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Lidar com o evitamento e a compensação do esquema

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 146-148)

Se grande parte da resistência à mudança pode ser atribuída aos processos cognitivos de manutenção dos esquemas (distorções sistemáticas no processamento de informação que garantem a manutenção da crença nuclear como válida), outros estilos de coping com os esquemas têm sido descritos como relevantes na manutenção da patologia da personalidade. Como referimos anteriormente, os indivíduos antissociais recorrem com frequência ao evitamento e/ou à compensação do esquema, motivo pelo qual esses mecanismos devem ser trabalhados na psicoterapia, permitindo ao paciente aceder de modo gradual aos temas negativos da visão de si e dos outros (EMPs), que devem, posteriormente, ser alvo da mudança terapêutica.

Sobre a compensação de esquema, sabemos que se trata de um estilo de coping visando proteger o sujeito das cognições e do afeto negativo associados ao esquema primário. A compensação traduz- se pelo envolvimento em comportamentos opostos aos esperados a partir do esquema primário e pode, em alguns indivíduos, conduzir à formação de um esquema compensatório (cognições, atitudes e tendências para a ação opostas às derivadas do primário que está a ser compensado). Os indivíduos antissociais apresentam-se frequentemente como superiores aos outros, sem medo, corajosos e fortes, manifestando atitudes e comportamentos que apontam para a existência de um esquema de grandiosidade. No entanto, a partir das suas histórias desenvolvimentais, tal esquema parece ser mais bem explicado como resultado de um coping disfuncional com crenças nucleares de defeito/vergonha, fracasso e indesejabilidade. Os sentimentos de não valor e inferioridade, as experiências de fracasso nas aprendizagens escolares e o tratamento diferencial por parte da instituição aos alunos mais desfavorecidos, bem como experiências de rejeição por pares pró-sociais durante a infância e adolescência, permitem compreender a origem dos EMPs primários típicos do autoconceito desses indivíduos. O desenvolvimento de um esquema compensatório de grandiosidade surge, portanto, como uma tentativa parcialmente bem-sucedida para evitar a ativação de um ou mais dos EMPs primários. Ao sentir-se superior aos outros, o indivíduo consegue manter sentimentos de mais-valia e evitar o autocriticismo e a autodepreciação em geral associados aos EMPs de defeito/vergonha, fracasso e indesejabilidade social. É comum os agressores referirem que, pelo exercício da coação sobre os demais, alcançam o respeito destes, ignorando que lhes obedecem pelo

medo da retaliação, e não tanto pela admiração que sentem por eles (embora, em um grupo de pares com comportamento desviante, o mais forte ou que comete as agressões mais severas possa ser alvo de admiração por isso). Esse mecanismo compensatório constitui um dos motivos pelos quais os indivíduos antissociais resistem à mudança de um estilo de comportamento agressivo e dominante. É o comportamento agressivo que assegura uma posição de dominância sobre os demais. Desistir de estratégias agressivas equivale a correr o risco de depreciação, de ser dominado por outros mais fortes ou mais capazes e a resignar-se a uma posição inferior no ranking da comparação social.

Embora o comportamento agressivo deva ser social, moral e legalmente condenado, na terapia deve ser conceitualizado como uma forma de proteger o sujeito de sentimentos de humilhação, rebaixamento e inferioridade. De certo modo, fornece-lhe estatuto social nos seus grupos de pertença e, no caso de indivíduos que cresceram em ambientes hostis, constituiu também uma estratégia de sobrevivência. Em outras palavras, tal como o perfeccionismo ou uma ênfase excessiva no sucesso acadêmico ou na popularidade e riqueza podem camuflar sentimentos de defeito e rejeição, o comportamento antissocial pode cumprir essa mesma função de forma bastante eficaz. Um foco importante da intervenção consiste em fornecer essa conceitualização de caso ao paciente, mostrando que podemos lidar com os nossos sentimentos de defeito e de inferioridade de outras formas que não só causam menos problemas com os outros, como deixam de constituir crimes ou atos inaceitáveis aos olhos da sociedade – e que ele, se assim quiser, tem capacidade de optar por uma dessas alternativas.

