ditadura, tendo atravessado 18 anos de legalidade. Encara as novas exigências como um impulso renovador para as suas tarefas, funções e feições, um grato desafio para militância. Abre-se, portanto, uma mudança de fase, nova etapa de acumulação de forças do Partido, que aponta para a renovação de linhas de trabalho e sua estruturação. Estão em jogo a velocidade e profundidade com que seremos capazes de responder à nova dinâmica política e social no país e de perseguir o reforço do instrumento estratégico para a luta transformadora, que é o Partido Comunista. Sabemos que o Partido atua em determinado ritmo e com as linhas anteriores. Para alterá-las, é preciso construir convicção nas fileiras partidárias e se fazem essenciais ações indutoras por parte das direções, que insiram na dinâmica do partido esses novos desafios (Resolução Política; 9ª Conferência Nacional, 1993, página 34) 68.

Nessa perspectiva, a conquista da prefeitura de Barra do Garças pelo PCdoB passou a se incorporar aos objetivos maiores da organização. Dada à dimensão da cidade como pólo de desenvolvimento no interior do Centro-Oeste brasileiro, a prefeitura em destaque tornou-se, ao lado de Olinda e Aracaju, a terceira prioridade da direção nacional do partido como espaço fomentador de estratégias políticas. Além disso, no âmbito interno de Mato Grosso, ela assumia repercussões ainda maiores na organização. Como pólo irradiador de nova visibilidade política e social, Barra do Garças pretendia configurar-se como o “espaço impulsionador” de um ousado plano de quadruplicar o número de filiados do partido no estado, ou seja, de 210 para 875:

[...] A meta ousada deve-se a uma conjuntura bastante favorável ao PCdoB mato-grossense, decorrente da eleição do comunista Zózimo Chaparral para prefeito de Barra do Garça (7ª maior cidade do estado)[...] Barra do Garças, com previsão de reunir 300 militantes de base, deverá reunir o maior número de militantes, Em seguida devem vir \Cuiabá (capital), com 200, Nova Xavantina (cidade próxima a Barra do Garças, que elegeu o

68 Embora a conversão democrática seja considerada uma postura inédita na trajetória específica do PCdoB, ela não o é para

o conjunto dos partidos comunistas que permaneceram alinhados a Moscou após o processo de “desestalinização” do Partido Comunista Soviético, em finais da década de 1950 (uma das razões da ruptura do PCdoB com o PCUS, em 1962). Na verdade, numa perspectiva histórica e política, o novo programa do PCdoB consistia mais num “retorno” às premissas daqueles partidos na segunda metade do século XX do que na “modernização” da concepção leninista de organização: “Desenvolvimento econômico democrático e democracia política terminam desse modo por coincidir num sistema de estudos, de debates, de decisões, de realizações e de controle. Trata-se de um novo sistema de vida política”. (Togliatti, Secretário Geral do Partido Comunista Italiano. Apud: HOBSBAWN, 1986, volume 12: 230)

vereador Jakson Silva), com 80 e Rondonópolis (importante cidade da região sul do estado) com 60 militantes reunidos na base. (“Diário

Vermelho”, de 15 de junho de 2005;

www.vermelho.org.br/diario/2005/0715/0715),

Assim, permeado de novidades e surpresas, os acontecimentos daquele ano pareciam “arejar” o cenário político mato-grossense, até então sem grandes novidades desde a segunda fase da redemocratização brasileira no início da década de 1990, quando um conjunto de forças “liberais-progressistas” desalojou, sob a liderança do então governador Dante de Oliveira, a hegemonia dos herdeiros do principal partido de sustentação da ditadura militar (1964-84), o PDS, (antiga ARENA), à época representada pelos três “Campos”: Roberto Campos, Julio Campos e Jaime Campos. Além disso, a região do Leste mato-grossense, sempre às voltas com o velho problema da falta de pavimentação completa de sua artéria principal, a BR-158, almejava superar a “eterna” sensação de “deslocamento e abandono” diante do progresso alcançado pelo restante do estado na década anterior, causa primeira de sustentação do “ideário separatista” que, volta e meia, reacende o antigo projeto de criação do “território federal do Araguaia” (e, posteriormente, estado do Araguaia). Em função deste isolamento, era por hábito - e ainda é - a população do Leste mato-grossense referi-se à sua própria região não como “Vale do Araguaia”, nome geográfico oficial que dá “status e “estética” ao território, mas sim como o estigmatizado “Vale dos Esquecidos”, alusão jocosa ao distanciamento político e econômico dos governos estaduais e federais ao longo da história. Com a emergência dos “novos ares”, agências oficiais passaram a discutir, notadamente a partir de 2007, outras denominações para determinar a geografia norte sul do Vale, substituindo os tradicionais “Baixo”, “Médio” e “Alto Araguaia” por “Araguaia-Roncador” e “Roncador-Xingu”69.

