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O TRATAMENTO JURÍDICO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DOMÉSTICOS NO VALE DO TAQUARI: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NOS

3 COMENTÁRIOS SOBRE A LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL

Nas últimas décadas é perceptível a preocupação, tanto por parte da sociedade brasileira quanto do G overno, com as questões ambientais. É crescente o número de pessoas que vêm se preocupando em economizar água e energia elétrica, diminuir a produção de lixo, promover a separação de lixo e evitar o desperdício.

No contexto brasileiro, uma solução mais concreta começou a ser desenvolvida no final da década de 30, com a implementação da política ambiental brasileira, quando o Estado passou a se preocupar com a exploração dos recursos naturais. Porém, somente no final da década de 70 os movimentos ambientais começaram a se manifestar em relação à degradação da água, solo, queimadas, poluição e desmatamento. A partir disso desenvolveu-se nova legislação ambiental brasileira.

Na década de 80, entrou em vigor a Lei Federal nº 6.938, que institui o Sistema Nacional de Meio Ambiente e estabeleceu os objetivos, princípios, diretrizes, instrumentos, atribuições e instituições da política ambiental nacional. Conforme MACHADO (2007), a entrada em vigor dessa lei, definiu legalmente meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (artigo 3º, I). A temática dos resíduos sólidos está estreitamente ligada a essa definição, uma vez que seus impactos repercutem diretamente no meio ambiente.

Segundo a definição apresentada na futura Política Nacional de Resíduos, Projeto de Lei nº 203, de 1991 (BRASIL, 2007), artigo 4º, inciso I, resíduos são

[…] materiais resultantes de processo de produção, transformação, utilização ou consumo, oriundos de atividades humanas ou animais, ou decorrentes de fenômenos naturais, a cujo descarte se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder.

Hoje a definição de resíduos sólidos oferecida pelo dispositivo é extraída da Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 5, de 1993 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 1993):

Art. 1º - Para os efeitos desta Resolução definem-se: I - Resíduos Sólidos: conforme a NBR nº 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - Resíduos nos estados sólido e semissólido, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola,

de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis, em face à melhor tecnologia disponível.

Já na Lei Estadual 9.921/93 (RIO GRANDE DO SUL, 1993), que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos Domésticos no Rio Grande do Sul, a definição de resíduos sólidos é trazida pelo artigo 2º, in verbis:

Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, considera-se como resíduos sólidos aqueles provenientes de: I - atividades industriais, atividades urbanas (doméstica e de limpeza urbana), comerciais, de serviços de saúde, rurais, de prestação de serviços e de extração de minerais; II - sistemas de tratamento de águas e resíduos líquidos cuja operação gere resíduos semilíquidos ou pastosos, enquadráveis como resíduos sólidos, a critério do órgão ambiental do Estado. III - outros equipamentos e instalações de controle de poluição.

Apesar das definições legais, segundo MACHADO (2007, p. 561), “os resíduos sólidos têm sido negligenciados tanto pelo poder público como pelos legisladores e administradores, devido provavelmente à ausência de divulgação de seus efeitos poluidores”. Tal negligência pode estar relacionada à falta de definição das competências para gestão dos resíduos, apesar de a Constituição Federal prever em seu artigo 23 as chamadas competências materiais, ou seja, aquelas de caráter comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

No que tange às competências federais, o Brasil ainda não possui diretrizes para gestão e tratamento adequados dos resíduos sólidos, já que o Projeto de Lei 1991/2007 (apensado ao Projeto de Lei 203/1991) encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. Com base nesta situação utilizam-se resoluções do CONAMA e as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) números 10.004, 11.174 e 12.235 para gestão e classificação dos resíduos.

De modo geral, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

Partindo desse pressuposto, a sociedade como um todo possui competências referentes à manutenção, preservação e cuidados com o meio ambiente.

Ainda no que diz respeito à efetividade do direito acima mencionado, é incumbido ao Poder Público, segundoparágrafo 1°, incisos V e VI do referido artigo, o controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida e meio ambiente, além de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Não obstante, o parágrafo 3° trata ainda das condutas

e atividades lesivas ao meio ambiente, pois elas sujeitarão os infratores, sendo eles pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

No que se refere às competências de cada ente, a Constituição Federal procurou dividi-las em dois grupos, a legislativa e a administrativa. Dessa forma, a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal possuem definidas as suas competências em matéria ambiental.

Apesar dessa divisão, observa-se que os artigos 21, 23 e 24, da Constituição Federal, fazem ainda uma distinção entre as competências exclusivas, comuns e concorrentes da União. tratando como exclusivas aquelas que somente podem ser exercidas pela União, como comuns aquelas em que todos os entes atuam em cooperação e reciprocidade administrativa uns com os outros e, por fim, as concorrentes, pelas quais os Estados e o Distrito Federal podem legislar, porém nos moldes estabelecidos pela União.

Em âmbito estadual, o Rio Grande do Sul pode ser considerado pioneiro no que se refere à implementação de legislação ambiental, mais ainda em relação à temática abordada na discussão. O estado implantou, no ano de 1993, com a publicação da Lei 9.921, a Política Estadual de Resíduos Sólidos. Essa lei, no decorrer dos seus vinte e seis artigos, define, como se viu anteriormente, o conceito de resíduo e como deve ser a destinação adequada dos resíduos, o que vem a ser considerado resíduo sólido, o sistema de gerenciamento desses resíduos, o órgão fiscalizador e as sanções para quem a descumprir.

