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Teses e pesquisas nas ou sobre as cidades do interior brasileiro, notadamente em áreas de forte presença de imigrantes e/ou populações de referencial étnico/cultural, costumam ser ”carregadas” de elementos de ordem afetiva e emocional, o que geralmente as obriga recorrer aos diversos enfoques da metodologia etnográfica no desenvolvimento das ações práticas do campo investigável (CHIZOTTI, 2006: 28-32, 67- 72 e 77-99). No caso de Barra do Garças, localidade formada essencialmente pelos dois elementos citados – mais de meio século de levas migratórias de todas as regiões do país e contando atualmente com uma população de cerca de 4000 indígenas nas áreas rurais do município - não poderíamos nos furtar à utilização de algumas destas estratégias na explicação de comportamentos socioculturais da cidade.

Sendo assim, devido à heterogeneidade dos grupos entrevistados, não foram poucos os momentos em que vimos a necessidade de adotar determinadas “posturas fenomenológicas” para solidificar a confiança entre nós e os sujeitos pesquisados. Mais do que “colher dados” ou registrar “testemunhos orais”, era preciso construir uma relação dialógica com a maioria dos envolvidos. Desse modo, no intuito de aflorar as percepções

subjetivas dos nossos entrevistados, as ações de campo consistiram no esforço de interlocução entre o olhar dos “atores, informantes e co-intérpretes das suas significações

em diálogo com o meu olhar interpretativo” (PASSOS, 2005:131), a fim de que pudéssemos

estabelecer um campo “semântico compartilhado”, isto é,

[...] no sentido que lhe empresta Geertz (1989 b) – como se estivesse “por sobre os ombros” de seus moradores e, dirigindo meu olhar na mesma direção, compor e urdir, intersubjetivamente, como co-autor, uma trama de significações através da qual possa comunicar com outras pessoas parte dos sentidos, que ali movem o cotidiano dos seus habitantes. (PASSOS, 2005: 133)

Conforme o esperado, tal postura exigiu o esforço de “abertura ao diferente e ao

diverso”, cobrando-nos assim, sistematicamente, um desprendimento sincero e efetivo

diante de opiniões tanto favoráveis como radicalmente contrárias aos nossos valores éticos/políticos. Tivemos que aprender, paulatinamente, os “códigos políticos” que configuram parte do tecido social pesquisado. Embora Barra do Garças não seja, na sua totalidade, uma cidade de aspirações e mentalidade provincianas (até porque este é um conceito bastante relativo na contemporaneidade urbana do interior brasileiro), há que se levar em conta as condições disponíveis e o contexto histórico de formação cultural do conjunto majoritário de sua população. Dada à relativa escassez de informação qualitativamente diferenciada nos municípios do interior mato-grossense, fruto da ausência de agendas públicas culturais de peso e do nível precário dos periódicos da imprensa local (bem como da programação rádio-televisiva), há grandes dificuldades de se construir um pólo de pensamento crítico/alternativo com influência de massa, mesmo numa cidade que, como Barra do Garças, conta com dois campus universitários (federal e particular) e uma classe média bastante expressiva na esfera econômica e social, inserindo-se aí a categoria dos professores estaduais e municipais. Como resultado, a todo o momento tivemos que nos “disciplinar‟ para não emitirmos opiniões antecipadas diante dos nossos entrevistados, as quais com certeza bloqueariam a “escuta sensível” e o compartilhamento necessário à metodologia proposta.

Por outro lado, a estratégica comentada também demandou por ações complementares na execução prática da pesquisa de campo. Em razão da quantidade de dados empíricos coletados na Secretarias Municipais de Educação, Fazenda e Administração, bem como o registro dos repasses do governo federal e de alguns índices econômicos de Barra do Garças e de Mato Grosso (fundamentais no estudo de uma administração municipal), tornou-se necessário recorrer à determinados métodos de análise de perfil mais tradicional. Dessa forma, após a leitura de publicações voltadas

especificamente à organização de teses e pesquisas16, primamos por algumas medidas que muito nos auxiliaram no ordenamento final dos trabalhos de campo, a saber:

A consciência de que as pesquisas qualitativas não possuem um potencial de esclarecimento por si mesmas (LEFEVRE e LEFEVRE, 2005, 26), mas que também dependem de uma escala quantitativa condizente com os objetivos propostos. Isso, naturalmente, nos levou a construir uma amostragem adequada às dimensões e às exigências do objeto da tese, razão pela qual estabelecemos como meta de pesquisa o universo de 50 entrevistados, sendo que destes 26 eram professores da rede pública municipal, num total de 245 do quadro efetivo do município, ou seja, mais de 10% dos docentes da rede em unidades escolares de perfil diferenciado. Tal quantitativo não foi escolhido de forma aleatória, mas somente após contínuas observações de campo realizadas ainda na fase anterior à defesa de qualificação. Assim, a escolha dos sujeitos participantes deu-se em função da relação direta de cada um deles com o objeto de estudo, quais sejam: educadores públicos municipais de carreira e dirigentes da esquerda local e estadual mato-grossense, estes últimos com larga experiência no movimento social.

O cuidado nos critérios de elaboração das perguntas aos entrevistados, de modo que estas, além da flexibilidade necessária para cada momento, fossem adequadas ao universo lingüístico dos participantes. Nesse sentido, coube-nos o esforço de estimulá- los a apontar, ao longo dos nossos questionamentos, tanto os “indicadoras de

causalidade” como as “experiências narrativas” (SZYMANSK, 2004: 30).

A atenção para que a linha de ação adotada não se fragmentasse diante de “modismos

e imediatismos” metodológicos que, por vezes, se espalham nos meios acadêmicos

(GATTI, 2002: 22 e 23). Estes, assentados em práticas condicionadas por um excessivo pragmatismo, fazem com que “os problemas sejam tratados, em geral, nos limites de um

recorte academicista discutível” (idem: 23)

O cuidado para que os dados, depoimentos e informações obtidos nas escolas e nos órgão da prefeitura não se reduzissem à “meros instrumentos passíveis de tabulação e

mensuração” (ANDRÉ, 1995:37), mas que desvelassem conceitos e concepções17 de

ordem política, social e cultural. Portanto, apesar de termos recorrido à construção de gráficos e tabelas na demonstração dos resultados das entrevistas com os professores – bem como na exposição dos dados referentes aos investimentos e despesas do

16 (ANDRÉ, 1995 e 2005); (COSTA, 2004); (GATTI, 2002); (GOMES, CARNIELLI; JESUS e LEAL. 2007); (LEFEVRE, 2005):

(MACEDO, 2006). (GUELFI, 2006): (SZYMANSKI, 2004); (VIANNA, 2004).

17 Utilizados, aqui, no sentido que lhes emprega GULF (2006: 57), ou seja :”[...] o conceito, em relação à sua natureza, é reconhecido como a essência das coisas e também como signo do objeto, mantendo uma relação de significado com ele. A concepção, por sua vez, representa o modo de proceder para capturar o próprio conceito”

mandato em estudo - esforçamo-nos sempre em relacionar cada recurso ilustrativo aos testemunhos orais obtidos nas entrevistas.

A paciência no trato das variáveis numéricas e estatísticas contidas nos documentos pesquisados, tendo claro que “amostras pequenas podem sinalizar tendências, mas nem

sempre suficientes para dar suporte a importantes decisões” (COSTA, 2004: 40). Esta

observação se mostrou fundamental no capítulo 6, quando nos propomos a examinar as contas públicas do mandato popular e compará-las ao último ano da gestão que a antecedeu. Como os dados não se encontravam, a nosso ver, de forma suficientemente ordenada pelos documentos do Tribunal de Contas do estado de Mato Grosso, centralizamos nossas análises nos investimentos mais importantes da Secretaria municipal de Educação, tais como despesas com salários, materiais de consumo, obras e reformas em unidades escolares e repasses setorizados dos recursos federais.

Por fim, a coerência necessária para que evitássemos recorrer excessivamente ao “auxílio de dados quantitativos secundários”, bem como às formulações teóricas que tratam as questões pedagógicas na perspectiva da “produção educacional”, isto é, como se aquelas configurassem a extensão exclusiva das “atividades econômicas” (GOMES; CARNIELLI; JESUS; LEAL. 2007: 34 e 35)

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