Como se percebe, as “mudanças de prumo” na cidade pólo do Leste mato-grossense continham inicialmente boas perspectivas de renovação na política regional. Por ser o maior município até então governado pelas “esquerdas orgânicas” mato-grossenses – e particularmente o primeiro a ser administrado pelo PCdoB no estado - a consolidação de um pólo democrático popular no Araguaia poderia desencadear, ainda que de forma pontual, outras mudanças de caráter social/distributivo em todo o território do Mato Grosso, uma vez que a região, além da tradição de luta progressista nos municípios de Canarana, Ribeirão Cascalheira, São Felix do Araguaia e adjacências, é considerada como a nova alternativa de ocupação e expansão do poderoso agronegócio, o qual centraliza as atividades econômicas do estado.

Por tudo isso, o cenário político que emergia das eleições em Barra do Garças significava, principalmente para a esquerda local, um feito inédito e especial. Voltemos,

portanto, algumas páginas no tempo, para que se possa compreender melhor o caráter potencialmente transformador dessas mudanças no curso histórico da região.

2.2 – “Oligarquias autóctones”:. a tradição coronelista em Barra do Garças.

[...] O método de investigação compreende três graus:

a) Minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis;

b) Análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material.

c) Investigação da coerência interna, isto é, a determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento.

Sem o pleno domínio de tal método de investigação, qualquer dialética não passa de especulação vazia. (KOSIK, 1963. p. 30)

Fundada oficialmente com a transferência da sede do município de Araguaiana para o já habitado e promissor povoado na foz do rio Garças, em setembro de 1949, a cidade de Barra do Garças mantinha, até as eleições municipais de 2004, a característica de núcleo “tradicional” na esfera política do estado. Ao contrário dos municípios criados pelas empresas colonizadoras da região sul do Brasil, principais responsáveis pela acelerada imigração no MT nas décadas de décadas de 1970 e 80, ela nasceu por iniciativa das rudes ocupações garimpeiras diamantíferas que povoaram o Leste mato-grossense no início do século XX. Isso, consequentemente, permitiu a criação de uma tradição política “autóctone”, marcada pela linhagem patrimonialista e com forte viés “oligárquico/familiar”. O controle desses grupos sobre a administração municipal vinha de longa data, e os momentos de “ruptura” em prol da renovação política tinham sidos, até então, curtos, breves e pontuais:

Nós temos em Barra do Garças uma tradição oligárquica muito forte. Nós já passamos por três oligarquias nesses 60 anos de história. E é muito difícil você mudar um perfil como este. Nós tivemos duas “rupturas” ao longo da história de Barra do Garças: uma em 1989; e a nossa, agora, em 2004. Nesse período, se você olhar a história, você vai perceber que o poder aqui sempre foi dividido e distribuído entre três famílias, que se mantiveram e dividiram o poder ao longo destes 60 anos (Professor Kiko”, Chefe de Gabinete da Prefeitura Popular. Entrevista, maio de 2008)

.

Na primeira entrevista a nós concedida, o prefeito Chaparral enfatizou o caráter de classe originário da oligarquia barra-garcense. Tratava-se, fundamentalmente, do poder político relacionado diretamente à posse de grandes extensões de terra e ao controle das áreas de garimpo. Portanto, estender tais “posses” à máquina burocrática da prefeitura significava, no mais puro estilo patrimonialista brasileiro, legitimar todas as demais posses no campo econômico, político e social do município:

Barra do Garças foi historicamente uma cidade pólo. Uma das características da cidade é que ela sempre foi representada por famílias, por oligarcas locais. E isso acabou por fazer com que a política local fosse muito fechada, restrita a poucos. Essa não era uma característica só de Barra, mas de todo o país, principalmente desta região central, seja por dificuldades de meios de comunicação, seja por falta de estradas. Isso

facilitou aquelas pessoas que tinham maiores posses, que eram detentoras de maiores propriedades rurais, de poder econômico, de garimpo, de comércio, pudessem controlar a política local. Tanto é que, se nós pegarmos as pessoas que administraram Barra do Garças, ou que ocupavam cargos importantes na administração pública e de comando local, eram as pessoas que detinham essas propriedades. (Prefeito

Chaparral. Entrevista em maio de 2008)

O perfil de classe descrito nas falas é de largo conhecimento da historiografia nacional, especialmente das áreas voltadas ao estudo da nossa tradição municipalista entre o final do império e a primeira metade do século XX. Denominado usualmente de “coronelismo”, LEAL (1997) o percebia, no seu clássico estudo sobre o fenômeno no final dos anos de 1940 (“Coronelismo, Enxada e Voto”), como produto inerente da relação entre os poderes privados locais e uma extensa base territorial de representação federativa elitista70. CARVALHO (1997: 229-249), por sua vez, procura distinguir a conceituação de “coronelismo” de outras práticas políticas a ele correlatas, tais como o “filhotismo”, o “clientelismo” e o patrimonialismo, este último tão bem personificado nos estudos precisos de Raymundo Faoro. Numa outra visão complementar, QUEIROZ (1976: 157) reivindica para o termo a definição específica de “oligarquia”, inserindo-o na tradição brasileira do “mandonismo local”, já de vasta extensão e variedade desde os tempos da colônia:

