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Cadeias globais e sistemas produtivos: a importância dos vínculos locais com os atores globais

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A COMPETITIVIDADE DA CADEIA GLOBAL DE FRUTAS E OS IMPACTOS SOBRE O LOCAL

2.1 Cadeias globais e sistemas produtivos: a importância dos vínculos locais com os atores globais

O paradoxo “local-global” também deve ser avaliado a partir da perspectiva do funcionamento das estruturas produtivas envolvidas nos processos de inserção internacional que puderam, supostamente, conduzir os paises para o desenvolvimento. Em particular, torna-se conveniente examinar a forma como as ciências sociais contemporâneas têm tratado de resolver o desafio que propõe a análise do nexo entre o global e o local no nível das estruturas produtivas, tomando como base o desenvolvimento recente de um esquema analítico que combina as teorias das “Cadeias Produtivas Globais” (CPG) com os estudos sobre clusters e que, de maneira significativa, demonstra ser um claro exemplo de pesquisa que transcende a simples avaliação econômica.

Dessa forma, esta análise definirá como problema central o vínculo que existe entre os produtores locais e os atores globais no contexto de redes produtivas transnacionais. Parte-se da premissa de que a análise da dinâmica e da estrutura das indústrias globais é uma forma útil de entender as conseqüências locais da globalização para as empresas e trabalhadores.

A hipótese chave consiste no fato de que o tipo de firma líder de uma cadeia e que, em conseqüência, define e controla as estruturas de regulação da cadeia, contribui de maneira decisiva para modelar socialmente as regiões onde a cadeia se localiza, a partir do estabelecimento de nexos com os produtores locais. Seria, em síntese, uma forma de avaliar a evidência empírica acerca da relação entre o “funcional” (a cadeia produtiva que representa uma estrutura voltada exclusivamente para a acumulação) e o “territorial”, que pode representar xdistintos níveis na medida em que o cluster em questão, além de suas implicações locais diretas, também pode assumir conseqüências de alcance nacional ou regional.

No entendimento de Gereffi (1998), esse esquema analítico facilita o estudo da relação entre os esquemas de inserção internacional e o padrão de desenvolvimento, uma vez que os agrupamentos produtivos orientados para a exportação podem oferecer resultados positivos para o desenvolvimento, dependendo, portanto, da modalidade específica de incorporação das empresas locais do sistema produtivo às cadeias globais, do equilíbrio de poder nessas cadeias e da maneira em que esse poder é exercido.

Pelo que demonstra, tal categoria de análise sugere uma nova proposta para as estratégias de desenvolvimento. Se anteriormente a unidade de análise privilegiada era do tipo territorial (Estado-nação), agora adota-se um esquema analítico mais complexo que inclui, pelo menos, duas unidades de análise: uma primordialmente do tipo funcional (a cadeia produtiva global) e outra que combinam qualidades funcionais e territoriais (os sistemas produtivos locais ou clusters). O corolário dessa nova proposta é que o caráter “nacional” das estratégias de desenvolvimento não estaria definido na atualidade pela escala da unidade de análise. Ou seja, as estratégias nacionais só seriam viáveis se considerassem o problema do desenvolvimento a partir de uma perspectiva que incluísse as unidades de análises diferenciadas que, hoje, definem as lógicas funcionais e territoriais do desenvolvimento.

Gereffi (1998) identifica três aspectos úteis para se compreender melhor as lógicas apontadas no parágrafo anterior. Primeiro, a questão das cadeias globais em sua dimensão da unidade funcional do desenvolvimento contemporâneo; em seguida a noção de sistemas produtivos ou clusters como dimensão que combina o funcional e o territorial e, por último, a consideração da qualidade dos nexos entre tais sistemas produtivos e a cadeia, particularmente o tipo de efeito denominado “avanço econômico” (upgrading) que define a possibilidade de os atores domésticos ascenderem através de trajetórias tecnológicas e organizacionais43.

2.1.1 As cadeias globais como dimensão funcional do desenvolvimento

Conforme já descrito no capítulo anterior, uma das principais características das transformações econômicas das últimas décadas tem sido a integração funcional – através dos complexos sistemas produtivos (ou clusters) – de atividades econômicas dispersas a nível

