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Características do dialeto social culto e do dialeto social popular

PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 4. Variedades lingüísticas: variedades socioculturais e interacionais

4.1. Linguagem culta e linguagem popular

4.1.1. Características do dialeto social culto e do dialeto social popular

Em sua obra, Sociolingüística: Os níveis da fala (1994, p. 32), Preti relaciona as características principais dos dialetos sociais que ele distingue em cultos e populares. Segundo esse autor, o “dialeto social culto” apresenta como características o padrão lingüístico, usado em situações formais; tem maior prestígio junto á comunidade; seus falantes são mais cultos e, geralmente apresentam um maior nível de escolaridade; é utilizado na literatura e em outros gêneros escritos de caráter formal; apresenta uma sintaxe complexa, com um vocabulário mais amplo, muitas vezes técnico. E ele descreve essas características de modo detalhado ao comentar a obra de Joaquim Manuel de Macedo (op. cit., p. 82), que seguem abaixo relacionadas:

- combinações pronominais oblíquas; - tratamento gramatical “correto”;

- colocação pronominal com o uso freqüente de mesóclise e ênclise;

- emprego de tempos verbais raros em língua oral, como por exemplo, o pretérito mais-que-perfeito;

- verbo haver impessoalizado no sentido de existir; - regências indiretas, como assistir a;

- períodos longos, com perfeita distribuição de suas orações, em particular da subordinação, etc

Por sua vez, o “dialeto social popular”, com suas características próprias da língua oral, muitas vezes reproduzidas pela linguagem escrita literária, é descrito por Preti, dessa forma:

− Economia nas marcas de gênero, número e pessoa (Ex.: Essas pessoa não tem jeito.”

− redução das pessoas gramaticais do verbo. Mistura da 2ª pessoa com a 3ª no singular. Uso intenso da expressão de tratamento a gente, em lugar de

eu e nós. (Ex.: “A gente já te disse que você está errado.”);

− redução dos tempos da conjugação verbal e de certas pessoas, como, por exemplo, a perda quase total do futuro do presente e do pretérito, do mais- que-perfeito, no indicativo; do presente do subjuntivo; do infinitivo pessoal;

− falta de correlação verbal entre os tempos (Ex.: “Se encontrasse ela agora, contava tudo”);

− redução do processo subordinativo em benefício da frase simples e da coordenação (Ex.: “Já disse pra você, não disse? Quando eu acabei o curso, não tinha mais dinheiro. Aí então, fui trabalhar”, em lugar de “Não sei se já lhe disse que, quando terminei o curso, fui trabalhar, porque não tinha mais dinheiro)”;

− maior emprego da voz ativa, em lugar da passiva (Ex.: “- Um carro pegou ele”, em lugar de “Foi atropelado por um carro”);

− predomínio das regências diretas nos verbos (Ex.: “Você já assistiu o filme?” em lugar de “Você já assistiu ao filme?”);

− simplificação gramatical da frase, emprego de bordões”” do tipo ” então”, “aí” etc;

− emprego dos pronomes pessoais retos como objetos (Ex.: “Vi ele, encontrei ela” etc.);

Martins (1994, p. 61-80), em “O estilo coloquial culto de Machado de Assis em Quincas Borba”, descreve diversas características da língua oral, dentre as quais enumeramos as que apresentam interesse para nosso estudo:

− O léxico apresenta palavras coloquiais, populares ou expressivas;

− Na oralidade há o predomínio das frases breves, sem inversões ou rebuscamentos;

− Também são caraterísticos os provérbios, as frases feitas, as gírias, o clichê;

− Uso da variante popular “seu”, por “senhor”.

Urbano (2000, p.101) discorre sobre as várias características próprias da linguagem oral, algumas intrínsecas, pela naturalidade e especificidade do canal (sonoro) ou pelas condições que envolvem sua realização, tais como, presença/ausência física dos interlocutores. As características extrínsecas são próprias da linguagem em geral e podem ocorrer tanto na língua escrita quanto na fala. A diferença está na freqüência e na intensidade, como, por exemplo, ao dizermos que a língua oral é mais concreta que a escrita, estamos considerando que a escrita estabelece “uma relação mais geral e mais abstrata entre a palavra e seu referente”. Urbano discorre sobre as propriedades da língua coloquial cujos conteúdos cognitivos são relativamente pobres, visto serem de uso do cotidiano dos falantes que se expressam de modo prático, imediato, sem se preocuparem com o sistema da língua ou com consciência da escolha das formas lingüísticas. Para o autor, a fala “revela um pensamento quase sempre subjetivo, concreto e afetivo” por ser fruto da expressão oral que é espontânea e natural. Outras características são lembradas pelo estudioso que assim as expõe:

