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CAPÍTULO I – DESENVOLVIMENTO MORAL

1.6. Educação moral e estudos empíricos

O debate sobre o ensino da moral vem desde a antiguidade. Em um de seus mais importantes diálogos, o Mênon, Platão questiona:

A virtude é coisa que se ensina? Ou não é coisa que se ensina, mas que se adquire pelo exercício? Ou nem coisa que se adquire pelo exercício nem coisa que se aprende, mas algo que advém aos homens por natureza ou por alguma outra maneira?

Historicamente, na perspectiva de Buxarrais (1997), pode-se distinguir três modelos de educação moral. O primeiro modelo delega à educação moral a tarefa de levar os indivíduos a seguir valores e normas que são considerados, por um poder autoritário, os melhores. Esses valores e normas, por sua vez, são imutáveis e não são passíveis de debate ou questionamento. O segundo modelo, ressalta que não há o que ensinar em termos de moralidade, já que, ao contrário do primeiro modelo, os valores e normas morais são percebidos como relativos e como sendo construídos individualmente. O terceiro e último modelo destacado por Buxarrais (1997), defende a construção racional e autônoma de valores. É nesta perspectiva que se enquadram as teorias acerca da educação moral de Piaget (1932/1994) e de Kohlberg (1992), que fundamentam a presente tese e serão apresentadas a seguir.

As idéias de Piaget acerca da educação moral constituem, ainda hoje, a parte menos conhecida de sua obra, e, quantitativamente, menos expressiva. O que não significa dizer que essa parte seja menos relevante que as demais.

Um texto pouco citado aqui no Brasil, que debate a questão da educação moral, escrito por Piaget em 1930, chama-se Os procedimentos de educação moral. Neste texto, que foi escrito antes do seu mais famoso livro sobre a moralidade – O julgamento moral na criança –, Piaget se posiciona de forma favorável a necessidade de se educar moralmente, no sentido de promover a construção de personalidades autônomas aptas à cooperação.

Em Os procedimentos de educação moral, Piaget explicita a relevância da interação na educação moral, dando ênfase, em seu discurso, as relações de coação e de cooperação. A primeira, a de coação, é caracterizada por um respeito unilateral que implica em uma desigualdade de poderes: é o respeito do pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho. É a partir desta relação, na análise de Piaget, que a criança conhece seus deveres e regras, e adquire noções sobre o bem e o mal, o certo e o errado. A

segunda relação, a de cooperação, é caracterizada pelo respeito mútuo e, neste sentido, os indivíduos que estão em contato se consideram iguais e se respeitam mutuamente.

No que se refere aos procedimentos de educação moral, título do texto, Piaget (1930/1996) comenta acerca de duas possibilidades: os procedimentos verbais e os métodos ativos.

A primeira possibilidade, os procedimentos verbais ou “lição moral”, é questionada por Piaget (1930/1996). Na sua análise, todos os procedimentos orais têm em comum o fato de serem impostos pelos educadores por meio da coação e do respeito unilateral. Neste sentido, Piaget comenta que a criança, por não viver ou se envolver na situação apregoada no discurso, não compreende o seu significado, mas, mesmo assim, aceita a “lição” como medo da punição ou ainda da perda do afeto.

Por outro lado, Piaget (1930/1996) comenta que a “lição de moral” não é totalmente inválida. Ela pode ser válida quando é a criança que pede explicação para determinadas situações que lhe causam desequilíbrio, pois, é apenas em um contexto semelhante a este que o procedimento verbal pode conseguir tocá-la, levando-a a refletir. O que vale, nesta situação, não é a imposição de um decreto, mas a construção de um contrato.

A segunda possibilidade, o método ativo de educação moral, é considerada, por Piaget (1930/1996), a mais efetiva. Neste caso, a criança participa de experiências morais, proporcionadas pela escola, por meio de um ambiente de cooperação e respeito mútuo. A educação moral dar-se-ia, na análise de Piaget (1930/1996), paulatinamente em todos os ambientes do sistema escolar; não constituindo, portanto, uma matéria especial de ensino.

Na perspectiva do método ativo, Piaget (1930/1996) defende a idéia de que somente uma vida social entre os próprios alunos – o “self government”, com o maior distanciamento possível da autoridade do professor e em paralelo à educação intelectual, pode conduzir a “uma certa forma de consciência intelectual e de consciência moral distanciada da anomia,

peculiar ao egocentrismo, e da heteronomia das pressões exteriores porque ele realiza a autonomia adaptando-se à reciprocidade” (Piaget, 1974, p. 60). Para esclarecer, o “self government” consiste na criação das leis por parte dos alunos, pois somente por meio da experiência é que eles compreenderão o que é obediência à regra, adesão ao grupo social e responsabilidade social (Piaget, 1930/1996, p. 22).