43 Fazemos referência também aos estudos sobre Catching-up, que, no Brasil, aplicado ao sistema agroalimentar,

vem sendo estudado por Castro (2008). Segundo a autora, a processo de catching-up do sistema agroalimentar brasileiro tem suas origens na metade da década de 1930 e está dividido em duas fases: a primeira inicia-se no final da década de 1940 e vai até final dos anos 1980, enquanto a segunda, data de fins dos anos 1990 até o presente e ainda se encontra em pleno curso. Castro menciona que catch-up é o “emparelhamento” ou equiparação tecnológica ao “estado das artes” internacional e que tende a ocorrer de forma concentrada, em determinado período de tempo, acompanhado de expressivas taxas de crescimento na economia, elevando-se a produtividade e a competitividade internacional de empresas e setores. Dessa forma, o estudo sugere que predominaram, na primeira fase, as instituições da chamada “revolução verde, e na segunda, seriam os requisitos de qualidade e desenvolvimento sustentável que organizaram os mercados de commodities agrícolas. Os estudos de Castro (2008) revelam que, referentemente à segunda fase, a implantação da Lei de Cultivares, em contraposição ao modelo de sementes híbridas, contribuiu, por um lado, para a elevação verificada no rendimento médio das principais lavouras; e por

internacional. Gereffi (1998, p.23) sintetiza tal movimento como: “Seria precisamente essa capacidade de integração funcional, e não somente a dispersão planetária das atividades, o que identificaria o aspecto definitivo do capitalismo global”.

Embora o debate sobre esse problema não esteja concluído, é relevante considerar duas correntes analíticas que tratam de explicar o fenômeno: a “teoria dos sistemas produtivos” (Commodity Systems Theory) e a “teoria das cadeias globais de produtos” (Global Commodity Chains Theory).

Autores como Schmitz e Nadvi (2002) fazem uma interpretação importante sobre a teoria dos sistemas produtivos. Segundo os autores, os estudos sobre o tema surgiram no início dos anos 1990 como uma reação à irrelevância de outros modelos teóricos que não podiam explicar satisfatoriamente a omissão de vastas áreas da economia internacional como parte do processo de reestruturação global. Essa teoria dá principal ênfase para os estudos da globalização da produção agropecuária, em particular para a formação e tendências de quatro sistemas globais para a produção e a distribuição: o complexo cerealista (principalmente soja); de produtos agrícolas duráveis; o complexo pecuarista e o complexo de distribuição de frutas e vegetais frescos.

Na visão dos autores, se a perspectiva dos sistemas produtivos torna-se importante para analisar o local e o potencial que possam ter, dentro das estratégias de desenvolvimento, uma série de setores econômicos já existentes nos países em desenvolvimento (principalmente aqueles que contam com a presença de recursos naturais para a atividade agropecuária), a teoria das cadeias globais de produtos, por outro lado, poderia facilitar a análise de outros setores, em particular das atividades industriais, geralmente consideradas como um elemento chave das transformações econômicas que conduzem para o desenvolvimento. Nesse caso, o ponto de partida da teoria reside na consideração de que as indústrias contemporâneas mais dinâmicas estão organizadas como sistemas de produção e de distribuição de alcance global. Por esta razão é imprescindível utilizar modelos analíticos que incorporem de maneira sistemática a dimensão internacional nas análises sobre a dinâmica dessas indústrias.

A partir dessa perspectiva, o êxito do processo de desenvolvimento dependeria de como as entidades locais (países, governos e empresas) pudessem ocupar determinadas posições. Assim, conforme assinalam Schmitz e Nadvi (2002),

outro os novos requerimentos de qualidade e de outros atributos extramercado (saúde, sustentabilidade, comércio justo etc.) revelaram as novas fronteiras do agronegócio brasileiro.

As firmas e as redes econômicas que as conectam são as peças fundamentais dos sistemas transnacionais de produção nos quais os países desempenham uma variedade de funções especializadas que podem ser modificadas através do tempo. Certamente, as firmas não existem num vazio. Seu comportamento está condicionado por diversos fatores que operam em distintos níveis: condições econômicas globais e geopolíticas; esquemas de integração regional; políticas econômicas dos governos nacionais; o impacto das instituições e das normas culturais nacionais sobre a atividade econômica; as taxas de salário, qualificação, produtividade e grau de organização da força de trabalho. Por outro lado, os Estados-nação tampouco são atores que transitam livremente. O enfoque das cadeias globais de produtos considera que as perspectivas de desenvolvimento dos países estão condicionadas, em grande medida, pela forma como os países são incorporados às indústrias globais. (p.42).

Gereffi (1998) classifica as cadeias globais de produtos em dois grandes grupos: o primeiro, as chamadas cadeias impulsionadas pelo produtor (producer-driven) e o outro são as cadeias impulsionadas pelo comprador (buyer-driven). As primeiras são típicas de indústrias que fazem uma utilização intensa de capital e tecnologia (por exemplo, a indústria automotiva), em cujo segmento as empresas transnacionais desempenam um papel central na coordenação das redes de produção. No segundo caso, trata-se de cadeias produtivas com uma utilização intensiva de força de trabalho (por exemplo, a cadeia de frutas frescas). Em termos comparativos, as cadeias do segundo tipo são um fenômeno mais recente, menos estudado e menos compreendido (GEREFFI, 1998).