Integrante de uma elite controladora do poder econômico, político e social no país - integrante, portanto, de uma oligarquia para utilizar o termo apropriado, - tem sido o “coronel” definido principalmente pelas suas características políticas. [...] O coronelismo é, então, a forma assumida pelo mandonismo local a partir da proclamação da República, o qual teve várias formas desde a Colônia e, assim, se apresenta como o conceito mais amplo com relação aos tipos de poder político-econômico que historicamente marcaram o Brasil (QUEIROZ, 1976: 157).

Mas, embora o poder oligárquico tenha sido um fenômeno generalizado na história brasileira e latino-americana, as características deste domínio no Leste Araguaia assumiram formas bastante peculiares, como o demonstra o conjunto de resenhas antigas e modernas da produção acadêmica e literária mato-grossense. Nesta linha de estudos, duas seriam as marcas que distinguiriam o “mandonismo” desta região do restante do território nacional. Primeiro, o grau de autonomia que tais classes exerceram o poder ao longo do tempo; segundo, o grau de beligerância entre os chefes locais e o governo do estado sediado em Cuiabá.

70 “A rarefação do poder do poder público em nosso país contribui muito para preservar a ascendência dos “coronéis”, já que, por esse motivo, estão em condições de exercer, extra-oficialmente, grande número de funções do Estado em relação aos seus dependentes. Mas essa ausência do poder público, que tem como consequência necessária a efetiva atuação do poder privado, está agora muito reduzida com os novos meios de transporte e comunicação, que se vão se generalizando (LEAL, 1997: 62-63).

Durante as três primeiras décadas do século XX, a região Leste de Mato Grosso comportou-se como um verdadeiro “Estado dentro do Estado”, não só na esfera do território mato-grossense, mas também em relação à jurisdição do próprio governo federal (MACAULAY,1977). Os “Senhores” ou “Chefes Supremos do Leste”, como são denominados pela historiografia política regional, impunham a lei e a ordem além dos limites de suas propriedades rurais. Ungidos de autoridade local absoluta, expulsaram sucessivamente os coletores de impostos vindos a mando do governo central ou dos órgãos públicos de Cuiabá. Além disso, também derrotaram, por mais de uma vez, as “volantes” policiais e as milícias estaduais que ousavam combatê-los nas adjacências dos rios Garças e Araguaia;

O garimpo [nas duas primeiras décadas do século XX] cresce a olhos vistos, e acaba se transformando em um Estado independente, dentro do Mato Grosso. A evasão de impostos causa enormes prejuízos ao Estado. Tentando garantir a ordem na região e a cobrança de tributos, o Governador Pedro Celestino Correa da Costa nomeia, em 1925, Manuel Balbino de Carvalho para o cargo de Delegado Regional de Polícia de Santa Rita do Araguaia (VARJÃO, 1985: 86)

Totalizando cerca de 45 mil almas por todo o estado (sendo 35 mil concentrados na referida região), os garimpeiros do diamante povoavam aquelas “terras sem lei em troca de

favores dos chefes, pela aceitação ou temor, no interior de verdadeiros potentados locais

(SIQUEIRA, 1990: 178). Em “Coronéis e Bandidos em Mato Grosso”, BATISTA (1995:69-72) atribui a força dessa organização social à “ausência de povo” como sujeito ativo nas decisões políticas do período. Neste caso, o mando das oligarquias refletia “uma economia

extremamente setorizada em Mato Grosso, onde permeavam pólos econômicos independentes um dos outros”.

Estudos de abrangência histórica nacional também dedicam especial atenção às regiões do garimpo no leste mato-grossense. Na sua notável e clássica resenha sobre a “jornada heróica” da Coluna Prestes nos rincões do Brasil, entre os anos de 1924 e 26, MACAULAY (1977) recorda o poder do conhecido “Doutor José Morbeck”, o maior chefe regional do Leste71 naqueles tumultuados anos da década de 20. Emigrado das tradições garimpeiras do oeste baiano, de onde afluíram sucessivas levas de populações para a região do Garças/Araguaia (VARJÃO, 1985: 273), Morbeck instalou um “potentado” que, ligado ao contrabando de armas e diamantes, expandia sua influência além das fronteiras nacionais:

Na verdade um Estado dentro do Estado, o garimpo era servido por linhas de suprimento e de comunicação que chegavam da Europa para o comércio da região. A sociedade era “generosa” e móvel. A maioria de seus

71 Nas palavras de um narrador clássico da história mato grossense, Rubens de Mendonça, Morbeck era o “renitente

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