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Recordemos, no conjunto das ditaduras golpista-militares que governaram quase todos os países do continente ao longo

O DISCURSO EDUCACIONAL DEMOCRÁTICO POPULAR: atualizando problemas e conceitos.

CAPITULO 1 O discurso educacional progressista como suporte ideológico de prática política e transformação social: elementos históricos e atuais para

19 Recordemos, no conjunto das ditaduras golpista-militares que governaram quase todos os países do continente ao longo

dos anos de 1960 a 80, a situação diferenciada do Chile. Nele, o período mais brutal da repressão - iniciada com o violento golpe que derrubou o presidente constitucional, o socialista Salvador Allende, em Setembro de 1973 - deu-se entre os anos de 1979 a 1982, estendendo-se ainda por toda aquela década (BANDEIRA, 2008). Com efeito, a redemocratização chilena só evoluiria de fato na década seguinte, com a vitória eleitoral, no início dos anos de 1990, da “Concertação” (“Concertación”), coalizão de centro-esquerda formada majoritariamente por socialistas, democrata-cristãos e agrupamentos do antigo Partido Comunista Chileno.

20 É importante ressaltar que, mesmo nos anos mais repressivos do regime militar, entre 1969 a 76, a educação popular não

perdeu a notável influência que exercera sobre o campo pedagógico nacional antes do referido golpe. FÁVERO (2006: 112- 127) registra essa continuidade no seu detalhado estudo sobre as ações do MEB na década de 1960, bem como Vanilda Paiva na polêmica análise que fez sobre a primeira fase da obra de Freire (1958-65). A autora, ainda que partindo de uma postura bastante crítica às bases do pensamento freireano, reconhece que, “à medida que a repressão crescia e com ela aumentavam as dificuldades de utilização do método, avolumava-se a crença nos seus “poderes subversivos” (PAIVA, 2000:18). Porém, inclinando-se mais à observação negativa do fato, ela argumenta que, em função da “impossibilidade do confronto com os problemas colocados pelo o seu uso e pela própria imagem da pedagogia de Freire criada pelo regime”, esta mistificação acabou por transformar o seu método em “panacéia para os problemas pedagógicos enfrentados por quaisquer programas de educação popular” (idem: 18/19).

passado21, ganharam espaço nas instâncias de base dos movimentos sociais que afloravam por todo o país naqueles anos de entusiasmo e abertura política.

Como era de se esperar, o impacto dessas mudanças repercutiu de imediato no debate pedagógico nacional. De início, reacendeu-se, sob novas bases, a tradicional disputa entre “conservadores” e “progressistas” nos conhecidos “campos de batalha” das políticas públicas educacionais: grau de investimento público; fontes e responsabilidade de financiamento; estrutura curricular; metodologias de ensino; prática de gestão escolar e legislação educacional. Paulatinamente, os modelos “tecnicistas” de educação – as “jóias da coroa” no campo pedagógico do regime militar autoritário - foram cedendo lugar às propostas educacionais de caráter mais comunitário e democrático.

Porém, foi no interior das próprias esquerdas, particularmente na esfera acadêmica, que os defensores da “educação transformadora” travaram um combate crucial. Opositores de primeira linha às teorias “reprodutivistas” da educação, em especial à perspectiva althusseriana dos “Aparelhos Ideológicos de Estado22, eles se esforçaram em implementar uma nova agenda na qual a defesa da educação pública se tornaria a mediação principal, ou seja, o “elo de ligação” entre a “conscientização popular” e a promoção da “plena

cidadania”. Substituía-se, dessa maneira, o ideário clássico da “ruptura revolucionária” pela

a estratégia de inserção gradual do povo na “construção de uma sociedade mais justa”,

21 Referimo-nos, como veremos ao longo do texto, às ações e aos movimentos educacionais empreendidos no Brasil entre os

anos de 1930 a 1964, com destaque a três momentos centrais, quais sejam: a) os debates pela criação da “Escola Nova”, no primeiro quinquênio dos anos 30; b) as lutas progressistas dos anos 50 em torno da elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada 1961; c) as mobilizações alcançadas pelos programas nacionais de alfabetização, sob coordenação de Paulo Freire e Darcy Ribeiro, nos anos de 1962 a 64, (FRIGOTTO, 2005: 224-234; MOTTA 1996,PAIVA, 2000;31-102 e 2005; 174-186; ROCHA, 2002).

