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CAPÍTULO IV – ESTUDO 1: CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS

4.5. Discussão parcial

Neste primeiro Estudo, que trata da criação e exploração inicial dos instrumentos

Dilemas da Vida Real e Escala de Empatia focada em Grupos (EEG), os resultados parecem demonstrar que esses instrumentos são adequados para discriminar, respectivamente, estágios de desenvolvimento moral e graus de sensibilidade empática (com algumas ressalvas em relação a este último instrumento).

Especificamente em relação ao instrumento denominado Dilemas da Vida Real, este propiciou dados que merecem ser refletidos, tanto em termos metodológicos, quanto em termos sociais, e é o que será feito a seguir.

O fim da pena de morte e a luta contra as propostas de redução da maioridade penal constituem uma das bandeiras levantadas pelos defensores dos direitos humanos e pelo Conselho Federal de Psicologia. Contudo, apesar de todo o esforço desprendido por essas organizações, os estudantes que participaram do presente estudo revelaram uma favorabilidade considerável à pena de morte, demonstrada pelo apoio a execução de Sadam Hussein (40%), e um apoio maciço a mudança na lei penal brasileira, no sentido de reduzir a idade do adolescente cumprir medida de privação de liberdade (89%). Resultado análogo a este foi encontrado em diferentes estudos, já apresentados neste trabalho, a saber: em uma pesquisa realizada pelo Datafolha (2006), 51% dos brasileiros disseram ser favoráveis à pena

de morte e 84% demonstraram apoiar a redução da maioridade penal; em um estudo realizado por Laranjeiras (2007), 63% dos estudantes entrevistados mostraram-se favoráveis a execução de Sadam Hussein; em um estudo realizado por Menin (2005), 74% dos participantes da escola pública e 54% dos da escola privada mostraram-se favoráveis à redução da idade para se punir infrações na lei. Por outro lado, não se poderia deixar de comentar que Galvão et al. (2007), contrariamente a esses resultados, verificaram que a favorabilidade em relação à redução da maioridade penal e pena de morte foi mínima entre aqueles que seriam diretamente atingidos, caso houvesse uma mudança na lei (15% dos adolescentes em ressocialização) e entre aqueles que poderiam vir a ser atingidos (26,3% dos adolescentes em condição de rua). No caso da pena de morte, verificou-se que apenas 18,8% dos adolescentes em ressocialização e 23,8% daqueles em condição de rua mostraram-se favoráveis à adoção de tal penalidade.

No que se refere à análise por conteúdo das justificativas dadas às questões relacionadas aos temas pena de morte e redução da maioridade penal, neste estudo se observou o predomínio de respostas, no caso da pena de morte, que eram guiadas pelo princípio da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”, o que também foi encontrado nos estudos de Laranjeiras (2007); no caso da redução da maioridade penal, se encontrou a prevalência de respostas que fazem uso do slogan “tem consciência, deve ser punido”, o que também foi observado no estudo de Menin (2005).

É interessante registrar também que os conteúdos das justificativas dadas às questões relacionadas aos temas pena de morte e redução da maioridade penal são semelhantes aos que vêm sendo utilizados por participantes de outros estudos. Em relação à pena de morte, na pesquisa de Laranjeiras (2007) houve semelhanças entre o conteúdo das seguintes categorias de respostas: Lei de Talião (denominada por Laranjeiras de “Matou, tem que morrer”), Outra punição (denominada por Laranjeiras de “Penas alternativas”), Proteção à sociedade

(denominada por Laranjeiras de “Crime contra a humanidade”) e Direito à vida. Da mesma forma, algumas das justificativas utilizadas pelos participantes do presente estudo, em relação à pena de morte, coincidiram com as utilizadas pelos participantes da pesquisa realizada por Galvão et al. (2007): Lei de Talião (denominada pelas autoras de “Punição retaliativa”), Justiça Divina, Direito à vida, Outra punição (denominada pelas autoras de “Pagar na cadeia”). Quanto à redução da maioridade penal, algumas das justificativas utilizadas pelos participantes do presente estudo acerca desta temática assemelham-se as explicitadas pelos participantes da pesquisa realizada por Menin (2005): Punição relacionada à consciência (categoria denominada por Menin de “O adolescente sabe o que é certo e errado”), Tem que pagar (categoria denominada por Menin de “Cometeu um crime, deve ser punido”), Visão preventiva da punição (denominada por Menin de “Para a situação não piorar”). Em Galvão et al. (2007) também se encontrou categorias semelhantes às encontradas no presente estudo, em relação à redução da maioridade penal, a saber: Punição relacionada a consciência (denominada pelas autoras de “Responsabilidade do menor’) e Visão preventiva da punição (denominada pelas autoras de “Serve de exemplo”).

No que se refere à análise das justificativas dadas aos dilemas, em função do estágio de julgamento moral, encontrou-se, no presente estudo, argumentos típicos dos estágios hierarquicamente inferiores (pensamento pré-convencional) da tipologia kohlberguiana – resultado abaixo do que vem sendo encontrado entre adolescentes e adultos com dilemas hipotéticos. Diante deste resultado, questiona-se: por que se encontrou um nível de moralidade tão baixo entre os participantes do presente estudo?

