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Breve percurso histórico sobre a noção de empatia

CAPÍTULO II – EMPATIA

2.1. Breve percurso histórico sobre a noção de empatia

A experiência do “sentir com” (tradução do alemão Einfühlung) já aparecia designada pelos gregos em seu vocábulo empatheia, indicando, conforme lembra Pigman (1995), a possibilidade de entrar no sentimento, estar dentro, estar presente, viver com e como o outro o seu pathos, paixão, sofrimento e doença.

Na Psicologia, o primeiro autor a utilizar o termo Empatia (Einfülhlung) foi Titchener, em seu livro Elementary Psychology of the Thought Processes (1909). Para Titchener, a noção de Einfülhlung se refere à capacidade de poder saber sobre a consciência de outra pessoa e de raciocinar de maneira análoga a ela, por meio de um processo de imitação interna (Wispé, 1986).

Daí em diante, algumas áreas da psicologia tiveram destaque no estudo da empatia, dentre as quais destacar-se-á, nessa seção, apenas as mais pertinentes para esta tese, a saber: a da psicologia da personalidade/psicoterapia, com as teorias de Sigmund Freud e Carl Rogers; a da aprendizagem social, com Nancy Eisenberg e Daniel Batson; a da psicologia do desenvolvimento sócio-cognitivo, com Jean Piaget e Lawrence Kohlberg; a da perspectiva evolutiva (ou evolucionista), com Plutchik (1992); a da neurociência que corroboram a existência do construto Empatia; e a da perspectiva de Martin L. Hoffman, que terá uma seção especial (2.2), por ser o teórico da Empatia que fundamenta esta tese.

Freud fez, em seus textos, um uso significativo do vocábulo empatia (Einfühlung), no início do século XX, embora não tenha tido tanto relevo entre os estudiosos do assunto. Como

demonstrou Pigman (1995) em seu artigo “Freud and the history of empathy”: desde o livro sobre os chistes (1905), encontramos no texto freudiano as marcas de sua familiaridade com a

Einfühlung; no texto de 1913, “Sobre o início do tratamento”, Freud considera central a experiência da Einfühlung para o trabalho terapêutico, porque possibilita a penetração no psiquismo de alguém que é estranho ao eu daquele que se identifica, porém de forma cautelosa – em carta datada de 4 de janeiro de 1928, Freud apresenta a Ferenczi, criticamente, sua posição quanto à importância da empatia na clínica psicanalítica.

Carl Rogers, por sua vez, na década de 1950, estudou a empatia de forma sistemática e profunda, incentivando, ao contrário de Freud, seu uso na clínica. Na concepção de Rogers, ter empatia significa “perceber o marco de referência interior da outra pessoa com precisão e com os componentes emocionais que lhe pertencem, como se fosse essa pessoa, porém sem perder nunca a condição de ‘como se’” (Rogers, 1959, p. 210). Em 1975, Rogers, ao rever o conceito de empatia, acrescentou que ela não deveria mais ser vista como um estado e sim, como um processo, em que o terapeuta deve mergulhar no mundo do outro, deixando de lado o seu próprio ponto de vista, o que significa “viver temporariamente a sua vida” (Rogers, 1975, p. 4). Por fim, é importante acrescentar que na análise de Rogers, a empatia é percebida como um estado passível de treinamento, tanto em termos cognitivos quanto em termos vivenciais.

Compartilhando a idéia de que a empatia é passível de aprendizagem, tem-se a perspectiva da aprendizagem social. Neste caso, dar-se-á ênfase as teorias de Eisenberg e de Batson, pelo destaque que esses autores têm tido nesse campo.

