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REPARENTALIZAÇÃO LIMITADA

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 60-63)

E CONFRONTAÇÃO EMPÁTICA

Rossana Andriola

A terapia do esquema (TE) é uma abordagem em que o profissional precisa se dispor emocionalmente ao paciente durante o processo de psicoterapia, não apenas porque expõe as fragilidades mais íntimas do indivíduo, mas porque a própria relação terapêutica torna-se o agente da mudança.

Como essa abordagem foi desenvolvida inicialmente para promover intervenções em pacientes difíceis e resistentes (leia-se transtornos da personalidade e transtornos refratários), um termo central de seu método é a relação terapêutica, visto que é no campo dos relacionamentos que os maiores prejuízos na vida desses indivíduos são observados (Kellogg & Young, 2006).

Em decorrência disso, é importante um manejo especial em termos relacionais, pois, uma vez que as dificuldades se encontram no campo interpes​soal, é esperado que tais déficits sejam reproduzidos no relacionamento terapeuta-paciente. Os modos desadaptativos dos pacientes serão ativados ao longo da relação terapêutica, e estes irão reproduzir inúmeras vezes as interações disfuncionais que estabeleceram por meio de seus esquemas iniciais desadaptativos (EIDs), sendo essa a oportunidade para repará-los (Weertman, 2012).

É exatamente nesse momento que o terapeuta precisa estar preparado, tanto do ponto de vista cognitivo como emocional, para identificar tais dificuldades e proporcionar uma relação reparadora dentro dos limites apropriados, que possa servir de modelo generalizador para as relações extras- sessões. Nesse ensejo, as técnicas de reparentalização limitada e confrontação empática são importantes veículos transformadores; ambas exigem uma capacidade diferenciada do profissional, pois, ao mesmo tempo que visam a mudanças, não invalidam os sentimentos atuais do paciente.

Essas técnicas são essenciais ao terapeuta do esquema e precisam estar em consonância com suas características pessoais para que possam ser realizadas com primazia. Isso significa que, embora haja direcionamentos para conduzi-las, esses instrumentos exigem que o profissional aplique ele mesmo dentro da sessão, sendo também denominadas como um estilo terapêutico (Leahy, 2008; Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Logo, tanto na reparentalização limitada quanto na confrontação empática, o terapeuta deve estar apto a vivenciar emoções intensas dentro das sessões (sejam elas negativas, sejam elas positivas) e usá-las a favor da terapia.

A repaternalização limitada (RL) nasce como uma ferramenta e/ou estilo tera​pêutico com o objetivo de enfraquecer os esquemas iniciais desadaptativos (EIDs) desenvolvidos a partir das vinculações disfuncionais com figuras pa​ternas, nas quais as necessidades emocionais básicas da criança não foram satisfeitas. ​A RL é uma chave para reparar relacionamentos, e o maior veículo dessa mudança é a relação terapêutica (Edwards & Arntz, 2012; Kellogg & Young, 2006).

Essa técnica tem suas origens na teoria da experiência emocional corretiva, de Alexander e French (1965), e na teoria do apego, de Bowlby (1969, 1990). Além disso, obteve uma importante contribuição dos estudos sobre apego realizados pela psicóloga do desenvolvimento Mary Ainsworth entre as décadas de 1960 e 1970 (Ainsworth & Bowlby, 1991; Alexander & French, 1965).

A experiência emocional corretiva prevê a possibilidade de o paciente reviver eventos traumáticos reprimidos do passado com o terapeuta, com o intuito de corrigir essa relação primitiva e obter uma nova experiência emocional. Para Alexander, tal experiência faz o indivíduo reviver as relações primitivas em um ambiente de maior aceitação e entendimento propiciado em sessão, suscitando não apenas uma compreensão intelectual como também uma ressignificação emocional. Essa nova experiência seria corretiva para lidar com a experiência do passado (Alexander & French, 1965).

Já a teoria do apego enfatiza os efeitos dos vínculos nos primeiros anos de vida da criança, estabelecendo a importância da relação entre pelo menos um cuidador primário e o recém-nascido para que este possa se desenvolver social e emocionalmente. Com os estudos de Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978), o conceito de base segura foi introduzido; este se refere a um padrão de relacionamento entre cuidador e bebê consistente com as necessidades da criança, no qual se estabelece um vínculo seguro. Esse conceito surgiu a partir da observação da interação mãe-bebê, resultando na identificação de dois estilos de apego, o seguro e o inseguro. Crianças que tinham cuidadores que lhes proporcionavam uma base segura demonstravam facilidade na exploração do ambiente, já as que não obtinham essa base revelavam dificuldade em interagir e explorar o ambiente. Mediante essas constatações, foram categorizados quatro tipos de apego: seguro, inseguro evitativo, inseguro ambivalente e desorganizado, os quais são apropriadamente descritos no Capítulo 3 (Ainsworth & Bowlby, 1991; Ainsworth et al., 1978; Dalbem & Dell’Aglio, 2005).

A partir da integração dessas teorias, Jeffrey Young postulou o papel do terapeuta na RL, sendo este uma “base segura” para o paciente, estabelecendo um envolvimento consistente, no qual se busca reparar as experiências disfuncionais do passado (Young et al., 2008). Para tanto, faz uso de premissas da teoria do apego, procurando explicar as dificuldades de apego do indivíduo devido às interações primárias desadaptativas, ao mesmo tempo que objetiva proporcionar uma experiência reparadora, que se assemelha à experiência emocional corretiva de Alexander. A diferença é que, na terapia do esquema, essa expe​riência é vivenciada no aqui-agora, sendo a relação terapêutica o principal instrumento para a reparação (Weertman, 2012).

