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BASES BIOLÓGICAS DAS EMOÇÕES E DOS ESQUEMAS MENTAIS

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 30-32)

Segundo Young (2003), os EIDs são estruturas estáveis e duradouras da personalidade do sujeito, que se desenvolvem precocemente e se encontram associadas a diversas psicopatologias. Essas crenças ou cognições se formam na infância ou adolescência e desencadeiam reações emocionais e corporais, relacionadas a elementos biológicos (Behary, 2011). Muitos esquemas surgem na etapa pré-verbal da criança, quando apenas memórias emocionais e sensações corporais são armazenadas. Mais tarde, quando a criança começa a falar, é que surgem as cognições e o desenvolvimento do pensamento (Young et al., 2008).

Apesar de já estar claro que há envolvimento dos sistemas autonômico, endócrino e motor durante a ativação emocional, as evidências sobre neurobiologia dos EIDs ainda são insipientes. Com base no avanço da neurociência, estudos recentes lançam suposições a respeito dos possíveis mecanismos de desenvolvimento e formação desses padrões desadaptativos emocionais e cognitivos. A pesquisa pioneira sobre natureza e origem das emoções foi realizada pelo neurocientista Joseph LeDoux (1996), publicada em seu livro The Emotional Brain (O cérebro emocional). A partir dos achados de LeDoux, Young e colaboradores (2008) apontaram a existência de um sistema emocional não consciente, propondo hipóteses sobre os mecanismos neurais relacionados à biologia dos EIDs.

De acordo com LeDoux, emoção e cognição são compreendidas como funções mentais distintas, mediadas por sistemas cerebrais interativos. Atualmente, tem-se falado em “sistemas das emoções” para confrontar a antiga ideia de um sistema emocional único. Esses mecanismos parecem ter suas próprias redes cerebrais, que interagem entre si de forma complexa e não hierárquica (Cosenza, 1990).

As emoções fazem parte desse intrincado circuito neuropsicológico que permitiu a sobrevivência e procriação dos nossos ancestrais (Young et al., 2008). As diversas situações ambientais, como, por exemplo, a busca por alimento, o enfrentamento do perigo ou a formação familiar, exigiram que estruturas especializadas desenvolvessem sensações distintas, como medo, prazer, raiva e alegria. Em outras palavras, esses diferentes estados emocionais existem por razões específicas (Ekman,

1994), ou seja, o indivíduo apresenta capacidade de atribuir valências diferentes aos eventos do meio (Albuquerque & Silva, 2009).

Segundo Daniel Siegel (2012), em seu livro O poder da visão mental, as emoções são estados sentimentais repletos de significados gerados pela verificação do ambiente. Daniel aponta o questionamento “isto é bom ou ruim?” como o principal foco de avaliação do sistema emocional, que faz o indivíduo se aproximar do “bom” e se afastar do “ruim”, desenvolvendo, assim, mecanismos adaptativos que ajudam o organismo a lidar com distintas situações ambientais.

Com base em estudos a respeito de memórias traumáticas da infância, Young aprofunda a revisão dos achados de LeDoux sobre a rede cerebral associada ao condicionamento do medo e trauma. Para ele, esse é o principal foco para a TE. Existem dois sistemas relacionados ao processamento da informação de aprendizagem e medo, os quais operam em paralelo: o sistema consciente, mediado por hipocampo e áreas corticais, e o sistema inconsciente, mediado pela amígdala (Young et al., 2008). Esses dois sistemas estocam diferentes tipos de informações relacionados às experiências humanas. Quando o indivíduo entra em contato com estímulos presentes no trauma original, cada sistema é capaz de recuperar suas memórias, cognitiva e emocional, por meio de lembranças e mudanças corporais associadas ao evento. Para o grupo de Young, a diferença nos locais de armazenamento das memórias consciente e inconsciente explica por que os EIDs não são modificáveis por métodos cognitivos simples.

