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CAPÍTULO 2 MODERNIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA MODERNIDADE

Definir modernidade é uma tarefa difícil,35 principalmente na medida em que o

mundo passa por constantes transformações e vicissitudes, pois trata-se de um período histórico que é ao mesmo tempo passado e presente. Todavia, Balandier (1997) ensina que, não obstante seja um objeto de difícil definição, seus contornos podem ser percebidos. Assim, serão indicadas algumas das transformações ocorridas na sociedade ocidental, os processos que lhes deram causa e suas consequências, especialmente no tocante aos efeitos da modernidade no campo religioso.

Durante o período da Idade Média, a religião foi o grande fomentador de sentido das sociedades ocidentais. Contudo, com o tempo, começou a perder sua centralidade na ordenação da vida em sociedade, assumindo papel periférico. Sob critérios históricos, a referência é “o período da história ocidental que começa depois do Renascimento, a partir do séc. XVII” (ABBAGNANO, 2007, p. 679).

Japiassú e Marcondes (2001) caracterizam a modernidade afirmando que ela foi o descortino de uma nova forma de pensar e de ver o mundo que se apresentou como ruptura à escolástica e ao espírito medieval, tendo como sua maior expressão o Iluminismo. Dessa forma, podemos compreender que a modernidade, como processo, não se apresentou pronta, mas foi construída paulatinamente mediante a emancipação da razão da tutela do poder religioso (BAPTISTA, 2003, p. 159), que

35 Entre os autores importantes sobre o tema da modernidade, podem ser mencionados a título de exemplo, sem a pretensão de esgotar o assunto: Touraine (1992); Giddens (1990); Lyotard (1979); Berman (1982); Habermas (1985); Featherstone (1990); Jameson (1991); Kumar (1995); Baumann (1991); Berger e Luckamnn (1995).

não restrita a uma localidade. Nas palavras de Giddens (1991, p. 11): “modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa [...] e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”, portanto, seu alcance adquiriu contornos mundiais.

No entender de Weber (2004) e de Touraine (2002, p. 18), a racionalização é uma das características fundamentais e indispensáveis da modernidade. Sendo assim, o diferencial da filosofia do iluminismo da que a precede é a sua intenção de estender a todos os seres humanos o que era sido propriedade de alguns, a saber, uma existência conduzida em conformidade com a razão (CRUZ, 2011). Com efeito, atrelada à figura moderna da racionalização, encontra-se a subjetivação (TOURAINE, 2002, p. 18), que corrobora para a construção do sujeito independente, livre das pressões tradicionais, liberdade individual dos sujeitos, no tocante à escolha que cada um faz a respeito da busca pelo significado. É por isso que Rivera (2001, p. 188) esclarece que o diferencial entre a sociedade moderna em relação à antiga é encontrado “na liberdade de decidir e agir sem a submissão às formas tradicionais de autoridade, baseadas numa compreensão sagrada do mundo”.

Portanto, há ruptura com o conceito de sacralidade como poder autoritativo. Isso não significa, contudo, que a modernidade não pode ser definida meramente por sua força paradigmática, como uma negação ou rejeição da religião. Rivera (2001, p. 194) explica que a modernidade “relegou as crenças religiosas à vida privada”. Por outro lado, a racionalização da modernidade não se limitou a este aspecto. É preciso reconhecer nela uma ideia mais ampla e complexa, pois a sociedade moderna, entre outros elementos, é aquela na qual “a religião deixou de ser estruturante e o estatuto do sagrado foi transformado pelo desenvolvimento religioso” (RIVERA, 2001, p. 122). Pode-se identificar assim a sociedade moderna como a sociedade da razão livre, pois o indivíduo tem liberdade de decidir e agir sem a submissão às formas tradicionais de autoridade religiosa.

A modernidade produziu ainda outros importantes efeitos em relação à religião, pois o que era assunto divino, a partir de então, tornou-se tema humano. Neste sentido, Touraine (2002, p. 12) explica que

a modernidade rompeu o mundo sagrado que era ao mesmo tempo natural e divino, transparente à razão e criado. Ela não o substituiu pelo mundo da razão e da secularização devolvendo os fins últimos para um mundo que o homem não pudesse atingir; ela impôs a separação de um Sujeito descido do céu à terra, humanizado, do

mundo dos objetos, manipulados pelas técnicas. Ela substituiu a unidade de um mundo criado pela vontade divina, a Razão ou a História, pela dualidade da racionalização e da subjetivação.

