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Breve histórico da política de irrigação no Brasil

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A FRUTICULTURA NO BRASIL E NO CHILE – TRAJETÓRIAS DIFERENTES

08.13 Frutas secas, exceto as das posições 08.01 a 08.06; misturas de frutas secas ou de frutas de casca rija do presente Capítulo.

3.1.2 O desenvolvimento da fruticultura no Brasil

3.1.2.1 Breve histórico da política de irrigação no Brasil

Acima de tudo, a história da produção de frutas irrigadas do semi-árido é resultado da consolidação dos conhecimentos sobre as práticas de irrigação, adquiridas por três décadas de investimentos públicos e privados nos projetos de irrigação no Nordeste. Dessa forma, a irrigação agrícola na região não é uma atividade nova. O que tem de novo é a forma que ela assumiu com a implantação de importantes projetos públicos de irrigação, sob a administração da CODEVASF. Configurou-se assim, um padrão “moderno” entre o rural e o urbano, entre a agricultura e a indústria.

As intervenções estatais que visavam a promoção da modernização do semi-árido nordestino preconizavam as mais diversas iniciativas, principalmente as localizadas no Pólo Petrolina/Juazeiro. Entre tais iniciativas, podemos citar:

• implementação de infra-estrutura especializada em irrigação;

• desenvolvimento de pesquisas voltadas para lavouras irrigadas, tendo como principal interveniente a EMBRAPA;

• implantação de assistência técnica, por meio da EMATER;

• oferecimento de recursos subsidiados e administrados pela SUDENE, que estimulavam

pessoas físicas e jurídicas a investirem nos projetos de irrigação e industrialização;

• estabelecimento de uma estrutura de crédito visando o financiamento da agricultura irrigada, através do Banco do Nordeste e do Banco do Brasil, com linhas subsidiadas,

59 Para evitar repetição de citações, ressaltamos que parte deste tópico deriva de pesquisas documentais realizadas na CODEVASF

(Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) Sede (Brasília), 3a Região (Petrolina -PE) e 6a Região (Juazeiro-

vinculadas aos Programas Especiais de Desenvolvimento Regional, tais como Prohidro, Provárzea, Proterra e Proine;

• regularização da vazão do Rio São Francisco, com a construção da Barragem de

Sobradinho;

• criação de escolas técnicas e de curso superior, como a Escola de Administração de Petrolina e a Escola de Agronomia de Juazeiro, com vistas a especializar a mão-de-obra regional.

Com isso, a introdução da irrigação trouxe impactos profundos, que modificaram o ambiente sócio-econômico das regiões beneficiadas, destacando-se os municípios de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), onde as transformações foram mais abrangentes. O aspecto mais evidente desta transformação foi a inserção de culturas não-tradicionais, com potencial exportador e com alto valor comercial. Tais culturas exigem a utilização de técnicas sofisticadas de irrigação, adubação, correção de solo etc. Tudo isso contribui para um cenário espacial, no semi-árido nordestino, com um perfil agrícola modernizado.

Por conseguinte, tais transformações ensejaram mudanças nas relações de trabalho60, através da criação de sindicatos de classes, possibilitando um maior debate sobre as questões salariais da região. Outro evento importante foi o incremento do mercado de terra, que foi seguido por ações de desapropriação de áreas que, até então, tinham pouco valor venal.

Como pudemos verificar, a atual configuração da área irrigada do semi-árido faz parte de um quadro que não condiz com a realidade nordestina, visto que se instalaram ali profundas transformações no que diz respeito à formação de padrão agrário moderno. Certamente, tal padrão de produção capitalista não incorporou os métodos tradicionais, pelo contrário, contribuiu sobremaneira para a sua destruição a partir da implementação dos projetos de irrigação.

Quanto às políticas públicas, a irrigação tinha lugar comum nos discursos, até mesmo antes da fundação da SUDENE. No entanto, as iniciativas eram de caráter paliativo, uma vez que as ações estatais eram voltadas exclusivamente para o combate à seca, através da

60Destaque-se o trabalho realizado por Cavalcanti (1997), cuja autora faz uma análise das relações entre a globalização, trabalho e meio

ambiente, visando compreender os processos sociais que se localizaram em regiões produtoras de frutas para exportação, principalmente nos perímetros irrigados do Vale do São Francisco. A importância deste estudo está na análise que a autora faz no sentido de “[...] compreender o dinamismo dos processos atuais de constituição e reconversão de áreas agrícolas orientadas predominantemente à exportação, de acordo com padrões de qualidade definidos externamente”. A especialização dessas regiões transformou a estrutura social local, uma vez que a “coexistência de pequenos e médios produtores com grandes empresas integradas, algumas multinacionais, manifestam uma base produtiva heterogênea e uma variedade de formas de inserção nas cadeias globais. Os trabalhadores permanentes ou temporários são igualmente diferenciados quanto ao tipo de qualificação ou especialização requerida para a atividade, assim como de acordo com as perspectiva que orientam a divisão sexual do trabalho”. Dessa forma, resumindo as palavras da autora, estabelece-se como ponto de partida a necessidade de desvendar as ambigüidades existentes entre os aspectos locais e globais do desenvolvimento agrícola, partindo-se da hipótese de que os

construção de açudes para armazenar água. Mesmo após a criação da SUDENE as ações foram muito tímidas, uma vez que a estrutura fundiária na bacia da área de irrigação era predominantemente latifundiária, traduzindo-se em uma intransponível barreira.

