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CAPÍTULO I – DESENVOLVIMENTO MORAL

1.4. Críticas a teoria kohlberguiana

Outras perspectivas foram levantadas acerca do desenvolvimento moral, algumas delas pelos próprios orientandos de doutorado de Kohlberg. Esses autores além de acrescentarem e refinarem a teoria kohlberguiana, teceram algumas críticas e contestaram suas idéias.

Inicialmente, destacar-se-á Turiel (1983), o primeiro orientando de doutorado de Kohlberg, que discordou da idéia kohlberguiana (1984) de que as pessoas primeiro passam pelo nível pré-convencional (moral heterônoma), para depois atingirem o convencional (internalização das normas sociais), para, só depois, alcançarem o nível pós-convencional (princípios autônomos de consciência). A partir desta crítica Turiel propôs a existência de três domínios, que se desenvolvem paralelamente, desde a infância: o pessoal (aquele em que a escolha não tem implicações sociais nem morais, como o corte de cabelo que uma pessoa adota), o convencional (aquele que se refere às regras sociais arbitrárias, como a maneira de comer com talheres) e o moral (aquele que implica na consideração do bem e do mal da outra pessoa). Na concepção de Turiel (1983), crianças pré-escolares já são capazes de diferenciar meras convenções sociais de princípios morais obrigatórios (semelhante ao que Kohlberg chama de pensamento pós-convencional), conforme este exemplo: derrubar uma criança do

balanço é considerado mais grave do que comer com as mãos, mesmo por crianças do maternal.

O orientando de Turiel, por sua vez, Larry Nucci, em seus estudos (Nucci, Camino & Sapiro, 1996; Nucci, Turiel & Encarnación-Gawrich, 1983) apoiou as idéias de Turiel e constatou que a distinção entre convenção e moralidade aparece desde cedo nas mais diferentes culturas, segundo resultados encontrados em mais de 50 estudos desenvolvidos desde 1975 (Nucci, 2001). Essas pesquisas indicaram que tanto crianças, como adolescentes e adultos tratam violações da moralidade, tais como causar mal a outra pessoa, como erradas, independente de existir uma norma estabelecida. Note-se que esta distinção entre moralidade e convenção foi obtida no Brasil (Nucci, Camino & Sapiro, 1996), assim como nas Ilhas Virgens (Nucci, Turiel & Encarnación-Gawrich, 1983), Índia, Israel, Coréia, Nigéria, Zâmbia, dentre outros contextos culturais (Nucci, 2001).

O antropólogo Richard Shweder, juntamente com seus colaboradores (Shweder, Mahapatra & Miller, 1987), analisando a questão da cultura de uma perspectiva oposta a dos kohlberguianos e neokohlberguianos, ressalta que as diferenças culturais explicam maior variância do que os domínios de Turiel ou os estágios de Kohlberg, argumentando que encontrou evidências que os participantes indianos não distinguem transgressões convencionais das morais: considera-se tão grave uma viúva comer peixe quanto machucar uma criança, empurrando-a do balanço. Apoiando esses resultados, Haidt, Koller e Dias (1993), usando histórias como a de uma família que come o seu cachorro de estimação, depois que o cão foi morto por um carro, constataram que o julgamento moral varia em função da cultura. Contudo, de forma surpreendente, as diferenças culturais entre as classes sociais dentro de cada país foram maiores do que as diferenças entre os países (EUA x Brasil). A respeito da crítica do antropólogo e seus colaboradores, Kohlberg, Levine e Hewer (1983) a rebatem afirmando que apesar das aparentes diferenças culturais, a moral possui uma mesma

base racional, revelada em diferentes estudos realizados em várias culturas, nos quais se verificou a ordem invariante e progressiva dos estágios morais.

Simpson (1974, citado por Kohlberg, Levine & Hewer, 1983), por sua vez, critica a teoria kohlberguiana nos seguintes aspectos: (1) a falta de evidência empírica para comprovar a seqüência de estágios em várias culturas; (2) a ausência dos estágios 5 e 6 nas culturas orientais; (3) a possibilidade dos estágios 5 e 6 não refletirem uma estrutura do pensamento, mas sim uma sofisticação lingüística; e (4) a possibilidade de ocorrerem falhas de avaliação pelo fato do conteúdo de dilemas morais não serem familiares aos sujeitos testados e não provocarem o conflito esperado. Em relação a essas críticas, Kohlberg et al. (1983) defendem- se afirmando que: os estágios 5 e 6 não precisam ser e não são culturalmente universais; o fato de não atingir o pensamento pós-convencional também é observado na cultura ocidental; o estágio 5 também foi encontrado em vários países orientais. Sobre a crítica da linguagem sofisticada atrelada ao pensamento pós-convencional, Kohlberg et al. (1983) comentam que o sistema de avaliação aberto não exclui respostas simples sem sofisticação lingüística, desde que se enquadre no pensamento pós-convencional. Em relação à crítica sobre a não- familiaridade do conteúdo de dilemas morais, Kohlberg et al. (1983) rebatem dizendo que em pesquisas transculturais foram realizadas adaptações dos dilemas.