Ao desmontar os mecanismos de compensação, o terapeuta vai defrontar-se com outra dificuldade no processo terapêutico: os processos de evitamento. Tal como é assumido pelo modelo conceitual (Rafaeli et al., 2011), para lidar com o afeto disruptivo que é evocado sempre que um EMP é ativado, os indivíduos desenvolvem estratégias de coping que podem consistir no evitamento cognitivo, emocional e/ou comportamental. Os sujeitos antissociais evitam (voluntária e/ou involuntariamente) pensar em temas relacionados com os seus EMPs, esquivando-se, assim, de experimentar emoções disruptivas como a tristeza ou a raiva autodirigida. Não raras vezes, compreender as origens precoces dos EMPs do paciente constitui um desafio para o terapeuta, e tal tarefa consome mais tempo nas sessões do que é habitual com outros pacientes. Devido aos níveis de sofrimento associados à experiência traumática precoce, o profissional deve ser muito cauteloso quanto ao uso de técnicas de imagerie para aceder a memórias precoces relacionadas com o abuso, o abandono, a privação emocional, a humilhação, o fracasso escolar ou a rejeição social. Uma boa estratégia consiste em mostrar primeiro que ninguém lida bem com essas memórias, começando pelo próprio terapeuta. Dar exemplos pessoais pode ser uma estratégia terapêutica, pois traduz as dificuldades e sofrimento comuns a todos os humanos. Outra estratégia consiste em fazer uma confrontação gradual do evitamento cognitivo, escolhendo a escrita de cartas, fazendo a história de vida (de acontecimentos negativos e positivos ao longo dos anos) ou optando por qualquer outra estratégia para combater o evitamento do esquema, antes de recorrer à imagerie propriamente dita.

Além do evitamento cognitivo, alguns indivíduos antissociais apresentam evitamento emocional (recordam as situações e permitem sua abordagem na terapia, sem, no entanto, manifestar estados emocionais congruentes e podendo até mostrar alguma frieza emocional quando confrontados com memórias traumáticas). Para ultrapassar esse tipo de evitamento, as estratégias experienciais e o recurso à imagerie são recomendáveis, mas pode ser igualmente importante trabalhar os esquemas emocionais do paciente (crenças sobre as emoções e sobre o papel e função destas). Da nossa

experiência, explicitar ao indivíduo a natureza e a função adaptativa de reações emocionais de medo, raiva, vergonha ou tristeza pode abrir caminho para experimentá-las de forma mais adequada e proporcional, bem como para uma maior tolerância nos momentos em que qualquer uma dessas emoções é experimentada (dentro e fora da terapia). Existe alguma concordância na literatura para o fato de os indivíduos antissociais apresentarem um leque restrito de experiência emocional: as emoções que sentem não só são poucas como são experimentadas de forma intensa e, muitas vezes, desproporcionada. Assim, trabalhar a diversidade da experiência emocional do sujeito e ajudá-lo a tolerar e compreender a emergência de diferentes emoções pode ser um foco importante no trabalho terapêutico.

Por fim, ultrapassados os evitamentos cognitivo e emocional (pelo menos parcialmente), pode ser importante incentivar o sujeito a quebrar com evitamentos comportamentais de diversa ordem (p. ex., evitamento de situações de intimidade, evitamento de situações de desempenho ou da persistência em uma tarefa acadêmica ou profissional mesmo quando as coisas não vão bem). Tais estratégias, habitualmente de natureza mais comportamental, devem ser precedidas do trabalho ao nível do evitamento cognitivo e emocional, dotando o paciente de competências de regulação emocional quando enfrenta situações e contextos que anteriormente evitava.

Resumindo, propomos que a terapia focada nos esquemas para indiví​duos antissociais preste particular atenção aos processos esquemáticos, bem como à resistência que deles resulta, quer quando se trata de conseguir a adesão de um paciente ao processo terapêutico, quer quando se trata de implementar a mudança nos seus padrões de vida e de comportamento. Só depois de alcançada uma boa aliança terapêutica e de conseguida uma mudança considerável na compensação e no evitamento de esquema o terapeuta pode focar a terapia no combate direto aos EMPs do paciente. Para isso, há que identificar a origem desses EMPs na história desenvolvimental da pessoa e utilizar as estratégias cognitivas, emocionais e comportamentais típicas da TE para reduzir a proeminência desses mesmos esquemas e a sua influência na atribuição de significado nas diversas situações da vida do sujeito. A maioria dos EMPs foi gerada no contexto de relacionamentos significativos nas primeiras fases do desenvolvimento. É também – e maioritariamente – pela relação que eles podem ser desafiados e modificados.

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 146-148)