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Reparentalização limitada com técnicas vivenciais

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 63-65)

A estratégia imagística na RL acompanha os mesmos passos do trabalho com imagem mental comumente propagados pela terapia do esquema, com o diferencial de que o terapeuta pede licença para “incluir-se” no processo vivencial e desempenha um papel reparador. A presença de modos esquemáticos pode acarretar uma grande dificuldade de desenvolver o adulto saudável, sendo que o profissional deve desempenhar esse papel. Portanto, o terapeuta tenta acessar os modos por meio das imagens e entra como defensor daquela criança vulnerável, atendendo suas necessidades. Essa estratégia funciona de maneira excelente, particularmente com os esquemas de primeiro domínio, desconexão e rejeição (Edwards & Arntz, 2012; McGinn & Young, 2012).

Para esse trabalho com imagens, a princípio se reproduz todo o manejo que ordinariamente é conduzido às imagens mentais, pedindo para que sejam detalhados tanto o ambiente da vivência quanto quem está presente (esse processo é mais bem explicado no Capítulo 6). Logo, o terapeuta busca acessar o modo criança vulnerável (em que as dores e necessidades podem ser acessadas) e, em seguida, pede cordialmente para entrar na cena. Ele pode perguntar “Posso entrar nessa cena?” ou “Você me coloca nessa imagem?” (Arntz & Weertman, 1999).

Só após obter a permissão é que se inicia um diálogo com esse modo criança. É importante salientar que, enquanto não houver permissão, o terapeuta não deve se sobrepor à cena, sob pena de estar reproduzindo o comportamento dos cuidadores disfuncionais, o que poderia ser lamentavelmente desastroso e perpetuar os esquemas.

Com essa fase de permissão completada, o profissional inicia um diálogo com a criança e pede que ela explicite a sua necessidade, perguntando, por exemplo, “O que a faria se sentir melhor?” ou “O que gostaria que fizesse/dissesse?”. Um ponto a ser observado é que esse diálogo deve ocorrer no presente do indicativo, para que facilite a experimentação da cena no aqui-agora e proporcione uma vivência daquele momento de uma forma corretiva. Deve-se estar muito atento à linguagem – não só ao tempo verbal, mas também a outros detalhes, tais como o nome que o paciente dá a si mesmo na infância, seja no diminutivo, seja em forma de apelido; nesse caso, deve-se reproduzi-lo, com o intuito de tornar a vivência mais real e obter maior valência emocional.

Obviamente, a próxima etapa será atender ao pedido da criança, procurando manter-se na imagem e acolhendo sua vulnerabilidade. Nesse modo infantil, o paciente pode não saber explicitar o que o faria sentir-se bem ou ajudaria, e, nesse caso, pode-se fazer sugestões para aquele momento de acordo com as necessidades previamente sabidas. Além disso, a cena pode contar com a presença de um dos cuidadores, sendo que o terapeuta estará presente especialmente para proteger e defender a criança, impetrando um diálogo com o cuidador (Arntz, 2011).

EXEMPLO CLÍNICO REPARENTALIZAÇÃO COM IMAGENS

Eduarda, 26 anos, mora com o pai, Rui. Ambos têm uma relação muito conturbada por conta da rigidez do cuidador.

Terapeuta: Busque essa imagem que você referiu agora, de quando era criança e seu pai disse que você havia mentido... Paciente: Lembrar do que aconteceu?

Terapeuta: É... gostaria que você fechasse os olhos e entrasse nessa cena... Paciente: Tá.

Terapeuta: O que você está vendo? Paciente: Estou vendo meu pai...

Terapeuta: Fale um pouco sobre onde você está e o que está acontecendo... descreva essa cena.

Paciente: Estou sentada, olhando qual roupa vou colocar, e só enxergo as prateleiras mais baixas do meu roupeiro, eu sou muito pequena. Terapeuta: E o que está acontecendo?

Paciente: Meu pai está na porta do quarto. Eu olho para ele... ele é muito grande... está brabo. Terapeuta: E como você está se sentindo?

Paciente: Estou com muito medo, eu sei que ele vai me xingar, mas não sei por quê. Essa é a cara dele antes de eu apanhar. Terapeuta: Você está com medo... e o que você faz?

Paciente: Eu não sei, eu fico parada, esperando. Meu pai começa a dizer que eu não cumpri com a nossa combinação... “Dudinha! Você não acordou sozinha, sua mãe teve que vir te acordar...”

Terapeuta: Como você se sente ouvindo isso?

Paciente: Eu tenho vontade de chorar... me sobe um medo. Terapeuta: Você gostaria de mudar algo nessa cena?

Paciente: Eu não sei... [chora] Acho que eu queria que meu pai acreditasse em mim e não me batesse. Terapeuta: Você consegue falar isso para ele?

Paciente: Não, eu tenho muito medo dele, ele não vai me ouvir, nunca me ouve... [silêncio]. Eu não consigo dizer nada... Terapeuta: Você gostaria que eu fizesse isso por você?

Paciente: Ele não vai ouvir você também.

Terapeuta: Mas eu quero fazer isso. Quero protegê-la, defendê-la, você merece isso. Você poderia me colocar nessa cena? Paciente: Vai ser meio estranho, mas vou tentar.

Terapeuta: Certo, agradeço por confiar em mim.

Paciente: Você está atrás de mim, olhando para o meu pai. Terapeuta: E o que você quer que eu faça?

Paciente: Eu quero que me defenda... eu não menti, cumpri o que nós combinamos. Não quero que ele me bata de novo. Terapeuta: Posso ficar entre você e seu pai?

Paciente: Pode.

Terapeuta: Rui, a Dudinha está lhe dizendo a verdade e merece que você confie nela. Eu vou protegê-la, não vou deixar que bata nela. Ela não está mentindo, cumpriu o que você pediu e merece que você reconheça isso.

Vou ficar com você até seu pai sair da cena.

Nesse exemplo, o terapeuta entra na cena como o adulto saudável, reparentalizando a necessidade de Eduarda de ser protegida e validada, pois a paciente, sozinha, não conseguia enfrentar a situação de modo saudável. Quando os modos estão ativados, pode ser difícil para o indivíduo sair da posição desadaptativa de criança, ficando preso a ela. Portanto, a princípio, o profissional assume o papel de adulto saudável para, posteriormente, o paciente internalizá-lo e

reproduzi-lo. Em uma fase intermediária, o terapeuta pode servir como coach, auxiliando a criança a ser um adulto saudável. O objetivo final é que o próprio paciente desempenhe esse papel em imagens futuras (Edwards & Arntz, 2012; Farrell & Shaw, 2012).

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 63-65)