Nancy Eisenberg estudou a empatia em função de sua preocupação acerca do que motiva as pessoas a cuidar do outro. A maioria das pesquisas de Eisenberg sobre empatia, definida como “uma resposta afetiva que decorre da apreensão ou compreensão da condição ou estado emocional do outro, que é congruente com o que a outra pessoa está sentindo ou

seria esperado sentir” (Eisenberg, 2002, p. 135), é orientada para identificar as causas do altruísmo e do comportamento pró-social, sobretudo, em crianças (Eisenberg, 2000; Eisenberg et al., 1996; Eisenberg & Miller, 1987; Eisenberg & Strayer, 1987). Esta autora e seus colegas de trabalho também contribuíram para a análise das diferenças de sexo na empatia (Lennon & Eisenberg, 1987). Uma outra contribuição importante da autora (Eisenberg, 2002), diz respeito a idéia de que a empatia, assim como o altruísmo e outros comportamentos humanitários podem ser aprendidos e modificados, e, além disso, podem favorecer a redução da agressividade e de tendências destrutivas.

Assim como Eisenberg, Daniel Batson examinou os motivos que estão subjacentes aos comportamentos pró-sociais das pessoas. Para Batson e seus colegas (Batson et al., 1997) a empatia seria uma possível fonte de motivação altruísta, definida como um emoção vicária que é congruente, mas não necessariamente idêntica à emoção do outro (Batson, 1991). Batson, Fultz e Schoenrade (1990), ao discutir sobre as reações emocionais que surgem diante do sofrimento de alguém, diferenciam dois tipos de sentimentos: uma empatia pelo outro que sofre (simpatia), envolta por sentimentos de ternura, compaixão e preocupação real pelo outro e uma empatia que traduz a necessidade de reduzir o próprio mal-estar e reflete uma preocupação com o alívio de sua própria angústia (angústia pessoal).

Na área do desenvolvimento sócio-cognitivo, Jean Piaget pode ser considerado um dos primeiros a se preocupar com a empatia, mesmo que de uma forma menos precisa e sistemática quando comparado a outros autores, como Rogers. Piaget (1932/1994) se referiu, em sua teoria, a diferentes conceitos, como role-taking, simpatia e altruísmo para discutir o processo que se poderia chamar de empático. Em relação ao role-taking, ele o definiu como uma habilidade que possibilita intuir situações, necessidades, interesses do outro, e mais do que isto, compartilhar os sentimentos do outro; no que se refere à simpatia, ele a classificou como uma tendência instintiva que, paulatinamente, na medida em que a criança desenvolve a

capacidade de colocar-se no lugar do outro e reconhecer as necessidades do outro, vai se tornando um sistema de valor mais permanente, que, por sua vez, é quem permite o altruísmo, a verdadeira cooperação e o verdadeiro respeito mútuo.

Ainda na área da psicologia do desenvolvimento sócio-cognitivo, Kohlberg (1969) relacionou a empatia com o lado emocional do role-taking, definido como “(...) tomar a atitude do outro, tornar-se conhecedor dos pensamentos e sentimentos, colocar a si mesmo em seu lugar” (p. 49). Como este autor não privilegiou em sua teoria da moral o aspecto emocional, conforme comenta Camino (2009), ele não explorou o conceito de empatia em seus textos e deu relevo aos avanços cognitivos voltados para o desenvolvimento moral e social.

Dentro de uma perspectiva evolucionista, Plutchik (1992) definiu a empatia como uma habilidade, de base inata, para captar sinais emocionais nos outros, tendo em vista a sobrevivência das espécies. Para ilustrar tal afirmativa, Plutchik (1992) cita pesquisas que revelam que macacos da espécie vervet produzem diferentes sinais sonoros para alertar seus pares sobre a presença de predadores nas proximidades; e, estes sinais são compreendidos até mesmo pelos filhotes desta espécie, inclusive por aqueles que foram criados em cativeiro desde o nascimento, o que sugere, na análise de Plutchik (1992), que os comportamentos empáticos possuem um forte componente genético. Esta idéia de empatia, enquanto algo subjacente ao instinto de sobrevivência, também é aplicada à espécie humana: o choro dos bebês, por exemplo, tem um efeito fundamental para a mobilização afetiva dos adultos, e, esta mobilização afetiva guia e mobiliza o comportamento de ajuda dos pais.