Confrontando os dois procedimentos de educação moral citados – método verbal e método ativo, Piaget contesta a eficácia do primeiro:

Quem será o melhor cidadão ou o espírito racional e moralmente livre? Aquele que tenha ouvido falar, mesmo que com entusiasmo, da pátria e das realidades espirituais, ou aquele que tenha vivido numa república escolar o respeito à solidariedade e a necessidade das leis? (Piaget, 1930/1996, p. 13)

Em um outro texto, chamado O espírito de solidariedade e a colaboração

internacional (1931/1998), publicado um ano depois de Os procedimentos de educação moral (1930/1996), Piaget retoma a idéia de que os métodos orais não são suficientes para desenvolver o espírito de solidariedade. Segundo Piaget (1931/1998), para que a criança desenvolva a solidariedade é necessária uma vivência pessoal e coletiva, que transcenda o discurso.

Já no texto Observações psicológicas sobre o self-government (1934b/1998), Piaget retoma a idéia do self-government e afirma que este é "um procedimento de educação social que tende, como todos os outros, a ensinar os indivíduos a saírem de seu egocentrismo para colaborar entre si e a se submeter às regras comuns" (Piaget, 1934b/1998, p.126). Também neste texto, Piaget afirma ser necessário que as crianças realizem atividades grupais de cooperação, onde aprendam a idéia de respeito mútuo para que possam construir seu auto- governo (autonomia).

Em É possível uma educação para a paz? (1934a/1998), Piaget volta a refletir acerca das relações internacionais, comentadas em seu texto O espírito de solidariedade e a

com questões morais que vão além do plano individual. Ele fala da dificuldade em se educar para paz em um mundo de guerra, desconfiança, medo e disputa por fronteiras. Na análise de Piaget, para que seja viável uma educação para a paz é necessário que sejam trabalhadas as posições egocêntricas das crianças em relação aos estrangeiros; levando-as a se interessar e compreender o outro. Esta colocação de Piaget, apoiada em outros conceitos de sua teoria (como reciprocidade e descentração), leva a autora dessa tese, juntamente com sua orientadora, a supor que para este autor a educação moral envolve o exercício da empatia.

Finalmente, em A educação da liberdade (1945/1998), Piaget retrata a idéia de que somente quando a educação consegue fazer prevalecer a cooperação, em detrimento da coerção, a liberdade individual é alcançada. Lembrando que liberdade para Piaget é sinônimo de autonomia.

Dentro desta perspectiva, poder-se-ia resumir que educar moralmente seria, na teoria piagetiana, propiciar à criança situações onde ela possa vivenciar a cooperação, a reciprocidade e o respeito mútuo e assim, construir a sua autonomia. Essa idéia Piagetiana de que a construção de uma verdadeira moral – a moral autônoma – não resulta da mera apropriação de valores, também foi defendida por Kohlberg.

Kohlberg, juntamente com seu orientando de doutorado, Blatt, trabalhou diretamente a questão da educação moral. Mais precisamente, esses autores criaram uma técnica de discussão de dilemas morais em grupo, visando a promoção do desenvolvimento moral (Blatt & Kohlberg, 1975). Eles supunham que a prática de resolução de problemas morais, fundamentada na interação entre os estudantes, favoreceria o desenvolvimento do raciocínio, pois, na análise deles, argumentos de estágio moral mais avançado promoveria um conflito cognitivo cuja solução mais adequada decorreria da apropriação dos argumentos morais superiores. É interessante registrar que este conceito de conflito cognitivo é o mesmo adotado na teoria de Piaget quando ele discute a questão do desequilíbrio (Inhelder & Piaget, 1958).

Para testar suas suposições, Blatt e Kohlberg (1975) realizaram dois estudos. Em ambos, eles utilizaram o Moral Judgment Interview (MJI) como medida de pré e pós-teste e formaram grupos de discussão de dilemas morais com participantes de diferentes estágios morais. As discussões aconteceram durante seis meses, em encontros semanais. Nessas reuniões, os autores propunham dilemas hipotéticos, ouviam a opinião dos participantes, e, em seguida, chamavam a atenção para a resposta de estágio mais elevado. No final do período de seis meses, constataram que a maioria das crianças tinha avançado moralmente, quando comparadas as crianças do grupo de controle.