A racionalidade substitui Deus como o detentor das soluções para as aflições humanas, buscando explicar e controlar tudo. Por esse motivo, alguns pensam ser a modernidade incompatível com a religião. Todavia, não é este o pensamento de Hervieu-Leger (2008). Ela, por outro lado, defende a modernidade como uma produtora de religiões e não o contrário, pois o mundo moderno não é caracterizado pela ausência de religião, mas pelas dinâmicas de movimento, mobilidade e dispersão que marcam as inúmeras opções que surgem na paisagem religiosa do início do século. Neste sentido, recomenda a necessidade de avançar na compreensão da relação entre modernidade e religião, pois o pesquisador não deve manter-se

unicamente dentro da perspectiva racionalista que associa por completo as “renovações” religiosas contemporâneas com os impulsos modernizadores suscitados pela crise mundial e pelo desmantelamento das ideologias modernistas do progresso [...]; é necessário romper com o paradigma da incompatibilidade entre religião e modernidade (HERVIEU-LEGER, 2008, p. 29).

Não obstante o pensamento moderno ter adquirido e apresentado maior impacto a partir do Iluminismo do século XVIII, já no século XVI encontra-se uma espécie de uma “modernidade germinal” (MONTEIRO, 2007, p. 149) ocasionada por elementos da Reforma Protestante. Nas palavras de Libanio (2002, p. 14) a “expressão religiosa da modernidade” foi a Reforma Protestante do século XVI, ocasião em que foi travada uma batalha com a Igreja de Roma, despontando um novo olhar para dar explicações aos fenômenos que antes passava exclusivamente pela vistoria da Igreja. Assim, parece apropriada a compreensão de que as reformas religiosas iniciaram grandes rupturas com a forma de viver e de pensar da Idade Média (OLIVEIRA, 2009, p. 29). Algumas dessas importantes mudanças relacionadas à reforma protestante ocorreram no campo da educação, levando Gomes (2000, p. 88) a afirmar que

a influência da Reforma Protestante do século XVI sobre a educação é inegável[...], A igreja reformada vai definir a religião a partir de uma relação íntima e pessoal com Deus e essa comunhão com o sagrado, se dará pelo contato cristão com os textos da Bíblia,

elevada pela reforma protestante à categoria de revelação especial [...]. Pouco ou nada adiantava colocar a Bíblia nas mãos de um povo analfabeto.

Dessa forma, Gomes (2000, p. 88) conclui que a reforma protestante no campo educacional foi pioneira na popularização do ensino e na abertura de escolas populares desde os seus primórdios. Portanto, as mudanças e rupturas se tornaram cada vez mais intensas no desenvolvimento da Era Moderna. Referindo-se a esse processo de transformação social, Sanchez (2010, p.41) afirma que:

a ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo religioso, mas, sobretudo, altera as representações da realidade. O ser humano moderno, ao olhar o mundo, já não absolutiza a dimensão religiosa e, portanto, observa a realidade fora dos limites impostos pelo modelo religioso medieval. Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural.

Diante dessa análise, é possível notar que o grande avanço rumo à forma plural de ver a realidade decorre do processo de ruptura do monopólio católico. Percebe-se ainda que a pluralidade passou a ser uma das características do ser humano moderno, que aceita a multiplicidade do pensar de pessoas ou grupo social que por sua vez tem a liberdade de expressar o que pensa. Portanto, é com o delineamento do projeto de modernidade que ocorre a expansão do pluralismo religioso que, por sua vez, decorre da desvinculação do Estado da religião, tornando-se receptivo ao aparecimento e atuação de novas religiões.

É interessante notar que a modernidade produziu efeitos que não se resumem meramente à criação de um novo “conceito”, mas produziu efeitos práticos na sociedade, por exemplo, ampliando o espaço para a educação. Cambi (1999, p. 372) alega que no século XIX o mundo assistiu à “pedagogização da sociedade”, isto é,

as sociedades instituem e disseminam projetos educativos na esteira do Iluminismo e da modernidade. As palavras progresso, cidadania democracia passam a fazer parte da ideologia desse período. Instituições educativas, culturais e de fomento literário e científico são fundadas na Europa e nas Américas. O “imaginário civil” pensa em “processos educativos que agem em profundidade: renovam a mentalidade, criam um novo sistema de símbolos, delineando novos valores (laicos e civis), fixam um novo tipo de homem social (o cidadão)”.

Deste impositivo moderno de desvinculação das esperas religiosa e política, houve a necessidade de readaptação tanto por parte do Estado quanto dos pólos religiosos – católicos e protestantes. Isto ocorre porque a necessidade latente de investimentos por parte do poder público na esfera educacional, proporcionando a concretização do desenvolvimento do país, precisava de um novo impulso, visto que a rompida parceria com a Igreja Católica, até então representante monopolista da educação particular, não havia atendido aos reclamos da modernidade por acesso universal. Assim, Souza (2012, p. 24) compara a busca de afirmação e confirmação dos dois movimentos religiosos alegando que

se o catolicismo se reorganizou e se reafirmou, a partir da separação entre a Igreja e o Estado, os protestantes expandiram e desenvolveram as suas atividades, a partir das garantias asseguradas pelo mesmo Estado, tido como não confessional. Se os católicos vão apoiar as ordens religiosas, instituindo e criando novas dioceses em todo o Brasil, os protestantes vão investir na organização de outras igrejas locais, priorizando a criação de instituições educacionais, abertas aos brasileiros, mas tendo o catolicismo como adversário a ser superado.