Na realidade, este resultado já era esperado (hipótese a2), tendo em vista que os estudos realizados com temas relacionados à pena de morte e redução da maioridade penal (Galvão et al., 2007, Laranjeiras, 2007; Menin, 2005), apesar de não fazerem referência a uma análise das respostas considerando os níveis da tipologia kohlberguiana, têm revelado uma

moralidade baseada, sobretudo, na justiça expiatória, típica dos estágios hierarquicamente inferiores da tipologia de Kohlberg. Além disso, segundo Rest (1975), os instrumentos que os testandos têm que construir sua própria resposta apresentam raciocínios morais de estágios inferiores a aqueles escolhidos pelos mesmos participantes em questionários em que os raciocínios já estejam elaborados e eles só façam escolhê-los; neste último caso, tendem a escolher raciocínios superiores aos que são capazes de elaborar. Em segundo, o fato dos dilemas, respondidos pelos participantes do presente estudo, fazerem referência a cenas reais e a temas polêmicos pode ter influenciado a adesão a estágios de julgamento moral hierarquicamente inferiores, pois os dilemas que vêm sendo propostos na literatura tratam, sobretudo, de dilemas hipotéticos, com temas não tão polêmicos.

De qualquer forma, pode-se dizer que os Dilemas utilizados para medir estágios de julgamento moral, segundo a tipologia de Kohlberg, mediram aquilo que se propôs a medir, conseguindo diferenciar os participantes quanto a seus estágios de julgamento moral, podendo, inclusive, serem utilizados conjuntamente, já que apresentaram correlações positivas, conforme foi mencionado na apresentação dos Resultados.

Para finalizar o debate acerca do instrumento Dilemas da Vida Real, é relevante comentar a respeito da influência das variáveis sócio-demográficas sobre o desenvolvimento moral. No caso da variável sexo, já se esperava a não influência desta variável sobre o desenvolvimento moral, tendo como base os estudos de Menin (2005) e Laranjeiras (2007): estes autores trabalharam com temáticas semelhantes a dos Dilemas apresentados neste estudo, ou seja, redução da maioridade penal e pena de morte, e não encontraram diferenças entre o sexo masculino e o feminino. No caso da religião esta não foi analisada tendo em vista a distribuição amostral: 80% disseram ser católicos. No que se refere à idade, esta surpreendentemente não revelou influência sobre os estágios de desenvolvimento moral. Neste caso, apenas se constatou a influência da variável escolaridade: os estágios mais

elevados de moralidade foram alcançados, sobretudo, pelos estudantes universitários (alunos de licenciatura em letras, matemática e história), o que é, por um lado, um dado positivo, pois estes estudantes serão futuros professores e deverão ser, de acordo com a proposta dos PCNs, também educadores morais; mas, por outro lado, ainda existe um número alarmante de estudantes universitários que utilizam indiscriminadamente argumentos típicos de estágios hierarquicamente inferiores, que revelam discursos de uma visão moral primária, pautada, por exemplo, na Lei de Talião – neste último caso, o que esperar destes futuros educadores? A propagação das idéias de que: “matou tem que morrer”, “bateu tem que apanhar”, “seres humanos devem ser levados à cadeira elétrica”, “adolescentes merecem cadeia”.

No que se refere ao segundo instrumento, EEG, os dados indicaram, assim como foi apontado na hipótese b1, que a escala criada para medir Empatia focada em Grupos conseguiu discriminar diferentes tipos ou dimensões empáticas e diferentes graus de empatia.

Note-se que na primeira análise fatorial realizada, com a extração de 5 componentes, a EEG apresentou uma estrutura multifatorial que distinguiu os três fatores citados na hipótese b2 - Empatia com grupos minoritários, Empatia com “apenados” e Empatia com animais. Ainda se observou na Análise Fatorial a configuração de mais dois componentes: Empatia

com pessoas em situação de aflição e Empatia com trabalhadores.

Quanto as médias dos fatores, elas corresponderam ao esperado na hipótese b3 (espera-se que a média do fator relacionado à Empatia com grupos minoritários seja a maior) e b4 (espera-se que a média do fator relacionado à Empatia com “apenados” seja a menor). A análise realizada com a fixação de três componentes apresentou uma estrutura multifatorial que distinguiu, em parte, os três fatores citados na hipótese b2 – Empatia com

grupos minoritários, Empatia com animais (neste caso, o componente extraído na Análise Fatorial incluiu a questão da empatia com trabalhadores e, nesse sentido, foi denominado de

extraído da Análise Fatorial envolveu outras pessoas cometendo transgressões além dos “apenados”, e vítimas de transgressão e foi denominado de Empatia com transgressores e

vítimas de transgressão).

De forma semelhante ao que aconteceu na análise fatorial com cinco componentes, as médias dos fatores corresponderam ao esperado nas hipóteses b3 (espera-se que a média do fator relacionado à Empatia com grupos minoritários seja a maior) e b4 (espera-se que a média do fator relacionado à Empatia com “apenados” seja a menor média).

É relevante lembrar que o que motivou a realização da Análise Fatorial com a fixação de três componentes foi, sobretudo, a organização dos itens na análise com cinco fatores que se mostrou não desejada, no sentido em que o número de itens por fator revelou-se inapropriada.

Agora, fazendo uma comparação entre as duas análises fatoriais realizadas, considera- se que a primeira análise, com cinco fatores, apresentou uma estrutura fatorial mais clara, revelando componentes altamente compreensíveis, do que a análise com três fatores: Empatia

com grupos de minoritários, Empatia com pessoas em situação de aflição, Empatia com

trabalhadores, Empatia com “apenados”, Empatia com animais. Por outro lado, a distribuição do número de ítens por fator na segunda análise fatorial (com três fatores) expôs uma estrutura mais harmoniosa que a primeira (com cinco fatores); contudo, a explicação dos fatores tornou-se menos compreensível. Neste sentido, julga-se que o mais apropriado seja reformular a escala e testá-la novamente.

CAPÍTULO V – ESTUDO 2: REFORMULAÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA DE