É relevante comentar que, na época que Blatt e Kohlberg (1975) propuseram esta forma de educação moral, nos EUA os programas baseavam-se numa educação moral com perfil de doutrinação, denominada de educação de caráter, onde a autoridade era centrada no professor e os procedimentos consistiam em transmissão verbal de códigos, valores e normas, assim como prestação de serviço que demonstrasse virtudes.

Com a constatação da eficácia da técnica de Blatt e Kohlberg (1975), a nova forma de intervenção ganhou bastante popularidade (Berkowitz, 1985; Gibbs, Arnold, Ahlborn & Chessman, 1984), inclusive no Brasil (Biaggio, 1985; Dias, 1992; Lins & Camino, 1993; Rique & Camino, 1997). Note-se que a técnica de Blatt e Kohlberg além de se mostrar eficaz para acelerar o desenvolvimento do raciocínio moral, permite, diferentemente do simples ensinamento verbal, a manutenção a longo prazo do desenvolvimento moral. A esse respeito, Rest (1986) comenta que o raciocínio moral de um indivíduo, com a intervenção, pode evoluir, aproximadamente, durante quatro ou cinco anos, quando comparado ao de um outro indivíduo da mesma idade que não participou de um projeto de educação moral.

Arbuthnot e Faust (1981) sistematizaram o modelo de educação de Blatt e Kohlberg (1975) em seis fases ou passos: (1) formar pequenos grupos baseados no estágio de

raciocínio; (2) Preparar dilemas; (3) Criar um apropriado clima psicológico; (4) Iniciar a discussão apresentando os dilemas; (5) Guiar a discussão; (6) Finalizar a discussão.

Na primeira fase (formar grupos baseados no estágio de raciocínio moral), Arbuthnot e Faust (1981) sugerem que se deve buscar um número igual de sujeitos por estágio, onde se deve contemplar pelo menos três estágios morais consecutivos dominantes. Arbuthnot e Faust (1981) ainda indicam que os grupos devem ter entre 8 e 12 indivíduos, com idades semelhantes.

Na segunda fase (preparar dilemas), Arbuthnot e Faust (1981) propõem que sejam criados dilemas que permitam provocar conflitos cognitivos e que sejam adequados à habilidade intelectual dos estudantes. De antemão, conforme comentam Arbuthnot e Faust (1981), deve-se antecipar as possibilidades de respostas possíveis, construir elaborações que possam ser utilizadas para provocar desacordos entre os indivíduos de diferentes estágios e preparar os contra argumentos para todos os níveis do grupo e para um nível acima do grupo superior. É interessante mencionar, que no caso da criação de Dilemas, Dias (1992) sugere que os temas dos dilemas sejam indicados pelo próprio grupo de intervenção.

Na terceira fase (criar um clima psicológico apropriado), Arbuthnot e Faust (1981) comentam que o educador moral deve esclarecer que não existem respostas certas e erradas e que a função do educador moral é apenas a de intermediar as discussões. Deve ainda destacar a importância do respeito mútuo, da liberdade de expressão e de crença.

Na quarta fase (iniciar a discussão), Arbuthnot e Faust (1981) recomendam que se facilite o debate entre indivíduos do grupo do nível inferior de raciocínio com os de nível imediatamente superior, no sentido de promover conflito cognitivo. A este respeito, é importante mencionar o estudo realizado por Rest, Turiel e Kohlberg (1969) que revelou que crianças rejeitavam (embora compreendessem) o discurso abaixo de seu pensamento e não compreendiam as mensagens que estavam dois estágios acima, demonstrando que o raciocínio

de estágio imediatamente superior é melhor assimilado. Arbuthnot e Faust (1981) também alertam que se deve assegurar a absoluta compreensão do dilema, sugerindo que o facilitador resuma as principais idéias do dilema e se coloque a disposição dos participantes para maiores esclarecimentos. Arbuthnot e Faust (1981) ainda propõem que primeiro se apresente os dilemas ao grande grupo, depois se forme grupos pequenos de discussão que deverão, após debate, expressar suas opiniões.

