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VIOLÊNCIA ESTRUTURAL, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: ESTUDO COMPARATIVO DOS CATADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS

2 VIOLÊNCIA ESTRUTURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

A violência é um fenômeno social que preocupa a sociedade e os governos na esfera pública e privada. Seu conceito está em constante mutação e não é fácil defini- lo. Um conceito mais restrito, pode deixar de fora parte das vítimas, enquanto uma definição muito ampla corre o risco de desfocar as microviolências do cotidiano.

Para CHAUÍ (1999), a violência pode ser definida de forma multifacetada: seria tudo o que vale da força para ir contra a natureza de um ator social, ou seja, todo o ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém e todo o ato de transgressão contra o que a sociedade considera justo e direito. Nesse sentido, para NETO e MOREIRA (1999, p. 34):

[…] a violência não é um fenômeno uniforme, monolítico, que se abate sobre a sociedade como algo que lhe é exterior e pode ser explicado através de relações do tipo causa/efeito como ‘pobreza gera violência’ ou ‘o aumento do aparato repressivo acabará com a violência’. Pelo contrário: ela é polifórmica, multifacetada, encontrando-se diluída na sociedade sob o signo das mais diversas manifestações, que interligam-se, interagem, (re)alimentam-se e se fortalecem.

Na concepção de GALTUNG (1969), a violência se faz presente quando os seres humanos são persuadidos de tal modo que suas realizações efetivas, somáticas e mentais ficam abaixo de suas realizações potenciais.

Muitos estudos foram realizados acerca da conceituação e classificação da violência. Para esta pesquisa, optamos por utilizar a classificação do Relatório Mundial da Organização Mundial da Saúde, o qual categoriza o fenômeno a partir de suas manifestações empíricas, e que nos são trazidas por MINAYO (2005) quando se refere à violência como sendo dirigida pela pessoa contra si mesma: autoinfligida; violência nas relações: interpessoal; e a violência no âmbito sociedade: coletiva.

À classificação da Organização Mundial da Saúde adicionamos o conceito de violência estrutural, que é difícil de ser compreendida e quantificada, pois aparentemente os sujeitos ativos não são facilmente identificáveis. E é justamente por isso que a violência estrutural se perpetua nos processos históricos, se repete e se naturaliza na cultura, sendo responsável por privilégios e formas de dominação. Nesse sentido a maioria dos tipos de violência citados tem sua base na violência estrutural.

Frente a essa generalização do fenômeno da violência não existem grupos sociais protegidos, diferentemente de outros momentos históricos, ainda que alguns tenham mais condições de buscar proteção institucional e individual. Ou seja, a violência não mais se restringe a determinados nichos sociais, raciais, econômicos e/ou geográficos, ela tornou-se fenômeno sem voz e rosto que invade o cotidiano (CHAUÍ, 1999). Essa disseminação social da violência contribui para uma visão reducionista alardeada, principalmente, pelos veículos midiáticos, os quais restringem seu combate a uma simples questão de segurança pública e repressão policial (COSTA, 2005).

Menos reducionista, o conceito de violência estrutural pode ser definido como uma forma de violência camuflada, que sobrevive no âmago dos sistemas sociais e políticos por meio do oferecimento de oportunidades desiguais aos seus membros, privando estes indivíduos da possibilidade de satisfazerem necessidades básicas. Tais condições lhe garantem uma característica de cotidianidade. Diante da restrição da participação política e da exploração econômica, a manifestação da violência estrutural é encarada como “algo normal”, não sendo contestada na maioria das vezes. Invariavelmente o senso comum nem chega a compreender a violência estrutural como uma forma de violência, mas sim como uma “pura e simples incompetência de governantes e responsáveis” (NETO; MOREIRA, 1999, p. 35). Por essa característica, os meios de comunicação acabam por dispensar-lhe um espaço muito menor que o dedicado à criminalidade e à delinquência, dificilmente caracterizando-a como uma manifestação de violência, visão esta que repercute na sociedade.

No momento em que o Estado investe sobremaneira em políticas que privilegiam apenas certos grupos minoritários e restritos vitimiza o restante da população, infligindo violências como miséria, fome e exclusão social. Nesse contexto, as vítimas da violência estrutural ou a aceitam de forma passiva ou a refletem em forma de delinquência.

A violência estrutural demonstra em sua face mais cruel, a instauração de um processo classificatório, seletivo, no qual se decide quais os cidadãos que desfrutarão do bem-estar social e quais que se juntarão à grande massa de excluídos, porém sem conseguir isolá-los – para desgosto de alguns – colocando-os frente a frente diariamente, semeando a intolerância e o medo (COSTA, 2005; NETO; MOREIRA, 1999). Essa condição pode levar o indivíduo violentado pela estrutura do Estado ao cometimento de outras formas de violência, na busca pela satisfação de seus anseios pessoais.

Consequentemente, o Estado, atendendo ao clamor advindo das elites ou dos “cidadãos de bem”, pela visão reducionista antes relatada, passa a reprimir por meio de seu aparato jurídico e policial os que já havia alijado. Assim, “os violentados passam a ser encarados como violentos” (NETO; MOREIRA, 1999, p. 39).

Nesse cenário, no qual a distância entre o poder público e a sociedade tende a ficar mais tênue, resplandece a viabilidade de um maior controle sobre as políticas públicas, principalmente as municipais. Assim, a análise da violência estrutural e de seus aspectos característicos, em nosso caso as condições de grupos de catadores do município de Estrela, passa pela análise da política pública adotada e seus reflexos na realidade local.

Diante das massas de excluídos, mesmo considerando a banalização das diferentes formas de violência, as questões sociais demandam a reflexão e ação frente às suas diferentes necessidades. Evitar o acirramento das questões sociais é tarefa e desafio de todos os setores da sociedade envolvidos na construção da democracia como um valor humano de garantia universal de direitos sociais, políticos e jurídicos. Tal empreitada, no entanto, necessita rever as práticas do passado e do presente, que estão impregnadas do assistencialismo e do clientelismo que têm como pressuposto a manutenção do status quo (NETO; MOREIRA, 1999, p. 51).

A violência estrutural, portanto, refere-se às situações adversas que demonstram a falta de respeito para com o ser humano, a miséria, o trabalho escravo e precoce, a falta de escola, de moradia, de saneamento básico, as quais retratam o Estado brasileiro, denotando que não basta crescer economicamente, e que é indispensável investir em programas de inclusão social.

A violência estrutural requer, em primeiro lugar, a conscientização de sua existência e, consequentemente, a implementação e avaliação de políticas públicas que promovam intervenções efetivas, com a participação social. Logo, o combate à violência estrutural passa pela busca da repartição igualitária de poder e de recursos, restando, por conseguinte, intimamente ligada à teoria do desenvolvimento e da sustentabilidade.

Consideramos que os problemas precisam ser revelados, os programas sociais conhecidos, para que o conhecimento científico possa contribuir na criação de possibilidades para enfrentar, interromper e superar a violência estrutural a partir da construção da cidadania.