Nesse sentido, a RL propicia uma relação transformadora, na qual o terapeuta se aproxima emocionalmente do paciente e estabelece um vínculo saudável ao satisfazer as necessidades não atendidas, ao mesmo tempo que respeita os limites profissionais dessa relação. A intenção não é que o paciente regrida a um momento criança, e sim que ele possa, por meio do encontro entre um “pai adequado” e seu modo criança, desenvolver um adulto saudável. Logo, o terapeuta não entra explicitamente no papel de mãe ou pai, mas no de um modelo significativo que possa instaurar um

lado saudável naquele indivíduo. Para isso, deve se estabelecer uma conexão genuína com o paciente, por meio do reconhecimento de suas qualidades e da valorização do sujeito de forma verdadeira (Farrell, Reiss, & Shaw, 2014).

Na prática, a RL só é possível quando o vínculo inicial já foi instituído mediante a concepção de um setting terapêutico seguro, empático e validador. Em seguida, é necessário passar por um processo avaliativo, no qual serão identificadas as carências do paciente, ou seja, os EIDs ou modos que ele apresenta. Para essa avaliação, além das estratégias estimadas pelos questionários (assunto explicado no Capítulo 6), a própria relação terapêutica pode servir como indicador, demonstrando as ausências a se preencher e o padrão do paciente.

Ao se instaurar um processo de avaliação, deve se levar em conta não somente os modos apresentados pelo paciente, mas também os esquemas do próprio terapeuta. Nessa interação, é possível que alguns esquemas “colidam” ou até mesmo que haja uma “superidentificação”, podendo ser ativado um modo parental disfuncional no terapeuta (Nadort, van Genderen, & Behary, 2012).

EXEMPLO CLÍNICO

Kátia, 35 anos, apresenta um esquema de abandono e procura a terapeuta Paula, que está com seus padrões inflexíveis acionados. Ao longo do processo terapêutico, a paciente tem repetidas faltas, utilizando uma estratégia hipercompensatória, na qual elicia uma desistência da terapeuta. Na sessão, a profissional, com os referidos padrões ativados, pode impor a condição de um determinado número de faltas para que continue atendendo Kátia. Em seguida, a paciente provoca o abandono, tendo ultrapassado o limite imposto por Paula. Nesse caso, a terapeuta não conseguiu reparar as necessidades de Kátia, tanto porque não identificou a estratégia mantenedora de seus esquemas quanto porque seus próprios padrões inflexíveis interferiram no processo. O que se espera na reparentalização é que se conheça a real necessidade em um dado comportamento e que se possa saná-la, sem que os esquemas do terapeuta influenciem o resultado. Isso não quer dizer que Paula não poderia atender Kátia, apenas que a profissional deverá ter um cuidado maior com seus padrões inflexíveis, não deixando que eles influenciem no processo terapêutico.

Nesse exemplo, uma maneira assertiva de a terapeuta agir seria ligar para Kátia, preocupando-se com suas faltas e pedindo-lhe que retornasse – ou, ainda, psicoeducar a paciente sobre sua estratégia confirmatória do abandono e assegurar-lhe de que não a abandonaria devido a suas faltas, explicitando que, “aos poucos, esperava que ela pudesse confiar nisso”.

Para aplicar a RL, deve-se estar muito atento às necessidades do paciente e compreender o que cada comportamento significa, pois um mesmo comportamento pode exigir necessidades diferentes que podem ou não ativar esquemas do terapeuta. Por exemplo, imagine o caso clínico de Rafaela (22 anos), que apresentava esquema de autodisciplina insuficiente, faltando frequentemente às sessões e, quando comparecia, chegando atrasada. O comportamento é o mesmo apresentado no exemplo anterior, porém a necessidade dessa paciente é diferente: ela precisa de um limite afetivo, de modo que o terapeuta não pode ser tão permissivo com as faltas de Rafaela quanto seria com as de Kátia.

Na relação terapêutica, sempre haverá botões acionados tanto no profissional como no paciente. A diferença é que o terapeuta tem o dever de estar ciente e atento, usando a contratransferência a favor de uma melhora reparadora. Consequentemente, assumir a posição de terapeuta do esquema pode ser um trabalho árduo, visto que se deve “ler” os sentimentos do paciente e envolver-se deliberadamente com sua dor, ao mesmo tempo que é preciso evitar que os próprios esquemas interfiram. Assim, a contratransferência deve ser utilizada de forma a auxiliar o tratamento; ela é o exemplo explícito de como os outros se sentem com o paciente fora da terapia, o espelho daquilo que

ocorre no mundo real, não podendo o profissional repetir a resposta que o mundo dá ao seu paciente. Em decorrência disso, a relação torna-se um instrumento primordial para reconhecer os esquemas e modos do paciente, sendo preciso distinguir os esquemas do terapeuta para que estes não causem alguma ingerência ao processo (Leahy, 2008; Vyskocilova & Prasko, 2013).

A RL revela-se extremamente valorosa quando os esquemas ou modos estão ativados. Na ativação, há um maior nível de emoções envolvidas na sessão, proporcionando um insight afetivo. Para que seja possível conectar-se com essas emoções, pode-se fazer também o uso de imagens, por meio das técnicas vivenciais (Farrell & Shaw, 2012).

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 60-63)