O pensamento concreto condiciona uma expressão concreta, explicados aquele e esta pela subjetividade do próprio pensamento espontâneo do homem

do povo, a quem repugna a abstração. É que o meio rápido, prático e eficiente para se tomar conhecimento das noções abstratas e para torna-las inteligíveis aos outros, é associá-las aos objetos sensíveis. Daí a freqüência das onomatopéias. Daí também a freqüência das comparações e imagens, naturalmente não do tipo estético-literário, refletido e consciente (mesmo quando encerram o caráter de inspiração pura), mas sim simples, afetivo, irrefletido e espontâneo. (op. cit. p. 100)

A língua coloquial é mais analítica do que a língua culta. Esta característica, já demonstrada desde o latim vulgar, conservou-se no português falado moderno, tal como nos exemplos que o autor enumera: a forma analítica do latim vulgar amare habeo era mais usada do que amabo. Também em português falado moderno, a forma analítica é muito comumente empregada: vou estudar, em vez de estudarei; hei de vencer, em vez de

vencerei.

Martins (op. cit., p. 158, 159) afirma que frases unimenbres, geralmente exclamativas, denotam as emoções de seu enunciante (Deus!, Céus!, Bolas!, Cachorra! Legal!). Essas frases são muito utilizadas na linguagem coloquial e aparecem na literatura Moderna. As expressões pleonásticas binárias são numerosas no vocabulário popular. Belo

e formoso; sem dó nem piedade; são e salvo; teres e haveres, são exemplos de uma

seqüência de termos coordenados que têm significado semelhante. Um outro exemplo de pleonasmo composto por subordinação (verbo+adjunto adverbial) é destacado pela autora em “ - Vou aquilatar, vou ver de vista própria.” (J. Cândido de Carvalho, O coronel, p. 144)

Urbano, em seu artigo “Cortesia na literatura: manifestações do narrador na interação com o leitor”, no prelo, aponta como uma das marcas de coloquialismo, a simulação de “diálogo” que existe nos “textos falados”, em que predominam a informalidade e em que se nota certa intimidade entre os interlocutores (cartas, bilhetes etc). Esse coloquialismo pode ser considerado “como mais um índice de oralidade no texto escrito”. Ele aponta, também, alguns verbos de elocução, aos quais denomina “verbos coloquiais de elocução”, que ocorrem nos diálogos naturais e que nem sempre são introdutores de um discurso reportado. No caso do artigo analisado, os verbos dizer e

contar são os mais freqüentes. Sinalizadores de um clima de “espontaneidade e

despreocupação” são, entre outros, fenômenos que apontam a oralidade:

− as repetições de palavras ou segmentos, em muitos casos, próximos ou contíguos;

− repetições ostensivas de idéias, repetições de cunho retórico e de natureza oral;

− frases feitas/circunlóquios, frases breves/nominais; − a presença do e inicial como marcador da narrativa oral;

− o egocentrismo implícito com eu em duplicidade com a desinência verbal em 1ª pessoa (por exemplo em:“Eu gosto dos capítulos alegres”); − correlação verbal à revelia da norma culta;

− emprego de interjeição; − negação enfática; − ênfase;

− eco.

A respeito da repetição, Urbano (2000, p. 210) enfatiza que ela pode ser considerada por “dois ângulos praticamente opostos: como processo compensatório da restrição vocabular, ou como processo expressivo”, sempre como um fenômeno generalizado da língua popular e oral. A restrição ocorre porque a língua popular e oral recorre ao vocabulário da linguagem diária que, por sua limitação recorre a processos compensatórios vários (repetição, paráfrase, comparações, combinações vocabulares) para representar o “imenso universo de fatos e idéias”. A linguagem falada recorre, ademais, ao contexto situacional e lingüístico para complementar a “deficiência lingüística de certos enunciados elípticos” e para imprimir expressividade à fala.