22 Neste embate ver a didática, porém substancial, crítica de SAVIANI (2007:15-29) às três principais vertentes que sustentam

a teoria crítica-reprodutivista no campo da ciência social: 1ª) a teoria da “Violência Simbólica”, de Bourdieu/ Passeron (1975); 2ª) a teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) de Louis Althusser (1976); e 3ª) a “teoria da Escola Dualista”, de C. Baudelot e R. Estabelet (1971). Baseando-se em Snyders (1977: 287 e 338-344), Saviani argumenta que, se aceitássemos a forma pela qual essas teorias apresentam a “produçâo ideológica” do capital, a perspectiva política da luta de classes tornar- se-ia: a) “impossibilitada” na primeira (SAVIANI, 2007: 21); b) “diluída e inglória” na segunda (idem:24); c) “inútil” na terceira (Idem: 28 e 29). De forma semelhante, GRACINDO (2004) critica a “postura imobilizadora” das teorias educacionais reprodutivistas e, após afirmar a influência direta das concepções de educação no delineamento de um dado Projeto Político Pedagógico, defende que a escola pode vir a exercer a “possibilidade de um importante papel mediador na busca da emancipação da sociedade. Se esta for a opção esposada pela escola, o PPP será o espaço privilegiado para conceber e estabelecer estratégias para tal” (idem:167). Contudo, tais apontamentos não retiram, inclusive por parte dos autores citados, o reconhecimento do “caráter crítico das teorias reprodutivistas”, dado que, ao contrário das linhas pedagógicas que as antecederam (tradicional, nova e tecnicista), elas denunciavam as relações de dominação de classe nos sistemas oficiais de ensino (SAVIANI (2008: 91). Assim, concluem os autores, faltava às teorias reprodutivistas um programa político/pedagógico que as permitissem superar, no sentido de “emancipação das massas”, o contexto de opressão por elas mesmas denunciado (idem,: 91 e 92) .

sem, contudo, renegar outras possibilidades revolucionárias e a luta de classes como referencial dos projetos educacionais transformadores:

Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepção oposta, o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade. Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades e as limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e todo profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as possibilidades de ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista (GADOTTI, apud FREIRE, 1979: 10)

A instalação da Assembléia Nacional Constituinte, convocada após as eleições de 198623, logo se revelaria um excelente palco para as disputas institucionais dessa nova agenda em ascensão. Seus defensores, apesar de minoritários como força parlamentar e submetidos à intensa pressão dos partidos tradicionais da época24, conseguiram direcionar os debates para a aprovação de dispositivos constitucionais que, embora distantes da idealização de um sistema de ensino nacional e unificado - no sentido pleno da expressão atual - contribuíram efetivamente para a universalização do acesso à educação básica, alcançada na década seguinte. ABICALIL25 (2007:207), reportando-se a Florestan Fernandes (do qual foi assessor à época da Constituinte), expressa a habilidade da esquerda democrática na reversão da hegemonia do centro-liberal que apoiava o regime transitório da “Nova República”. Àquela época foi preciso, além da “obstinação militante”, buscar nas referências do próprio adversário os argumentos que sustentassem o debate da educação pública não apenas no seu aspecto formal, mas que também o remetesse, de forma irreversível, às raias mais elevadas da política nacional:

A correlação de forças políticas consubstanciadas no famoso Centrão, de cunho liberal progressista e amplas vinculações com as elites dirigentes até então, exigiu a vigilância militante, indispensável às oposições em qualquer governo. As tensões à direita se aglutinavam neste dito eixo de centro,

23 Relembrando que foram eleições “parciais”, ou seja, para governadores de estado, deputados estaduais, federais e senadores. Portanto, não havia ainda eleição direta para presidente, a qual seria aprovada e regulamentada pela nova Constituição.

