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COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL: UMA LEITURA BASEADA NOS ESQUEMAS E NOS PROCESSOS ESQUEMÁTICOS

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 142-144)

Os modelos mais promissores que fornecem uma visão compreensiva (explicitando origens e fatores de manutenção) do comportamento antissocial são, sem dúvida, os cognitivos. De fato, muito da investigação sobre programas de reabilitação creditados e em uso regular em diversos países atesta a eficácia de programas de natureza cognitivo-comportamental na redução da reincidência criminal. Estudos de metanálise têm sucessivamente demonstrado que tais programas são capazes de provocar uma redução de 10 a 53% nas taxas de reincidência criminal (para uma revisão, consultar McGuire, 2013). Apesar do consenso em torno desses dados, uma linha de pensamento mais recente tem levado teóricos e investigadores a questionarem-se sobre quais as variáveis selecionadas como alvo da intervenção e de que forma a mudança nessas mesmas variáveis se associa a alterações no comportamento e, consequentemente, à redução da reincidência criminal.

Quando revemos as abordagens cognitivas que visam explicar a origem e a manutenção do comportamento antissocial, verificamos que existe uma concordância considerável quanto ao papel que as distorções cognitivas desempenham na manutenção desse padrão comportamental. Diversos autores (p. ex., Dodge & Schwartz, 1997; Walters, 1990) têm-se debruçado sobre os estilos de pensamento criminal, evidenciando que erros de pensamento (p. ex., minimização, negação, atribuição de intenção hostil a terceiros) estão fortemente ligados à manutenção do comportamento agressivo e antissocial. Os programas de intervenção influenciados por esses contributos contemplam pelo menos um módulo em que são trabalhadas as distorções cognitivas, procurando que os participantes aprendam a identificá-las, a reconhecer quando estão presentes no seu estilo de processamento de informação social e a combatê-las, procurando conceitualizar a rea​lidade com base em um estilo mais racional e adequado de processamento de informação. No entanto, segundo o modelo cognitivo das perturbações mentais, as distorções operam a serviço de estruturas mais tácitas de processamento de informação – crenças ou esquemas cognitivos –, e esse foco de intervenção está habitualmente ausente desses mesmos programas ou modelos.

Esquemas mal-adaptativos precoces (EMPs) (Rafaeli, Bernstein, & Young, 2011; Young, 1990; Young, Klosko, & Weishaar, 2003) são estruturas tácitas, com uma origem precoce, que surgem pela repetição sistemática de experiências nocivas para o sujeito, sobretudo durante a infância. Essas vivências nocivas resultam na má resolução de tarefas desenvolvimentais, em que as necessidades emocionais do indivíduo não são satisfeitas, gerando vulnerabilidades em alguns domínios fundamentais para um desenvolvimento saudável. A repetição das experiências nocivas contribui para a estabilidade e importância que os EMPs assumem na autorrepresentação do indivíduo e na forma como este se vê na relação com os outros, sendo progressivamente elaborados ao longo da vida. Constituem-se como padrões cognitivos e emocionais autolesivos, que incluem emoções, cognições, memórias e sensações corporais, bem como orientam o processamento de informação, sendo ativados por situações do cotidiano que sejam relevantes para o seu conteúdo. Um determinado EMP é tanto mais saliente quanto maior o número de situações em que é ativado e quanto mais intenso e duradouro for o afeto negativo que o indivíduo experimenta durante sua ativação.