E, ainda, tratando a questão ambiental de forma global, no âmbito estadual, em 2000, entrou em vigor a Lei Estadual no 11.520, que instituiu o Código Estadual de Meio Ambiente, dispondo em seu capítulo XXI, artigos 217 a 225, regras específicas sobre o tratamento e disposição dos resíduos sólidos, desde seu gerenciamento até seu acondicionamento final.

Traçados os panoramas federal e estadual acerca da legislação relativa aos resíduos sólidos, fazem-se a algumas considerações sobre o papel dos municípios em relação a essa temática.

3.1 Competência municipal

De acordo com MEIRELLES (2003, p. 739), o município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, e, como tal, foi dotado da devida autonomia, conforme previsão do artigo 18 da Constituição Federal.

Como forma de organização, após sua criação, os municípios devem instituir suas Leis Orgânicas que estabelecerão, dentre outras questões, as funções de cada cargo dos poderes Executivo e Legislativo e as competências municipais, contemplando, assim, aspectos complementares às leis federal e estadual. Reiterando o disposto, MEIRELLES (2003, p. 329) afirma que a competência dos municípios de organizar e manter serviços públicos locais é reconhecida constitucionalmente como um dos princípios asseguradores de sua autonomia administrativa.

Os municípios podem usar de diferentes instrumentos como modo de organização, entretanto a forma legal é a mais apropriada. Algumas normas são consideradas de fundamental importância. Dentre essas destacam-se os dez instrumentos normativos municipais, abaixo caracterizados sucintamente:

a. Lei Orgânica Municipal: é uma lei genérica que deve ser elaborada em cada município de acordo com os limites impostos pela Constituição Federal e pelo estado no qual o município se localiza, e ser aprovada em dois turnos pela Câmara de Vereadores, e pela maioria de dois terços de seus membros. Ou seja, é um conjunto de normas jurídicas que regem o município;

b. Plano Diretor: é uma lei municipal que estabelece como deve ser feita a ocupação do território municipal e tem por finalidade regulamentar o uso do direito de propriedade;

c. Código Tributário: serve como forma de determinar a distribuição da carga tributária dentro do município, porém de acordo com o que regulamenta o Código Tributário Nacional;

d. Lei Orçamentária: serve de base para a elaboração de orçamentos estabelecendo as despesas e receitas autorizadas do município;

e. Lei de Uso e Ocupação do Solo ou Lei do Zoneamento: prevê a divisão do município em diferentes áreas de uso e regula a relação das edificações com seu entorno imediato e com o território municipal, assegurando assim os interesses coletivos sobre os individuais;

f. Lei de Parcelamento do Solo: responsável pela divisão do solo para fins urbanos. Em se tratando de área rural, a competência na maioria das vezes é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA);

g. Código de Obras e Edificações: trata das regras gerais e também das específicas a serem observadas e cumpridas na elaboração de projetos, autorizações de licenciamentos e execuções de obras de edificações nos limites do município;

h. Código de Posturas/Código de Limpeza Urbana: institui as normas disciplinadoras da higiene pública e privada. Estabelece também as normas de localização e funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, bem como as relações jurídicas entre os poderes públicos municipais;

i. Código de Saúde: tem a função de estabelecer as normas a serem cumpridas em relação à saúde pública e dispor sobre a organização, regulamentação, fiscalização e controle das ações e dos serviços de saúde municipais;

j. Código de Meio Ambiente: é o meio pelo qual se estabelecem as normas da política municipal sobre a questão ambiental, fixam-se as políticas ambientais e estabelecem-se normas para a administração, proteção e controle dos recursos ambientais do município.

Após essa breve conceituação, fica claro que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30, I e II, ao prever que o município pode legislar em âmbito local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promoveu um grande avanço. Isoo porque, segundo MENEZES (2007, p. 82)

[…] é inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano, etc., dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional.

Fica evidente que a União e os estados não teriam, portanto, condições de entender as peculiaridades locais de cada município integrante de forma tão clara como o Poder Público Municipal, o que vale para diversas problemáticas, entre elas a questão dos resíduos sólidos domésticos.

4 MÉTODO

Para compreender as legislações municipais sobre resíduos sólidos domésticos, foi realizado um estudo qualitativo. Segundo GIL (1999), a pesquisa qualitativa considera que há um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são processos básicos na pesquisa qualitativa, já que não requerem o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados, sendo o pesquisador o seu instrumento-chave. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem. Utilizou-se também de pesquisa bibliográfica, além da documental. O tratamento de dados ocorreu por meio da análise de conteúdo qualitativa.

A análise de conteúdo identifica ideias-chave de um conjunto de significados explícitos nos discursos dos documentos, ligados ao tema dos resíduos sólidos domésticos. BARDIN (1977, p. 42) conceitua a análise de conteúdo como sendo:

[…] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.

Segundo RICHARDSON (1999), os pesquisadores da análise de conteúdo de viés qualitativo defendem que não se estude apenas a frequência das características presentes na mensagem, mas também as características ausentes. Pode-se também observar a frequência com a qual os elementos aparecem, quais valores explicitam, e se tendem a fazer relações com aspectos positivos ou negativos quando abordam os temas ambientais.

Foram contempladas como elemento de análise as legislações de três municípios do Vale do Taquari: Estrela, Lajeado e Arvorezinha. O tema das legislações será abordado no próximo tópico. Após as análises individuais, é realizada a comparação de como cada um dos municípios se posiciona, legalmente, em relação ao tema dos resíduos sólidos domésticos.

5 ANÁLISE DO TRATAMENTO JURÍDICO DOS RESÍDUOS NOS