É importante ressaltar que os estudos sobre o tema enfatizam que o processo de aprendizagem é imprescindível para poder chegar a competir com êxito nos mercados mundiais, sendo este um procedimento relativamente contínuo que pode levar à inclusão nas cadeias globais. No entanto, é importante frisar que o êxito atingido em uma fase não garantirá por si mesmo o avanço para a fase seguinte.

2.1.2 Os clusters e a localização do desenvolvimento

Conforme mencionamos anteriormente, outra categoria de análise que faz aproximação com os estudos das cadeias globais de produção são os clusters. Os estudos mais recentes que abordam o tema, a partir da perspectiva do desenvolvimento, representam uma evolução relativamente acelerada da investigação social, tendo em vista que tem seus antecedentes no entusiasmo que o modelo dos distritos industriais gerou nas décadas de 1980 e 1990 aos estudos

sobre desenvolvimento. Inicialmente, a análise se concentrou em indagar se era possível aplicar, nos programas de desenvolvimento em geral, a experiência dos referidos distritos, amplamente estudados em regiões como a Emilia-Romagna, que explicavam o êxito de estruturas econômicas exportadoras especializadas, geograficamente concentradas, sob o enfoque das economias de aglomeração.

Os estudos avançaram e na segunda metade dos anos 1990 a terminologia e as especificidades das pesquisas sobre os distritos industriais foram mais aperfeiçoadas com a introdução do conceito mais flexível e abrangente de cluster. Esta segunda fase das análises se concentrou nas chamadas relações externas do sistema produtivo, sobretudo porque os estudos empíricos, realizados em países subdesenvolvidos, indicaram com clareza que a maneira específica como as firmas de um cluster se relacionam com os atores externos – particularmente a qualidade dessas relações – têm implicações decisivas para o seu desempenho e para o desenvolvimento local (SHCMITZ e NADVI, 2002).

Dessa forma, chegou-se a um ponto em que tem sido possível avançar na proposta de novos esquemas analíticos que combinam o estudo dos clusters com a teoria das cadeias produtivas, com a característica particular de que estes novos esquemas aplicam a referida teoria ao sistema como um todo e não a firmas individualmente. São estudos orientados para a formulação de políticas que, sobretudo, buscam identificar as mudanças qualitativas que se produzem nas redes de um sistema produtivo, como conseqüência da inserção em cadeias produtivas globais. Assim, a utilização do conceito de clusters tem se convertido em um instrumento descritivo que facilita a análise das complexas relações econômicas que caracterizam a produção contemporânea. Por outro lado, utiliza-se também para o estudo da economia das regiões dentro de um país, levando-se em conta que a dinâmica econômica de muitas regiões e localidades não pode ser explicada adequadamente com o aparato tradicional da teoria econômica. Em particular, maior importância tem sido dedicada aos clusters exportadores.

2.1.3 O avanço econômico (upgrading) como categoria de análise para o desenvolvimento

O conceito de upgrading tem sido utilizado entre os analistas interessados na identificação de novas fontes de crescimento e de desenvolvimento econômico em um cenário globalizado. Autores como Gareffi e Tam (1998) caracterizam tal conceito como um instrumento analítico

para enfocar com maior precisão as possíveis fontes de crescimento econômico. Em particular, sua aplicação faz parte dos modelos explicativos que tratam de estabelecer uma relação entre a inovação, a especialização e os encadeamentos produtivos estudados por Hirschman, assim como suas possíveis conseqüências para promover crescimento econômico a partir de melhorias induzidas na produtividade.

Segundo alguns autores (BAIR e GEREFFI, 2002; GEREFFI e TAM, 1998), o conceito de upgrading envolve distintos níveis de análise; todos eles com estreita relação mútua: características do produto; tipo de atividade econômica; mudanças intra-setoriais; e mudanças inter-setoriais. Dessa maneira, o avanço econômico deveria implicar – no nível de produto – um deslocamento da produção de bens simples a produtos mais complexos. No nível de atividade econômica, estaria associado a uma evolução, por exemplo, para produção de produtos de marca e de desenho original. Como fator intra-setorial, o avanço econômico consistiria no estabelecimento dos chamados encadeamentos “para trás” e “para frente” e inter-setorial, deveria ocorrer uma perda do peso relativo da utilização intensiva da força de trabalho para setores que são intensivos na utilização de capital, tecnologia e conhecimentos.

Resumidamente, as possibilidades de upgrading, nos marcos das “redes produtivas globais” se encontram condicionadas pelos seguintes fatores que operam no nível dessas redes: i) localização das atividades; ii) os processos de especialização produtiva; e iii) as estruturas de regulação (governance) das redes.

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