Sullivan (1977, citado por Kohlberg, Levine & Hewer, 1983) também aponta uma série de críticas à teoria kohlberguiana, dentre as quais dar-se-á destaque a apenas uma que está mais diretamente relacionada a presente tese: a teoria é insuficiente por não considerar fatores como emoção e imaginação moral. Em relação a esta crítica, Kohlberg et al. (1983), consideram-na construtiva e afirmam concordar com Sullivan sobre o papel dos processos afetivos na construção do julgamento moral, devendo, neste sentido, ser ampliada para estudos que contemplem aspectos afetivos.

Também criticando a negligência da teoria de Kohlberg em relação às questões afetivas, Hoffman (1991) chama a atenção para a necessidade de incorporar a motivação e a empatia na análise de questões morais. Embora ele não negue que a reflexão também esteja presente no processo de deliberação moral, em sua perspectiva, é a motivação e a empatia que determinam, em muitos casos, como o indivíduo deve agir em situações da vida real.

Apoiando a defesa de Sullivan e Hoffman sobre o papel da afetividade no desenvolvimento moral, Camino (2009) considera oportuno o questionamento sobre a ausência de componentes afetivos na avaliação do raciocínio moral. De acordo com essa autora, mesmo que o interesse maior seja a análise do raciocínio, não se pode esquecer a influência da afetividade sobre o julgamento moral – o que já foi encontrado em estudos empíricos (Camino, Camino & Leyens, 1996; Sampaio, Monte, Camino & Roazzi, 2008).

Também fundamentada em pesquisas realizadas sob sua orientação, Camino (2009) critica a idéia do avanço do pensamento moral de um estágio para outro, defendido por Kohlberg (1969). Em estudos realizados por Camino e colaboradores (Lins & Camino, 1993; Rique & Camino, 2007), contrariando a teoria kohlberguiana, os autores observaram, por intermédio da educação moral, que era possível, durante o período de um ano, que adolescentes e jovens adultos avançassem mais de dois estágios de desenvolvimento moral.

Gilligan (1982), por sua vez, fazendo uma análise dos estágios morais kohlberguianos em função do gênero, põe em cheque a questão do universalismo da teoria kohlberguiana. Na sua perspectiva, os homens tendem a ver a moralidade como uma questão de justiça, baseada em princípios abstratos e raciocínios que permitem tratar todos os indivíduos justamente, e as mulheres vêem a moralidade em termos da compaixão, das relações humanas e das responsabilidades especiais para com aqueles a quem se estima. Na leitura de Gilligan (1982) não se pode falar em mais ou menos moral, mas em morais diferentes. Ademais, Gilligan destaca críticas metodológicas que levaram a dados empíricos que demonstraram

equivocadamente a superioridade do pensamento moral masculino. Sobre as críticas teóricas da autora, Kohlberg, Levine e Hewer (1983) julgam pertinente sua ponderação acerca de uma outra orientação moral voltada para o cuidado, típica das mulheres, contudo, eles rebatem sua crítica metodológica, lembrando que: (1) foram realizados outros estudos em que se incluiu a amostra feminina; e (2) foram realizadas reformulações no sistema de avaliação do MJI, no sentido de priorizar o raciocínio moral e não seu conteúdo.

Para finalizar, tem-se James Rest, o autor de um dos instrumentos que será utilizado nesta tese – Defining Issues Test (DIT). Rest (1976) levanta algumas críticas a teoria kohlberguiana da moral, dentre as quais destaca-se aqui a referente ao desenvolvimento moral, defendido por Kohlberg como ocorrendo em uma seqüência invariante de estágios sucessivos, sem mistura de estágios. Em lugar da seqüência hierarquizada de estágios puros, Rest (1976) preconiza uma seqüência formada por um estágio dominante e outros estágios adjacentes. Em relação a essa seqüência, Rest, Navaez e Thoma (1999) apresentam evidências empíricas, a partir de uma amostra de 45.800 participantes, usando o instrumento DIT. Além dessas evidências, as pesquisas com o DIT revelaram que: (1) o pensamento pós-convencional existe; (2) o DIT se estrutura em três fatores, coerentes com a teoria kohlberguiana – interesse pessoal, manutenção das normas e pensamento pós-convencional; (3) estudos transculturais revelam que o pensamento pós-convencional não é uma exclusividade das elites acadêmicas ocidentais; (4) estudos de intervenção comprovam a ontogênese para cima.

Até o presente momento, foi apresentado um breve percurso historio sobre a noção de moral, dando destaque as teorias de Piaget e Kohlberg, bem como as sugestões e críticas à teoria kohlberguiana. Nas próximas seções serão apresentados e discutidos tópicos mais relacionados ao plano empírico, dando-se destaque a avaliação no campo da moralidade e a educação moral.