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PÚBLICA DE COLETA SELETIVA

2 BUSCANDO PISTAS NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Para atingir o objetivo proposto de compreender quais representações sociais os usuários constroem sobre a coleta seletiva em Estrela e quais possibilidades as representações sociais presentes nos discursos apontam como estratégias de comunicação para a educação ambiental, partiu-se dos pressupostos teóricos de Melucci, Verón, Mazzarino e Reigota.

Para MELUCCI (2001, 1996), o poder se situa nas linguagens e nos códigos que organizam os fluxos de informação, nos quais as ações coletivas representam uma mensagem da/e para a sociedade, ao mesmo tempo em que revelam os dilemas que determinada sociedade vive.

Somos continuamente chamados a produzir, através de nossas escolhas e decisões, as relações e o campo de nossa própria ação social. Isto significa que a vida social perde sempre o seu caráter natural, seu caráter de dado objetivo, e se torna sempre mais um produto de ações e relações. Neste campo assim definido, o recurso fundamental que circula neste sistema é o recurso da informação. Informação é o recurso essencial para fazer funcionar sistemas complexos caracterizados pela incerteza. Reduzimos a incerteza produzindo informações, e nossas decisões modificam continuamente aquelas informações disponíveis [….] os conflitos sociais mudam de natureza, mudam de qualidade. Os conflitos da sociedade industrial […] eram conflitos que se articulavam em torno de dois elementos fundamentais: de classe e de exclusão da cidadania. […] na sociedade contemporânea, coexistem conflitos pós-industriais, e conflitos propriamente típicos da sociedade industrial, bem como conflitos que são descontínuos, diversos qualitativamente daqueles precedentes […] São conflitos que dizem respeito à capacidade ou à possibilidade dos atores de definirem o sentido das suas ações. Num sistema complexo […] os atores para poderem se mover neste sistema, para poderem decidir, escolher, passar de um sistema a outro, transferir no tempo suas capacidades, reduzir o campo de possibilidades,

devem dispor de recursos que lhe permitam moverem-se como sujeitos autônomos da ação […] recursos de educação, conhecimento e informação: são recursos do tipo cognitivo, relacional, comunicativo que permitem a esses sujeitos, tanto individuais quanto coletivos, agirem como sujeitos autônomos capazes autonomamente de produzir, receber e trocar informações (MELUCCI, 1996, p. 23-25).

Os usuários do sistema de coleta seletiva são sujeitos que vivem em comunidade, intercambiam informações entre si e com o sistema social em que estão inseridos, formando relações de interdependência alimentadas por trocas simbólicas. São relações de comunicação, nas quais os interlocutores precisam ter algum grau de reconhecimento entre seus discursos para permanecerem no processo comunicacional e, consequentemente, manterem a interação social e o senso de comunidade. É preciso reconhecer-se no coletivo para construir-se como pessoa. Entende-se, portanto, que a participação no processo de coleta seletiva é parte deste processo de construção de cada pessoa enquanto cidadão de um dado município, no qual os recursos informacionais permeiam os seus modos de ação/separação de resíduos e o nível de autonomia de cada um.

Para MELUCCI (2001, p. 59), os atores sociais são “terminais de redes informacionais” de um sistema complexo. Os indivíduos “têm de ser capazes de produzir e receber informação. Consequentemente, o sistema deve aperfeiçoar a autonomia dos indivíduos e grupos e sua capacidade para se tornarem terminais efetivos de redes informacionais complexas”. Seguindo esse raciocínio, no caso da coleta seletiva, espera-se que cada morador compreenda as informações fundamentais para descartar adequadamente seus resíduos: no dia previsto e corretamente separados (secos e úmidos).

Os recursos informacionais possibilitam algum controle social. Por isso, com disseminação de informação sobre a coleta seletiva adequada ao receptor/ consumidor/morador ou público-alvo de uma campanha de sensibilização e/ou educação ambiental, pode-se vir a controlar sua ação na forma desejada pelo poder público, no que se refere ao descarte dos resíduos. As questões que se colocam são: como fazer com que a pessoa participe da coleta seletiva a partir da produção de um sentido para a ação de descartar corretamente os resíduos? Como sensibilizar este receptor/consumidor formal de informação ambiental para adotar entre suas práticas socioculturais ações ecologicamente corretas, que afetam toda uma cadeia de produção? Como determinar quais os códigos mais adequados para gerar um consenso mínimo sobre uma atitude cotidiana simples, aparentemente sem grandes consequências: separar o lixo? Como organizar/ofertar novos sentidos sobre determinada realidade social para gerar novas práticas ambientais no cotidiano? Entende-se que as respostas devem surgir das representações sociais feitas pelo público que se quer atingir sobre a problemática em questão.