Na quinta fase (guiar as discussões), Arbuthnot e Faust (1981) indicam que se deve oferecer oportunidade de expressão à maior quantidade de indivíduos possíveis, criando o desequilíbrio ou a consciência da inadequação do nível inferior de raciocínio. Deve-se conduzir as discussões fazendo com que os participantes, passo a passo, evoluam até que cheguem ao nível mais alto do grupo. No final, pode-se ainda apresentar um argumento imediatamente superior ao nível mais avançado do grupo, com o objetivo de se criar o desequilíbrio cognitivo.

Na sexta e última fase (Finalizar a discussão), Arbuthnot e Faust (1981) sugerem que a discussão deve ser concluída uma vez que o grupo tenha prosseguido passo a passo, ascendendo pelos estágios.

Tendo como base a técnica de Arbuthnot e Faust (1981), descrita anteriormente fase a fase, Biaggio (1983, 1985, 1988), Dias (1992), Lins e Camino (1993) e Rique e Camino (1997) realizaram intervenções em escolas brasileiras.

Biaggio (1983), em um estudo piloto, com a finalidade de preparar professores e orientadores educacionais para serem facilitadores morais, coordenou grupos de discussão de dilemas morais e, neste primeiro trabalho, a técnica mostrou-se eficaz, com o avanço significativo de estágios de desenvolvimento moral.

Duas orientadoras educacionais que participaram do grupo de debate do estudo supramencionado aplicaram a técnica em seus alunos (Biaggio, 1985), uma na turma da 7a

série e outra na turma da 8a série. Os resultados encontrados no pós-teste, realizado na turma da 7a série, revelaram um aumento no escore médio de julgamento moral. A este respeito Biaggio (1985) faz uma ressalva interessante acerca desta evolução: apesar das médias do estágio 4 terem aumentado significativamente após oito sessões de discussões de dilemas, “a maioria dos sujeitos apresenta elementos de estágio 3 e de estágio 5, e não necessariamente 4, o que não fica aparente nos escores médios” (p.198). Os resultados do pós-teste dos alunos da 8a série, revelaram que tanto o grupo de discussão, quanto o de controle apresentaram ganhos no nível de julgamento moral, o que foi devido, na análise de Biaggio, provavelmente, a não equivalência no pré-teste (Biaggio, 1988). Nesta pesquisa, Biaggio comenta que os alunos resistiram discutir os dilemas levados pelas coordenadoras, reivindicando dilemas trazidos por eles.

Uma terceira experiência foi citada em Biaggio (1985), desta vez a técnica de debates de dilemas morais envolveu universitários. Neste caso, em metade dos 10 encontros foram utilizados dilemas descritos em Blatt, Colby e Speicher (1974) e na outra metade, dilemas brasileiros, elaborados pelo núcleo de pesquisa de Biaggio. Os resultados revelaram ganhos em termos de julgamento moral, com a constatação de que é importante considerar o interesse dos participantes na escolha dos dilemas (Biaggio, 1985).

Dias (1992) realizou seu projeto de educação moral com estudantes da 6a série do ensino fundamental (denominado atualmente no Brasil de 7o ano do ensino fundamental), durante 4 meses, que totalizaram 24 sessões de 1 hora/aula de discussão de dilemas morais. Os alunos do grupo experimental e do grupo de controle foram avaliados antes e depois da intervenção por meio do DIT. Os resultados demonstraram que o índice de raciocínio pós- convencional foi significativamente superior ao do grupo de controle (que assistia aulas de Educação moral e cívica ministradas por um professor da escola).

Lins e Camino (1993) realizaram sua intervenção com estudantes universitários, em encontros semanais de 50 minutos de duração, que duraram 7 meses. Neste caso, foram formados dois grupos: um de Exposição (onde eram apresentadas as teoria de desenvolvimento moral de Piaget e Kohlberg) e um grupo de debate (onde eram realizadas discussões de dilemas morais). Ambos os grupos foram avaliados antes e depois da intervenção por meio do DIT. Os resultados revelaram que o debate favoreceu o desenvolvimento moral e a simples exposição teórica não.

Rique e Camino (1997) realizaram sua proposta de educação moral com estudantes de 14 a 16 anos de idade, da 8a série do ensino fundamental (denominado atualmente no Brasil de 9o ano). Os autores objetivaram, além de investigar o desenvolvimento moral, verificar a influência do nível de consistência do pensamento moral no avanço esperado do raciocínio moral. Tanto o grupo de intervenção quanto o de controle foram avaliados antes e depois da intervenção por meio do DIT. Os resultados indicaram que os alunos do grupo experimental apresentaram as médias mais altas no pós-teste quando comparados aos do grupo de controle; e, os resultados ainda demonstraram que o único grupo que apresentou avanço, quando foram comparadas as médias antes e depois, foi o grupo experimental inconsistente, o que revelou, na análise de Rique e Camino (1997), que o momento mais oportuno para se fazer intervenção é aquele em que o sujeito demonstra inconsistência no seu julgamento moral.