Em seguida, verificou-se a necessidade de se reorientar a forma de abordagem da agricultura nordestina, instituindo-se um rápido processo de desapropriação de grandes áreas para a implantação dos perímetros de irrigação pública e instalação dos projetos de ocupação, dando preferência para os colonos identificados por critérios específicos, coordenados pelo Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS) e pela CODEVASF (ver Tabela 14).

Tabela 14: Distribuição das áreas irrigadas nos Projetos Públicos dos Pólos do Norte de

Minas Gerais e Petrolina/Juazeiro (2006)

Produtores-Colonos Produtores-Empresas

Projetos de Irrigação Número de

Estabelecimentos Hectares Irrigados Número de Estabelecimentos Hectares Irrigados Pólo Petrolina/Juazeiro Bebedouro 129 1494 5 924 Curaçá 268 1964 15 2490 Mandacaru 53 370 1 66 Maniçoba 235 1808 53 2463 Maria Tereza 445 2604 38 2054 Nilo Coelho 1444 9280 131 6412 Tourão 34 182 14 11958 Total 2608 17702 257 26367

Norte de Minas Gerais

Gorutuba 390 2528 44 2290 Jaíba 1284 9303 0 O Lagoa Grande 0 0 55 1660 Total 1674 11831 99 3950 Fonte: CODEVASF (2006)

Dessa forma, os perímetros irrigados no Nordeste foram consideravelmente aumentados. Na década de 1970 o Nordeste contava apenas com 116 mil hectares irrigados. Na década seguinte, já chagava a 261 mil hectares e no final da década de 1990 saltava para 732 mil hectares. Nesta última, o Vale do Rio São Francisco já representava quase 32% dos perímetros irrigados do Nordeste. No período compreendido entre as décadas de 1970 e 1990, a área irrigada no Brasil cresceu 266%, correspondendo a 105,8 mil hectares por ano. No Nordeste, no mesmo período, esse crescimento foi de 530%, representando um incremento de 30,8 mil hectares por ano de áreas irrigadas. No Vale do São Francisco, o crescimento foi de 286%, representando 8,6 mil hectares por ano.

Em síntese, a política que implantou o grande projeto de irrigação pública apresentava objetivos distintos com relação aos outros programas para a região, os quais

aspectos globais e locais estão presentes na construção de regiões e atividades agrícolas particulares, sendo que esse contexto requer, dos atores sociais envolvidos, pensar e agir global e localmente (CAVALCANTI, 1997).

eram, geralmente, voltados para expansão da pecuária via recursos subsidiados. Primeiramente, porque nessa configuração havia elementos que possibilitavam uma reestruturação agrária, como, por exemplo, a desapropriação das áreas passíveis de irrigação para a instituição de projetos de colonização. É importante ressaltar que, embora os projetos de irrigação atualmente passem por um processo de privatização, o Estado contribuiu para a modernização de pequenos produtores, o que não se verificou nos demais programas de desenvolvimento regional.

No segundo plano, a ação estatal possuía característica integrada, visto que, além de promover uma irrigação apropriada – o que conferia um alto valor comercial para os produtos – buscava construir condições para o escoamento da produção para mercados de transformação industrial ou para consumo. Dessa forma, percebe-se que as regiões então polarizadas proporcionavam efeitos para frente e para trás, repercutindo significativamente sobre os setores de serviços e manufatureiros da região onde os perímetros de irrigação foram implantados.

Outro destaque deve ser dado para o perfil do mercado consumidor. Pela desarticulação e isolamento na pequena irrigação a ênfase era dada para a produção de produtos tradicionais, como feijão, milho, cenoura etc. Em consonância com o novo padrão agrícola, a grande irrigação buscava principalmente um conjunto de produtos que atendiam ao padrão de consumo urbano e da classe média e que se voltava para o mercado externo, como a fruticultura.

Finalmente, a CODEVASF, como representante do Estado, desempenha papel fundamental na mediação dos conflitos entre os pequenos produtores e as agroindústrias, promovendo as questões contratuais e de classificação de produtos. Assim, a função desempenhada pela CODEVASF, na administração de tais conflitos, envolvendo o agronegócio irrigado, é maior do que era previsto anteriormente.

Dessa forma, o histórico da irrigação no Brasil e principalmente no Nordeste, se confundiu com o início da produção de frutas brasileiras para a exportação. Atualmente, o Pólo Petrolina/Juazeiro produz 30% da produção nacional e é responsável por 50% do total das exportações de frutas de mesa do País. A produção nordestina com maior valor e inserção internacional é a de laranja, manga, melão e uva.

Gonçalves e Souza (1998), em estudos sobre a fruticultura do Nordeste, já diagnosticavam que a logística de comercialização com o exterior representa um fator decisivo na dinâmica da fruticultura de exportação, uma vez que está controlada por grandes empresas multinacionais, que criam superestruturas na fase de pós-colheita, organizando e

definindo os mercados regionais onde lhes ofereçam melhores rentabilidades. Para esse fato, fazemos menção à estratégia do Chile de inserção no mercado de frutas frescas internacional, cujo país adotou articulações importantes com as trading companies, que organizaram a logística e produção local objetivando atender uma demanda exigente de importantes centros consumidores como os Estados Unidos e União Européia.

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