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Início do processo e abordagem motivacional

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 144-146)

No tratamento de indivíduos antissociais, o terapeuta deve estar ciente de que lidará inicialmente com níveis acentuados de resistência à mudança. A maioria desses sujeitos foi forçada por alguém (cônjuge, por exemplo) ou obrigada pelas autoridades a participar da terapia (p. ex., no âmbito de uma injunção judicial que obriga a frequentar tratamento). O estabelecimento de uma aliança terapêutica, tão necessária às intervenções em pacientes com patologia da personalidade, torna-se, nesses casos, um objetivo mais difícil de alcançar, e o terapeuta deve colocar nisso todos os seus esforços. Deve também estar ciente de que o contexto da psicoterapia, porque envolve proximidade relacional, exploração do eu do doente e contato com experiência traumática precoce, é ameaçador para esses indivíduos, sendo normal que evitem a sessão, que se refugiem em conversas pouco relevantes, que evitem falar de si mesmos ou que ataquem o terapeuta, procurando provocar rupturas na aliança terapêutica desde o início. Assim, o profissional deve estar atento às dificuldades que o contexto terapêutico coloca a esses pacientes e procurar acolhê-los em uma atitude franca e direta, mostrando-se empático, compreensivo ante a dificuldade do doente em aceitar esse tipo de intervenção. Deve mostrar total abertura e disponibilidade para compreender os pontos de vista do indivíduo sobre os seus problemas, o seu comportamento e as consequências dele (familiares, legais ou outras).

O comportamento agressivo e antissocial, mesmo que, da nossa perspectiva, constitua um padrão de comportamento mal-adaptativo e disfuncional, tem, como outros tipos de patologia, vantagens para o doente (evita que se sinta depreciado, garante status e poder sobre os outros, por vezes

constitui um estilo de vida altamente lucrativo). O terapeuta deve esforçar-se por reconhecer e identificar tais vantagens com o paciente, mostrando que é capaz de compreender que em qualquer conduta ou comportamento existem sempre vantagens e desvantagens para a pessoa. Ao fazê-lo, procurará colocar-se no lugar do sujeito, em uma atitude não moralista nem ajuizadora, uma vez que qualquer juízo ou comentário crítico ou moral pode ser percebido como um ataque ou rejeição, conduzindo a um aumento da resistência do doente. Tratando-se de um trabalho focado nas crenças acerca do eu e dos outros, a terapia dos indivíduos antissociais incide sobre a própria estrutura do eu. É, portanto, razoável que nos defrontemos com elevada resistência à mudança, uma vez que se trata de mudar a própria identidade do sujeito.

Embora as estratégias motivacionais não costumem fazer parte dos manuais de terapia do esquema (TE), a nossa experiência no tratamento de indivíduos antissociais (menores e adultos) tem permitido constatar que o recurso às estratégias motivacionais é precioso com esses pacientes. Tais estratégias são recomendadas para todos os casos em que exista negação do problema e sempre que o doente não reconhece nem sua existência, nem a necessidade de mudar. Ao lançar mão dessas estratégias, o terapeuta procura potenciar a adesão ao processo terapêutico e criar uma aliança terapêutica na qual o paciente se sinta aceito incondicionalmente. Ainda que, mais adiante na terapia, possa assumir uma postura de confrontação empática, tanto os esquemas de desconfiança/abuso e de defeito/vergonha como o coping habitual dos indivíduos agressores com situações ameaçadoras (p. ex., atacar o outro) levam-nos a recomendar a abordagem motivacional como a estratégia mais adequada para engajar esses pacientes no processo de mudança.

Das várias estratégias utilizadas no contexto das intervenções motivacionais (para mais detalhes, consultar Miller & Rollnick, 2002), a reflexão simples, a reflexão ampliada e a ênfase na liberdade de escolha do sujeito são habitualmente as mais úteis nas primeiras fases. Na reflexão simples, o terapeuta limita-se a resumir para o paciente aquilo que este comunicou (“Deixe-me ver se eu entendi bem o que você estava tentando me dizer...”). Com esse recurso, o profissional evita o questionamento sistemático ao doente (que pode ser mal interpretado em indivíduos agressivos e com tendência para a desconfiança) e permite que este escute, com mais calma, aquilo que comunicou anteriormente, dando oportunidade de complementar informação já fornecida. Ajuda a manter a conversa e informa que o terapeuta se esforça por estar atento e compreender genuinamente o paciente. Na reflexão ampliada, o profissional devolve ao indivíduo a informação que já foi fornecida, mas amplia as partes que o sujeito minimiza ou nega, procurando diminuir sua resistência (“Deixe-me ver se entendi. Se percebi bem o que me estava a dizer, parece que você, mesmo que não tivesse agredido a sua companheira, naquele momento sentiu-se tão atacado que não havia nada, absolutamente nada, que pudesse ter feito a não ser agredi-la. Entendi bem?”). No uso da reflexão ampliada, o terapeuta deve ter cuidado para não utilizar um tom de voz sarcástico ou irônico que possa ser interpretado como gozo, incredulidade ou rebaixamento. A ideia é confrontar o paciente com os seus absolutismos, a fim de que assuma uma posição de menor resistência (“Bem… eu não fui capaz de fazer outra coisa a não ser agredi-la… mas talvez houvesse uma alternativa para resolver o problema”). Enfatizar a liberdade de escolha do sujeito constitui um dos pilares do estilo terapêutico da entrevista motivacional e é uma técnica muito útil. Com o objetivo de diminuir a resistência à mudança, o terapeuta deve, sempre que achar oportuno, salientar que ninguém obriga o sujeito a mudar se ele não estiver disposto a isso. Em outras palavras, cada um é dono da sua própria vida e tem o direito de decidir, escolher e fazer aquilo que acredita ser o melhor para si. Sempre que

o terapeuta fizer uma sugestão de mudança (seja em formas de interpretar a realidade, mudanças a operar, seja em comportamentos alternativos) e verificar que o paciente resiste, por exemplo, desqualificando a sugestão ou contra-argumentando, uma boa forma de aplicar a referida estratégia consiste em dizer: “Não é minha intenção impor-lhe nada, apenas quero ajudá-lo a pensar naquilo que possa ser melhor para você… seja o que for que decida fazer, deve escolher aquela que considera ser a melhor opção!”. Essa abordagem dá total liberdade ao sujeito para pensar livremente sobre alternativas de resposta ou de reação e é capaz de diminuir sua resistência quanto a considerar alternativas mais saudáveis de comportamento, deixando também a responsabilidade da escolha nas mãos do paciente.

Existem outras estratégias motivacionais igualmente úteis em uma intervenção com indivíduos antissociais, mas que não podem, por questões de espaço, ser detalhadas aqui. O manual de Miller e Rollnick (2002) constitui uma boa fonte para conhecer detalhadamente as técnicas da entrevista motivacional.

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 144-146)