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Nesta pesquisa tratamos de depósitos de lixo que são reveladores das visões de mundo das sociedades que os acumulam. Cada mudança no padrão de deposição de lixo corresponde a uma transformação na ordem social vigente, fazendo com que essas áreas sejam particularmente férteis para pesquisa. LIMA (1985) considera a formação dos depósitos históricos como complexa, porque implica em processos que são determinados por uma série de filtros culturais, devido ao dinamismo de uma sociedade. Conforme essa dinâmica, os espaços são ocupados, abandonados, reutilizados, transformados, reciclados, restringidos ou ampliados por meio dos tempos, criando diferentes assentamentos que transformam o espaço e se sucedem logicamente, com frequentes mudanças estratigráficas.

Em sítios históricos trabalhamos com todos os tipos de interferências antrópicas e naturais, como descartes, abandonos, perdas, escombros, entulhos, demolições, desabamentos. Para LIMA (1989, p. 207):

[…]a compreensão dos processos geradores, seletivos e deposicionais dos artefatos, bem como a análise da sua distribuição espacial são determinantes para essa definição. Raramente eles estão dispostos primariamente, na medida em que acompanham toda essa dinâmica, ao mesmo tempo em que dela são um testemunho. Não devem, entretanto, ser desprezados por não estarem mais em seus contextos originais, e sim decifrados com referência à maneira como foram deixados; se corretamente decodificados, mantêm-se como uma valiosa fonte de informação. Por exemplo, objetos de uso doméstico que não se encontram mais no interior de uma área de habitação não perdem seu valor informativo se forem recuperados num entulho; o que importa no caso é a correta identificação e interpretação do seu modo de deposição.

No Vale do Taquari, nota-se também a tendência de não se desfazer completamente de resíduos como vidros, a fim de utilizá-los posteriormente. Muitos desses materiais, em determinados períodos, eram de difícil acesso, contribuindo para o seu armazenamento. Outro aspecto de diferenciação social era a utilização, nas áreas rurais, do resíduo orgânico como alimento de animais domésticos (porcos e galinhas) como aparece em alguns relatos; ao passo que em zonas urbanas as evidências de “lixeiras” estão nos fundos das casas. Cuidados com a saúde e com a aparência são evidenciados em vidros, nacionais ou importados, de unguento e óleo para cabelo e em frascos de perfume e cosméticos.

Um aspecto observado em algumas das residências foi a disposição temporal dos objetos, estando os mais antigos em locais distantes da entrada do sótão, e os mais recentes próximos da abertura. Outras residências possuíam um caráter de disposição por tipo onde objetos resistentes como vidros, metais, talheres, recipientes de cola e remédio, ficam mais afastados da entrada e objetos mais sensíveis, como roupas e papéis, permanecem próximos da entrada.

Para TOCCHETTO (2005), as práticas de descarte de lixo nos contextos das unidades domésticas - ou “maneiras de fazer com” os refugos - são como condutas recursivas na vida cotidiana, expressões de experiências compartilhadas ou universalizantes. Depositar o lixo produzido no quintal das residências, como observado nos contextos arqueológicos estudados, é uma atividade rotineira, repetitiva, que se realiza de maneira semelhante dia após dia. Porém, o caráter rotinizado dessa prática não reduz sua dimensão reflexiva.

No campo do cotidiano, percebem-se manifestações sutis de resistência, de transgressões, invisíveis a olhos menos atentos. Nesse contexto, são identificados comportamentos resultantes da apropriação de valores, discursos e práticas manipulados por grupos de interesses econômicos e políticos. Dessa forma, além da descrição de atividades ou experiências vividas, um estudo crítico sobre aspectos da vida cotidiana relacionado ao descarte de resíduos na contemporaneidade deve

contemplar o desenvolvimento sócio-histórico em que os grupos humanos em estudo estão inseridos, e o seu papel desempenhado na constituição da experiência social de sujeitos ativos.

REFERÊNCIAS

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