No campo motivacional/emocional têm-se Hoffman, que, na verdade, apresenta, de acordo com Camino (2009), uma concepção eclética da empatia, na medida em que reúne idéias do behaviorismo, do cognitivismo e da aprendizagem social; e ainda compartilha da perspectiva evolutiva, mencionada acima, na medida em que concebe a empatia como sendo

um tipo de resposta afetiva, com raízes biológicas e função adaptativa, que é modificada ao longo da ontogênese por fatores cognitivos. As idéias de Hoffman serão tratadas de forma mais detalhada, na próxima seção.

Neste momento, considera-se pertinente sair um pouco da área da psicologia e comentar rapidamente como a empatia vem sendo concebida na neurociência, já que esta é uma área que tem corroborado a existência do construto Empatia, assim como do seu funcionamento. Goleman (2007) cita um estudo realizado em 1957, em que os pesquisadores verificaram que há uma relação direta entre certas lesões na área direita dos lobos frontais e a incapacidade de entender a mensagem emocional do outro por meio do tom da voz, embora, neste caso, exista a capacidade de entender as palavras. Para ilustrar, as pessoas lesionadas em certas regiões da área direita dos lobos frontais, ao ouvirem “muito obrigado” em diferentes sentidos – sarcástico, agradecido ou furioso –, compreenderam essas expressões de uma mesma forma, isto é, simplesmente como uma gratidão no sentido neutro. Em um outro estudo realizado em 1979, também citado por Goleman (2007), foi observado que pacientes com danos em outras partes do hemisfério direito eram incapazes de expressar suas emoções por meio do tom de voz ou gestos; neste caso, sabiam o que sentiam, mas simplesmente não eram capazes de transmití-lo. Esses estudos serviram como base para Brothers (1989, citado por Goleman, 2007) que indicou, a partir do exame de relatos neurológicos, que as amígdalas corticais e suas ligações com a área de associação com o córtex visual como parte dos circuitos-chave do cérebro é que estão por trás da empatia. Um dos estudos citados por Brothers (1989, citado por Goleman, 2007) para sustentar sua tese, foi realizado com macacos

Rhesus. Neste estudo, os macacos foram treinados para terem medo de um determinado som, fazendo-os ouvirem-no ao levarem um choque. Em seguida, esses macacos foram treinados a levantar uma alavanca sempre que ouviam o som. Finalmente, pares desses macacos foram colocados em jaulas separadas, tendo como fonte de comunicação entre si, um circuito

fechado de TV, que lhes permitiam ver o rosto um do outro. O que se constatou foi que quando um dos macacos ouvia o som temido, demonstrava uma expressão de pânico, que levava o outro macaco, ao olhar esta fisionomia, a empurrar a alavanca que impedia o choque, um ato altruístico de empatia. Para testar a relação entre o córtex visual e as amígdalas com a empatia, os pesquisadores inseriram delicadamente longos eletrodos pontiagudos no cérebro dos macacos. Os resultados indicaram que quando um macaco via a fisionomia do outro, essa informação levava ao disparo de um neurônio, primeiro, no córtex visual, e depois, nas amígdalas corticais, que se diferenciava do disparo do neurônio ao responder a expressões emocionais específicas – o que levaram os pesquisadores a concluir que a empatia é um dado biológico.

Dentro de uma perspectiva crítica a abordagem biológica apresentada no parágrafo anterior, Vignemont e Singer (2006) questionam a suposição de que se compartilha das emoções dos outros a partir de uma automaticidade cerebral e propõem uma abordagem contextual, sugerindo que existem vários fatores moduladores que podem influenciar na resposta empática do cérebro. Na compreensão desses autores, a avaliação contextual acontece antes da sugestão emocional, e é ela que conduz ou não o cérebro a uma resposta empática, já que não empatizamos com tudo o que vemos, e quando empatizamos somos mobilizados em função do estímulo indutor.