Portanto, foi especialmente no período republicano – reflexo dos ideais apregoados pela modernidade – que as escolas confessionais protestantes tiveram rápido avanço, alcançando destaque junto ao movimento renovador que emergia em solo brasileiro (MENSLIN, 2015, p. 77). A razão desse rápido crescimento é atribuída à uma sociedade brasileira “ávida pelo progresso e com uma forte tendência para aceitar inovações culturais comuns às civilizações europeias e norte- americanas” (BENCOSTTA, 1996, p. 30).

Esta noção torna-se fundamental para compreender que a educação confessional neste país não se desenvolveu por acaso, mas em atendimento aos reclamos da modernidade, considerando que o discurso da educação no Brasil tem uma estreita relação entre inovações pedagógicas e o ideário liberal republicano de transformação social por via da educação. Por isso, o movimento de modernização da educação brasileira iniciou-se no final do século XIX, mais precisamente com o advento da República. Uma das possibilidades que podem ser vislumbradas como derivadas dos processos de subjetivação na modernidade, foi justamente a educação fornecida pelas escolas confessionais.

É oportuno trazer à lembrança o início da educação adventista no Brasil no fim do século XIX, mencionada no primeiro capítulo deste trabalho, quando em 1896

funda-se em Curitiba o primeiro colégio adventista.36 Segundo Corrêa (2005, p. 112),

“a Educação Adventista expressa os ideais liberais que ditavam a tendência do pensamento não só educacional como também sócio-político-econômico e até mesmo religioso da Primeira República brasileira”.

O fato é que o protestantismo foi o iniciador do processo de modernidade educacional e também o responsável pela sua introdução no Brasil (SILVA, 2000). O alcance desta influência no Brasil pode ser constatado também pelas palavras de Barbanti (1977, p. 180), quando comenta que a reforma educacional paulista de 1890 deve ser tributada de maneira especial à “práxis pedagógica das escolas protestantes americanas, que há 20 anos vinham atuando continuamente na Província de São Paulo com o apoio de suas elites progressistas”.

No entanto, este alcance certamente não se restringiu ao Estado São Paulo, de acordo com Azevedo (1976, p. 128)

A penetração das escolas protestantes, iniciada no último quartel do século XIX, somente no século atual pôde alargar a sua esfera de ação e ganhar bastante profundidade para produzir os seus efeitos e influir realmente na renovação da mentalidade educacional e dos processos de ensino no país.

Portanto, Silva (2000) conclui que à semelhança do que ocorreu nos Estados Unidos da América, “a penetração da modernidade no país também foi o pano de fundo para o surgimento da educação Adventista no Brasil”. Não obstante a abertura educacional proporcionada pela modernidade, em contrapartida, alguns tem a impressão de que a modernidade supostamente impede a atuação da religião. Entrentanto é interessante pensar neste aparente contrassenso de que a escola confessional e o ensino religioso como resultam do impulso promovido pela modernidade. Este dito “contrassenso” é explicado da seguinte maneira: a modernidade cria as condições para a expansão educacional; de outro lado, a modernidade também causa muitos efeitos sobre a religião, a ponto de alguns pensarem que esta seria extinta pela modernidade. Não eliminou o elemento religioso do meio social, mas é inegável que a religião já não é a mesma coisa nem ocorre da mesma maneira. O fato de existir uma organização confessional, com

36Cabe novamente a ressalva de que este “primeiro” colégio adventista, não pertencia à organização adventista, mas a membros da denominação que ali aplicavam a filosofia adventista.

escolas interessandas em “confessionalizar”, estaria, aparentemente, na contramão da modernidade.

Em síntese, a modernidade evidenciou a importância da educação e assim atraiu as pessoas para uma educação de melhor qualidade em escolas privadas, inclusive confessionais. Contudo, estas escolas confessionais, especialmente aquelas com discurso e prática proselitista – adventistas, por exemplo –, ao buscar confessionalizar seus alunos com diversidade de crenças e práticas religiosas demonstravam-se elemento da modernidade e oponente da mesma. O mundo moderno trouxe alunos para a escola confessional, mas também é verdade que os trouxe com diversidade de pensamento – outra característica da modernidade, como será abordado a seguir. Assim, o adventismo contribuiu para a sedimentação da mentalidade moderna no aspecto da oferta educacional, mas “contraria” a modernidade ao buscar confessionalizar.