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COTIDIANO, CONSUMO E PRÁTICAS AMBIENTAIS NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

4 PRÁTICAS COTIDIANAS E LÓGICAS DE CONSUMO

A população do Vale do Taquari é de 316.325 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007). A FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA (2006) aponta que o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) médio da região é de 0,736. Estrela, município no qual se realizou o estudo empírico, ocupa a 29ª posição no estado no ranking do Idese.7 Trata-se de um dos municípios mais antigos da região, colonizado por imigrantes alemães e distante 113 km de Porto Alegre, capital do Estado. Conforme dados do IBGE (2007), a cidade possui área geográfica de 184 km² e população total de 29.071 habitantes, dos quais 86,6% vivem em áreas urbanas. Sua economia é baseada principalmente na indústria, seguida do comércio e do setor primário.

Dada a natureza do artigo, na abordagem desse contexto utilizaram predominantemente metodologias qualitativas. Como técnicas e procedimentos operacionais fireram-se uso de pesquisa bibliográfica, observação, entrevistas

6 Segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE), o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico

(IDESE) abrange quatro blocos temáticos: Educação; Renda; Saneamento e Domicílios; e Saúde.

7 Segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE), “o Idese (Índice de Desenvolvimento

Socioeconômico) é um índice sintético, inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que abrange um conjunto amplo de indicadores sociais e econômicos classificados em quatro blocos temáticos: Educação; Renda; Saneamento e Domicílios; e Saúde. […] o Idese varia de zero a um e, assim como o IDH, permite que se classifique o Estado, os municípios ou os Coredes em três níveis de desenvolvimento: baixo (índices até 0,499), médio (entre 0,500 e 0,799) ou alto (maiores ou iguais que 0,800)” (FEE, 2008).

semiestruturadas e análise de conteúdo. Para a compreensão das questões colocadas, realizaram-se entrevistas com quatro dezenas de consumidores no município. A amostra é do tipo não probabilística (os sujeitos são escolhidos por determinado critério) e intencional, sendo os consumidores escolhidos por acessibilidade. Segundo VERGARA (2004, p. 51), podem-se selecionar os informantes por acessibilidade e/ ou por tipicidade: “Por acessibilidade: longe de qualquer procedimento estatístico, selecionam-se elementos por facilidade de acesso a eles” e “[…] por tipicidade: constituída pela seleção de elementos que o pesquisador considere representativos da população-alvo, o que requer profundo conhecimento dessa população.” A partir dessas considerações, houve a busca de sujeitos-tipos entre os consumidores, que foram escolhidos de modo a contemplar os diferentes bairros e, consequentemente, a diversidade de renda, conforme os dados secundários apontaram. Entre os consumidores foram entrevistados os responsáveis pelo descarte dos resíduos sólidos domésticos, independente das variáveis como cor, sexo, idade ou grau de escolaridade. As entrevistas foram transcritas integralmente. Depois organizaram- se em paralelo as respostas dos diferentes indivíduos de cada grupo para as mesmas perguntas. Sobre as respostas coletadas procedeu-se a análise de conteúdo qualitativa e temática, optando-se por manter as formas de expressão dos entrevistados.

Quando os entrevistados foram indagados: no supermercado, na hora da compra, o que acaba determinando o que você escolhe na prateleira?, as respostas mais recorrentes, em síntese, foram: preço, qualidade do produto, necessidade e, por último, lembravam da validade. A embalagem é citada, geralmente, para afirmar um quesito que não é observado, mesmo quando já há algum grau de informação sobre o tema. “Não observo o tipo de embalagem. Não penso se vai causar dano ambiental”. Ou então: “Não reparo na embalagem. Ainda não me conscientizei em me preocupar se danifica o meio ambiente.”

Um entrevistado cita a embalagem como uma forma de descomprometimento e desresponsabilização do consumidor, conforme a seguinte narrativa: “Nunca olhei a embalagem. Se permitem produzir, deveriam saber que tem que recolher, ainda mais que pago para recolher e saber seu destino. Se polui, quem produz deveria recolher.” Essa fala aponta para o não privilégio da dimensão ética nas lógicas de consumo, já que a responsabilidade é repassada ao outro, como se o consumo individual não se refletisse em demandas para a indústria. Outra consumidora admite: “A gente deveria escolher os produtos, que a embalagem fosse reciclável. Só que os produtos ambientalmente corretos geralmente são mais caros.”

Quando a embalagem determina o ato de adquirir um produto por meio da compra em detrimento de outro critério é porque oferece praticidade, ou porque a embalagem está “intacta”, ou o produto está “bem embalado”, o que significa, muitas vezes, que se adquirem materiais não necessariamente reutilizáveis ou recicláveis. No entanto, entre as respostas observou-se que a embalagem é escolhida também pela sua possibilidade de reaproveitamento8.