Souza (2008), por sua vez, realizou uma intervenção junto a universitários de psicologia, com objetivos didáticos, não se propondo promover, especificamente, o amadurecimento moral. Neste trabalho, a autora estimulou os alunos a elaborarem dilemas morais hipotéticos ou reais sobre o tema que quisessem, assim como a elaborarem dilemas que envolvessem o psicólogo e sua profissão. Com esta proposta, a autora pode propiciar aos seus alunos a aprendizagem de uma importante teoria do desenvolvimento cognitivo, a vivência da técnica de desenvolvimento moral, o exercício da criação de dilemas morais

(tanto no âmbito geral como profissional) e a discussão de temas morais e éticos, tanto da esfera universal quanto ético profissional específico da Psicologia.

Uma forma de intervenção um pouco mais ambiciosa e, por isso, mais difícil de efetivação, corresponde à proposta kohlberguiana da criação de uma comunidade justa. Mais do que desenvolver individualmente os estudantes, Kohlberg propôs uma mudança na estrutura do ambiente escolar, com a promoção da democratização das decisões e o debate de dilemas morais reais do cotidiano escolar.

Em seu trabalho sobre “a comunidade justa”, em um kibbutz em Israel, Kohlberg, Power, Higgins (1989/1997) observaram que o forte senso de comunidade tinha uma influência direta no desenvolvimento moral das crianças do kibbutz. Mais precisamente, a ligação social, o senso de coletivismo, o cuidado com o outro e com o grupo, o papel democrático do professor foram constatações elencadas no kibbutz que serviram de inspiração para Kohlberg desenvolver um método de prática democrática coletivista, que teve como primeiro palco de atuação uma penitenciária feminina.

Kohlberg, Hickey e Scharf (1980) criaram a primeira comunidade justa, no presídio feminino de Niantic State Farm, nos EUA. Neste trabalho, eles constataram que a eficácia do programa estava sendo posto à prova pela atmosfera da prisão. Diante disto, os autores tentaram mudanças na estrutura das relações sociais do presídio, com a inclusão do pessoal da segurança nas discussões para a criação de acordos. Após a intervenção, Kohlberg, Hickey e Scharf (1980) encontraram maior coerência entre o pensamento e a prática das detentas.

Em 1974, Kohlberg transpôs a sua idéia de comunidade justa, realizada no presídio feminino de Niantic State Farm, para a Escola de Cluster, sendo, portanto, a primeira comunidade justa na escola.

Na escola de Cluster, conforme relata Reimer (1989/1997), professores e alunos eram considerados membros iguais, com os mesmos direitos e privilégios, e comungavam do

mesmo projeto: construir uma comunidade justa. Neste sentido, a igualdade referia-se a uma mudança de postura tanto dos alunos, quanto dos professores. Os docentes eram convidados a não mais impor regras unilateralmente, assim como, a se submeter à vigilância e à disciplina da comunidade para fatos como atrasos, perda do controle, linguagem rude ou abusiva, etc. No caso da violação das regras, os professores, de forma semelhante aos alunos, eram conduzidos a um Comitê de Disciplina. Sobre a violação das regras por parte dos professores, Reimer (1989/1997) descreve um incidente em que um professor, Norman, foi levado ao Comitê de Disciplina, acusado de pisar e quebrar o gravador de um aluno. No relato está escrito que o professor se defende dizendo que havia dito várias vezes a um aluno que parasse de tocar o gravador alto; sua perda de controle deu-se quando o aluno foi até a frente, por trás do professor, e, de repente, tocou a música em alto volume no seu ouvido. Ao analisar o fato, o Comitê de Disciplina empatizou com Norman, mas, apesar disso, achou que ele tinha reagido exageradamente. Assim sendo, recomendaram que Norman dividisse o custo do conserto do gravador com o aluno. Sobre este caso, é interessante registrar a fala de um dos alunos, que revela que havia uma tentativa de se julgar com justiça, independente do grupo de pertença:

"Esta foi a primeira vez que Norman fez esse tipo de coisa, tá ok. E ele admitiu que foi uma