A amígdala faz parte do sistema límbico e é responsável, principalmente, pela formação e pelo armazenamento da memória emocional (Mega, Cummings, Salloway, & Malloy, 1997; Siegel, 1999). Esse complexo amigdaloide, ou sistema amigdaliano (aglomerado de núcleos subcorticais situados no lobo temporal) (Broglio et al., 2005), atua na interação entre os diversos processos mentais, como mediação das emoções, avaliação do resultado e processamento da experiência social (Siegel, 1999). A amígdala também participa do reconhecimento das expressões faciais de medo e do processamento de estímulos, emitindo respostas apropriadas a situações de ameaça ou perigo (De Gelder, Snyder, Greve, Gerard, & Hadjikhani, 2004; Höistad & Barbas, 2008; Phan, Wager, Taylor, & Liberzon, 2002). Sabe-se que lesões nessa estrutura podem prejudicar a capacidade de reconhecer o medo e de modular as emoções. Em contraste, a estimulação da amígdala pode aumentar o estado de atenção e vigilância, gerando medo e ansiedade (Bear, Connors, & Paradiso, 2002).

Segundo LeDoux (2003), o cérebro emocional apresenta projeções neuronais em todas as outras regiões cerebrais, influenciando cada fase do processamento cognitivo, desde o reconhecimento da sensação de medo até a tomada de decisão. Em contrapartida, nem todos os processos cognitivos apresentam projeções para centros emocionais. Com base nessas descobertas, LeDoux (2003) concluiu que as emoções influenciam a interpretação consciente da percepção ambiental.

No entanto, a amígdala pode enviesar o aparelho perceptual, gerando interpretações erradas referentes a estímulos ambientais. Assim, qualquer situação que se assemelhe à original pode ativar o sistema emocional (Siegel, 1999). Dattilio (2009, p. 310) cita o seguinte exemplo:

[...] um cônjuge que tenha sido criado num ambiente familiar com um pai abusador se torna um alvo de abuso físico ou psicológico pelo parceiro. Ele ou ela pode, naturalmente, tornar-se altamente sensibilizado, fisiologicamente, através da amígdala. Consequentemente, qualquer conflito que ocorra em situações familiares, e que se assemelhe ao abuso anterior experienciado quando criança, seria automaticamente ativado pela amígdala.

Assim, acontece a recuperação das memórias conscientes e inconscientes, com o surgimento das lembranças referentes ao episódio e de disparos fisiológicos induzidos pela amígdala.

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A detecção, a geração e a manutenção das emoções ocorrem de forma inconsciente, ou seja, sem a presença de cognições. A resposta emocional de medo é mais rápida do que o surgimento das cognições referentes à ameaça. O sinal de perigo atinge a amígdala antes de atingir o córtex. Quando este reconhece o sinal, a outra já está respondendo à ameaça. Todo esse processamento emocional acontece de forma muito veloz, em milissegundos, sem a participação de sistemas de processamento superior do cérebro (aqueles relacionados a raciocínio, pensamento e consciência) (LeDoux, 2003).

As memórias inconscientes relacionadas ao medo parecem ser permanentes, ficando gravadas na amígdala durante toda a vida. Essas informações ficam latentes a maior parte do tempo, podendo ser ativadas a qualquer momento. As áreas límbicas evocam memórias emocionais, mas não são capazes de inibi-las (Young et al., 2008). Em situações de estresse, medos e outras emoções que parecem estar extintos podem ser recuperados. Por sua vez, as memórias conscientes relacionadas ao trauma ficam estocadas no córtex, no sistema hipocampal.

O sistema límbico apresenta função regulatória neuroendócrina por meio do circuito hipotálamo- hipófise-suprarrenal (HHA), que sofre variações de acordo com estímulos internos e externos, visando à manutenção da homeostase. O hipotálamo participa da regulação hormonal de diversos órgãos, como glândulas tireoide e suprarrenal e órgãos sexuais. A literatura científica descreve dois sistemas de resposta orgânica ao estresse: o neurovegetativo, que libera adrenalina através da medula da glândula suprarrenal, e o neuroendócrino, que se caracteriza pela liberação de glicocorticoides, produzidos pelo córtex da suprarrenal. Quando surge a reação de estresse, a glândula suprarrenal, com o objetivo de manter a homeostase, secreta maior quantidade de cortisol, que coloca o corpo em estado de alerta para enfrentar o perigo. No entanto, se o estresse for prolongado ou permanente, esse hormônio passa a ter efeito tóxico para o organismo (McEwen, 2002). Portanto, a identificação dos fatores de estresse precoce é fundamental para prevenção e tratamento das consequências desse estado orgânico-psicológico.

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 30-32)