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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 5. A formação de palavras e a linguagem figurada

5.2. As criações neológicas estilísticas

5.2.2. Estilística morfológica

A Estilística Morfológica tem como objeto o estudo da expressividade obtida com a formação e com a flexão das palavras (gênero, número e grau). Na opinião de

Martins (1997, p. 110), a expressividade dos aspectos morfológicos da língua são importantes “embora apareçam permeados pela semântica e pela sintaxe”.

A derivação sufixal é o processo de formação de palavras de grande produtividade pela grande quantidade de sufixos da língua e pela variedade de conotações sugeridas por eles. (Martins, op. cit., p. 114). Porém, no campo do gênero e do número há pouca possibilidade de a expressividade se manifestar. Um exemplo relacionado ao gênero é o dos substantivos uniformes referentes aos seres sexuados, epicenos ou comum de dois gêneros, visto que a língua popular cria formas analógicas, para tentar reestabelecer a duplicidade dos gêneros. São formas como sujeita, tipa, chefa, membra, presidenta, caçulo e outras. (p.111). Nomes próprios de cidades ou de pessoas podem receber um feminino jocoso, irônico: Netuna, Pégasa, Floriana Peixota. São femininos que Monteiro Lobato utiliza em suas obras para o público infantil.

Muitos nomes que só se usam no singular, podem ter, no plural, um significado diferente. É o caso de muitos nomes próprios: os Cíceros, os Dantes, os Brasis e outros. Nomes abstratos ou não-contáveis, no plural, também têm significado diferente do singular:

moveram céus e terras.

O plural das palavras pode provocar riso, humor ou ironia. Martins cita José Cândido de Carvalho que em muitos momentos recorre a esse recurso:

(16) Sempre aparelhado de cerimônias e educações, desceu em direitura da caixa de peçonha:

- Com licença, com licença. (CL, p. 55)

Com relação aos aspectos morfológicos dos neologismos semânticos, novamente Martins (op. cit., p. 112) mostra que José Cândido de Carvalho recorre ao uso do plural para dar efeitos de ênfase ou de humorismo, comprovando a expressividade em sua escrita. Os substantivos “umas justiças”, “minhas educações” normalmente são empregados no singular; uma vez pluralizados constituem uma maneira particular de o autor se expressar, formando um neologismo. Em “esses educativos”, o adjetivo educativo foi transformado em substantivo pelo emprego de um pronome demonstrativo (esse) que o

antecede. Em seguida, o pronome e o substantivo foram pluralizados, completando a formação neológica que também caracteriza o estilo próprio do autor:

(17) Tive, nesse entrementes, de ministrar umas justiças nos pastos” (p. 144) (18) Com esses educativos, dei a desavença por limpa e desempenada. (p. 145) (19) Botei nesse entendimento todas as minhas educações de berço e de escola.

(156)

É interessante observar a formação neológica menasmente, em que a um advérbio de modo, inusitadamente usado no feminino (menas = feminino de menos), acrescentou-se o sufixo -mente, formando o advérbio menasmente, causando estranheza:

(20) Nem representa a terça metade, amigo Bezerra. Menasmente que isso. (155:31, 32)

Os sufixos de grau (aumentativo ou diminutivo) são ricos em valores afetivos e podem ser empregados para formar novas palavras tanto masculinas quanto femininas.

Geralmente os sufixos aumentativos têm valor pejorativo dando idéia de depreciação (mulherão, homenzarrão, corpão, sapatão). Os adjetivos desvalorizadores, acrescidos de um sufixo aumentativo tornam-se agressivos. Entretanto, esses mesmos adjetivos podem ser valorizadores, salientando qualidades como solidez , valor, força etc. (rapagão, companheirão, amigão, dinheirão, negocião etc) (Martins, op. cit., p.115). Nos exemplos que seguem, o uso de sufixos aumentativos reforçam a imagem de grandeza do coronel. O “grandalhão” (palavra em que o aumentativo foi formado pelo sufixo masculino –ão) foi convencido de que, apesar de seu tamanho, Ponciano o superava em grandeza. O uso do sufixo aumentativo feminino (-ona), formando neologismos a partir de substantivos femininos (a grandeza e a palmeira), em seqüência e em um só parágrafo, reforçam a idéia

do tamanho do personagem que mede cerca de dois metros e que, com sua “grandezona”, semelhante a uma “palmeirona” enfrenta “o vento brabo e o corisco ardiloso”:

(21) E dedo apontado para os seus avantajados de tamanho, com cara de nojo, fiz ver ao grandalhão que foi um desperdício de Nosso Senhor Jesus Cristo botar em cima de suas botinas uma grandezona assim de dois metros. É que o povo do céu queria fazer dele uma palmeirona, coisa de brigar contra o vento brabo e o corisco ardiloso, mas que ele, pelos seus procedidos, tinha deitado tudo a perder, estragado tão bela obra de nascença: (145:1-7)

O diminutivo que dá idéia de pequenez, pode exprimir a delicadeza, o carinho, a ternura, a delicadeza, a cortesia . Por outro lado, também pode ser uma forma de exprimir depreciação, desdém, ironia. O sufixo diminutivo que mais predomina é -(z)inho que forma tanto substantivos como adjetivos. (bulezinho, caderninho, bonitinho, feinho). Em palavras gramaticais encontra-se um diminutivo enfático – advérbios (agorinha, depressinha,

longinho), pronomes (estezinho, tudinho, nadinha) (Martins, op. cit., p. 114). Entre os mais

variados casos de emprego do diminutivo com finalidade estilística em O coronel e o

lobisomem, escolhemos um exemplo em que Ponciano mostra ser uma pessoa frágil e

humana. É por meio de sufixos diminutivos (raçudinho, capitãozinho, pessoinha) que o coronel denota carinho por um galo de briga, seu bicho de estimação:

(22) Fui mostrar ao raçudinho a carta do bom amigo:

- Veja isso, capitãozinho! Um escrito do doutor falando de sua pessoinha. (151:4, 5)

Com referência às palavras formadas por composição, destacamos palavras compostas por justaposição às quais José Cândido de Carvalho imprime uma conotação pitoresca e divertida:

(23) A campeirada, boa-tarde-coronel-como-está-coronel, ficou encovada nos cantos. : (140:22, 23)

(24) Se mal pergunto, deu na cama de vosmecês todos formiga-quente ou praga de gafanhoto. (140:27, 28)

(25) - Nunca, Seu Bezerra, que vou ficar embaraçado nesse cipó-rabo-de- macaco. (143:23, 24)

(26) Um surucucu-de-fogo, que esquentava sol numa touceira de capim- gordura (...) (145:7, 18)

Algumas ocorrências são verdadeiras “palavras-frase”, tais como Dona-Isabel- dá-licença-Dona-Isabel-faz-favor”, que discutiremos na análise do Texto 3.

Essas teorias sobre as formações de palavras, os neologismos e os exemplos elencados, muitos dos quais extraídos do corpus, objeto de estudo da tese, nos dão uma mostra da riqueza dos recursos estilísticos que analisaremos na PARTE II do trabalho, desse autor que, no dizer de Rachel de Queiroz:

Vira e revira a língua, arrevesa as palavras, bota-lhes rabo e chifre de sufixos e prefixos, todos funcionando para uma complementação especial de sentido, sendo, porém que nenhum provém de fonte erudita ou não falada: nenhum é pedante ou difícil, tudo correntio, tudo gostoso, nascido de parto natural, diferente só para maior boniteza ou acuidade específica. (CL, p.xi)