No que diz respeito aos indivíduos que manifestam comportamento antissocial, a sua história de vida tende a ser caracterizada pela ausência de experiências de proteção e pela presença, em elevada quantidade, de experiências de maus-tratos, exclusão, negligência e abuso. A análise desses fatores de risco bastante identificados na literatura (Capaldi, DeGarmo, Patterson, & Forgatch, 2002; Connor, 2002; Dishion & Patterson, 2006; Moffitt & Caspi, 2000) facilmente se coaduna com o contexto necessário à emergência de determinados EMPs, que, uma vez formados, podem constituir vulnerabilidades para o comportamento antissocial. Alguns estudos (Capinha, 2009; Pinto, 2010; Rijo, 2009) mostraram que sujeitos com comportamento antissocial e perturbações sintomáticas e da personalidade, bem como experiências de vida semelhantes às que estão na origem de determinados EMPs, tendem a pontuar mais no endosso desses mesmos esquemas quando comparados a outros sujeitos, que, não tendo tais experiências em sua história de vida, endossam os esquemas a elas associados de forma menos saliente.

Um número considerável de estudos (p. ex., Ball & Cecero, 2001; Calvete, 2008; Petrocelli, Glaser, Calhoun, & Campbell, 2001) tem demonstrado a associação entre esquemas específicos e comportamento antissocial, e os resultados têm mostrado associação positiva entre os esquemas de abandono, privação emocional, desconfiança/abuso, indesejabilidade social, grandiosidade, autocontrole insuficiente e comportamento agressivo e antissocial. Embora os resultados desse tipo de estudo não sejam totalmente concordantes, Rijo e colaboradores (2007) sugerem que os EMPs associados ao comportamento agressivo e antissocial seriam os relacionados com os domínios de distanciamento e rejeição (abandono, privação emocional e desconfiança/abuso), indesejabilidade e valor (defeito/vergonha, fracasso e indesejabilidade social) e limites mal definidos (grandiosidade e autocontrole/autodisciplina insuficientes). Esses dados apontam para a necessidade de selecionar os EMPs como alvos para a intervenção na reabilitação de indivíduos agressivos e antissociais.

Além do conteúdo de determinado EMP (crença ou proposição), importa também avaliar e intervir sobre os processos esquemáticos (de manutenção, evitamento e/ou compensação) por meio dos quais essas mesmas crenças operam e se mantêm ao longo do tempo. Em indivíduos com comportamento antissocial, os processos esquemáticos parecem ter um papel fulcral na manutenção dos estilos comportamentais e relacionais exibidos. De fato, se considerarmos que comportamentos frequentemente observados nos agressores coincidem com os que são postulados por Young e

colaboradores (2003) como decorrentes de processos esquemáticos, faz sentido conceitualizar o comportamento antissocial como resultante não só dos EMPs supracitados, mas também da operação de processos esquemáticos específicos associados a eles.

O recurso a determinado processo esquemático em detrimento de outro depende de múltiplas variáveis, entre as quais parecem ter maior influência o temperamento e o modelamento (Young, 1990; Young et al., 2003). Assim, a adesão precoce a grupos de pares desviantes e a exposição a violência na família e/ou comunidade (fatores de risco para o comportamento antissocial amplamente identificados na literatura) podem ser fatores que contribuem para o recurso a determinado processo esquemático e não a outro. Em outras palavras, o padrão de comportamento agressivo e antissocial que é externalizado resultaria não apenas de um conjunto de esquemas nucleares típicos do autoconceito desses indivíduos, mas também do recurso a determinados estilos de coping com esses mesmos esquemas que são muitas vezes aprendidos no seu meio social de origem e que, não raramente, são adaptativos e aceitos nesse mesmo meio. Note-se, ainda, que um mesmo sujeito pode lidar com diferentes EMPs por meio de diferentes processos; por exemplo, pode compensar os seus pensamentos de defeito e inferioridade com um discurso grandioso e, em outros casos, simplesmente evitar contextos e situações em que seu esquema de defeito seria ativado. Os processos esquemáticos geram respostas mal-adaptativas, que, por sua vez, geram níveis elevados de afeto disruptivo, tornando a modificação do padrão de comportamento antissocial difícil e resistente às técnicas cognitivas tradicionais.

No documento WAINER Terapia Cognitiva Focada em Esquemas (páginas 142-144)