24 Embora o país estivesse vivenciando uma grande experiência democrática na época da ANC, o controle político do Estado

brasileiro ainda se encontrava em mãos conservadoras. Nesse sentido, Florestan Fernandes retrata com precisão as causas da permanência deste controle, mesmo num processo de retirada dos governos militares: “o problema político da convocação de uma ANC numa situação histórica em que se sai de uma ditadura é um problema político grave. As forças da ordem ocupam as posições de comando. Se o movimento das “diretas já” tivesse tido êxito, teria sido possível alijar o maior número de elementos do antigo regime do sistema de poder” (FERNANDES, 1985, apud CALHEIROS, 2004: 123)

25 Atualmente, Carlos Augusto Abicalil é deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Mato Grosso, no exercício

do seu segundo mandato parlamentar (2007/2010). Em função da posição de destaque que ocupa na liderança das esquerdas no estado, especialmente na área educacional – sendo esta, no Congresso, com influência em nível nacional - foi um dos principais sujeitos da entrevista desta tese, bem como na consulta bibliográfica aos seus pronunciamentos, entrevistas à imprensa, artigos e publicações acadêmicas.

fortalecido pela coalizão do Governo Sarney. À esquerda, como condição necessária de influência e de resistência naquela correlação de forças, coube o rigor no argumento e a sabedoria na negociação. Dimensionando cada passo, buscando na referência liberal do outro lado as brechas para consolidação de uma plataforma orgânica para a educação pública como política nacional (ABICALIL, 2007:205),

1.2 – Antecedentes históricos da educação transformadora: dos ideários éticos

liberais à transformação social da esquerda democrática

.

Obviamente, não se pode resumir os avanços sociais obtidos na Constituinte à “habilidade tática”, ou à “sensibilização discursiva”, das forças progressistas nos embates em plenário. Como já é de largo conhecimento na história da educação brasileira, a força deste discurso26 não brotou unicamente das lutas democráticas dos anos de 1980. Semeado por toda uma geração de educadores que se notabilizou, antes da “popularização” de Paulo Freire, pela primazia do pedagógico ao econômico nas grandes polêmicas nacionais, o ideário de “transformação social pela educação” já germinava em nosso solo há mais de meio século.

Veja-se, por exemplo, o apelo discursivo e emocional da “prioridade máxima à educação” na visão humanista de Cecília Meireles, escritora de renome na literatura nacional e importante ativista na defesa da “escola nova” nos anos de 1930. Dois anos após a vitória das forças revolucionárias liberais que destituíram a “República Velha”, a autora sugeria aos novos governantes para que voltassem seus olhos e atitudes prioritariamente às questões educacionais, não apenas como obrigação legal e moral do Estado, mas sim como estratégia de solução dos desafios enfrentados pelo próprio governo revolucionário:

A Revolução já não tem muito direito de errar, pelo menos por inexperiência. As duras provas por que tem passado dão-lhe, forçosamente, uma capacidade de autocrítica suficiente para lhe assegurar uma certeza de ação. E, se o Brasil é, acima de tudo, um país que está sofrendo da falta de homens perfeitamente adequados às várias necessidades nacionais, e se a Revolução compreender – como é obrigatório que o faça – que só educação é capaz de resolver esse problema, de que tantos outros dependem, o Ministério que a Revolução criou deve merecer um cuidado especial (MEIRELES, 1932:126) 27

Porém, a despeito da ausência dos conflitos de classes na compreensão dos problemas educativos do seu tempo, Cecília Meireles ressalta, numa outra crônica de 19 de julho de 1932, a profunda sensibilidade social contida no “Manifesto dos Pioneiros”, a qual acabou por transformá-lo num instrumento eficaz de denúncia social e, por conseqüência,

26 Entendido aqui no sentido pleno da palavra, ou seja, na compreensão de que [...] “é o discurso que dá concretude à

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