8 HERPICH (2007, p. 62), a partir de estudo realizado noutro município do Vale do Taquari, concluiu

que, “[…] conforme o produto, há uma embalagem de preferência […] mas não é a embalagem que define a compra, e sim a qualidade do produto e o preço”.

Em relação ao excesso de sacolas de plástico utilizadas nos supermercados, apenas uma consumidora apontou como sendo um problema ambiental decorrente do consumo. Ela percebe a necessidade de mudança desse hábito, adotando as sacolas de pano. “Na medida do possível, não usamos saquinhos de plásticos. Achei ótimo em Lajeado a sacola de pano. Deveria ser em todos os lugares, ou usar cestas que nem na Alemanha. Eles já sabem que isso [o plástico] não presta, é um problema.” Essa consumidora refere-se a uma prática nova na região que está relacionada a um costume europeu, predominantemente na Alemanha, de onde descende grande parte das famílias do município de Estrela. Essa proximidade cultural pode estar determinando uma simpatia pelo uso das sacolas de pano, o que se observou especialmente em famílias que demonstravam ter maior poder aquisitivo.

A qualidade ecológica do produto a ser consumido foi citada como determinante da compra por apenas uma consumidora, a qual também leva em conta se a produção é brasileira. “Procuramos comprar produto ecológico, de fabricação brasileira. Valorizamos as marcas e a validade.”

As práticas de consumo dos entrevistados apontam para lógicas socioculturais que valorizam basicamente as dimensões econômica (pautada pelo preço e pela praticidade) e comunicacional-midiática (responsável pela construção das marcas). E é no jogo custo-qualidade-marca-necessidade que estão sendo determinadas as escolhas de consumo cotidianas, sendo a embalagem lembrada como algo que não se leva em conta ou raramente se observa, ou ainda como responsabilidade do outro, a indústria.

As narrativas dos entrevistados não apontam para a construção da cidadania ou uma ecocidadania a partir do consumo. Ao invés disso, impera a velha conhecida lógica do consumo convencional, não refletida. Uma das formas pelas quais os cidadãos podem adquirir consciência sobre os impactos que os produtos causam ao meio ambiente é pelo do acesso à informação e aos meios responsáveis pela sua divulgação. Nesse sentido, procurou-se saber com os entrevistados quais os meios de comunicação que utilizam para se informarem. O rádio e a televisão foram os dois veículos mais citados. Os jornais, revistas e a internet, que tendem a uma abordagem mais aprofundada dos fatos, foram os meios menos citados9. Para a questão: Os meios de comunicação falam sobre as questões ambientais? O que e como? Em nenhuma resposta os entrevistados fizeram relação entre temas ambientais, consumo e produção de resíduos, mesmo citando isoladamente que os meios de comunicação falam sobre o “lixo”. Observa-se que a forma como os sujeitos da pesquisa se informam é baseado nas mídias tradicionais, espaços que tratam de forma superficial os temas que abordam. Portanto, os consumidores têm poucos recursos de informação aprofundada ou que se refira à complexidade das inter-relações entre os temas ambientais.

Procuraram-se identificar quais outras fontes de informação poderiam estar tratando sobre os temas do estudo perguntando-se: Nos grupos sociais que você

9 o aprofundamento dos fatos caberia a esses meios, pelas suas características, mas nossa pesquisa aponta

que os jornais locais de Estrela estão abordando os temas ambientais a partir da sua relação com o poder Executivo, sem dar conta da sua complexidade.

participa se fala sobre questões ambientais e resíduos? O que falam e de quais grupos participam? A maioria afirmou que não se conversa sobre esses temas nos grupos sociais de que participam (foram citados: grupo de coral, Liga de Combate ao Câncer, turma do tricôt, bolão, hidroginástica, clubes de mães, festas). Já no trabalho, nas reuniões de condomínio e nas reuniões da igreja a questão ambiental é ocasionalmente abordada, segundo os informantes. Nas associações de moradores o tema aparece a partir da preocupação com a “limpeza do bairro” e “cada um faz o que pode”. Observa-se que a questão ambiental não é percebida como um problema que atinge a todos os cidadãos, a sociedade e o planeta. O grupo social que tende a tratar mais sobre temas ambientais (e mesmo assim foram poucas alusões) é a família, e geralmente pautada por algum ente que debateu o tema ambiental na escola ou na “faculdade”. Os temas tendem a surgir também em “conversas com amigas” ou entre “vizinhas”. Esses dados reafirmam a falta de circulação de informação ambiental nos espaços de sociabilidade não midiatizados.