Para MELUCCI (1996, p. 204), o modo “como a questão é nomeada, especificada e definida é, desde já, uma questão fundamental, porque condiciona as opções políticas e econômicas, e as decisões de alocar recursos de um modo ou de outro”. Nesse sentido, é necessário investigar como estão sendo nomeadas as

questões relacionadas à coleta seletiva de resíduos sólidos domésticos urbanos no Vale do Taquari, a partir da análise dos discursos dos atores da comunidade. MELUCCI (1996, 2001), em suas obras, propõe refletir criticamente na fronteira entre o individual e coletivo no espaço de aprendizagem, na relação entre a subjetividade do receptor e oferta de sentidos pelo seu interlocutor. O conflito surge quando os interlocutores não reconhecem o discurso um do outro (poder público e morador), e assim se recusa a reconhecer este outro. Assim, estudar o reconhecimento e as recusas dos moradores de uma comunidade sobre o discurso de coleta seletiva pode apontar para as formas como está se construindo uma identidade ambiental coletiva em determinada comunidade.

Aqueles que separam corretamente os resíduos acabam formando uma tribo, um grupo social, diferente daqueles que não separam. A questão é: como seduzir o segundo grupo para participar das práticas ambientais do primeiro grupo? Trata-se de encontrar estratégias de sedução, a partir de compreensão das lógicas discursivas e de ação dos indivíduos da comunidade onde se quer fazer o processo da coleta seletiva funcionar.

Conhecer as representações sociais que esses atores constroem sobre o meio ambiente, de forma geral, e especificamente, sobre os processos diversos que envolvem descarte dos resíduos é, portanto, um caminho necessário para planejar estratégias de comunicação para a sensibilização de atitudes mais sustentáveis no cotidiano comunitário. Segundo REIGOTA (1998, p. 14), “o primeiro passo para a realização da educação ambiental deve ser a identificação das representações das pessoas envolvidas no processo educativo”. Portanto, “a compreensão das diferentes representações sociais deve ser a base de busca de negociação e solução dos problemas ambientais” (REIGOTA, 1998, p. 20).

As representações sociais se explicitam em ações e discursos que os sujeitos constroem a partir de processos comunicacionais em que se estabelecem e são pactuados sentidos sobre a realidade social. Baseada em pressupostos teóricos da sociossemiótica proposta por VERÓN (1980, 1996, 1997), MAZZARINO (2005, p. 110) afirma que:

A relação comunicacional é, assim, uma experiência sociocultural. A interação comunicacional é um processo aberto, onde o indivíduo nunca sabe ao certo se aquilo que lhe é dado ver é aquilo que vê, por isso seus limites estão constantemente sujeitos a transformações, transposições, alargamentos e retraimentos. Outro fator que define a abertura das experiências interativas comunicacionais é a intervenção da diversidade de experiências e de papéis (mais ou menos permanentes ou transitórios) desempenhados pelo indivíduo, os quais definem a vida cotidiana e delineiam a sua identidade, assim como suas relações sociais. Desencontros entre quadros de experiência dos sujeitos em interação podem gerar equívocos e manifestações imprevistas. Cabe ao pesquisador observar as regras processuais da interação, que fazem intervir as estratégias e os objetivos visados, assim como as expectativas associadas aos comportamentos adotados pelos atores sociais inseridos no sistema social, onde diferentes universos simbólicos (que formam os campos sociais) estão em interação.

A análise dos discursos que circulam nos processos de comunicação ajuda a compreender como os moradores de um município constroem sentidos sobre a realidade social da coleta seletiva. Os discursos expõem marcas sobre as quais o pesquisador se debruça a fim de compreender as lógicas que os sujeitos fizeram uso no processo de construção de sentidos.

O caráter social das representações, segundo REIGOTA (1998), está em contribuir com o compartilhamento de princípios que orientem as interações comunicacionais entre grupos, a fim de que possam compreender e transformar a realidade.

No meu ponto de vista, é por intermédio de relações intersubjetivas e comunicativas entre pessoas com diferentes concepções de mundo e relações cotidianas com o meio natural e construído; características de vida social e afetiva; acesso a diferentes produtos culturais; formas de manifestar as suas ideias; conhecimento e cultura; dimensões de tempo e expectativas de vida; níveis de consumo e de participação política que poderemos estabelecer diretrizes mínimas para a solução dos problemas ambientais que preocupam todos. O desafio da educação ambiental é sair da ingenuidade e do conservadorismo (biológico e político) a que se viu confinada e propor alternativas sociais, considerando a complexidade das relações humanas e ambientais (REIGOTA, 1998, p. 28).

A partir desses pressupostos teóricos questiona-se: como moradores estão se comportando em relação à política pública da coleta seletiva? Quais representações sociais constroem sobre esta problemática intrinsecamente relacionada às suas práticas de consumo? Para buscar as respostas a essas questões, é preciso contextualizar a situação dos resíduos sólidos domésticos.

3 CONTEXTO BRASILEIRO DA COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS