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CAPÍTULO 2 MODERNIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

2.4 MODERNIDADE E LAICIDADE

Após verificar-se a relação existente entre modernidade e secularização, bem como o pluralismo religioso como fator e resultado da modernidade e consequentemente da secularização, é oportuno deter-se ao tema da laicidade de maneira relacionada com a modernidade e a secularização.40

De acordo com o entendimento de Rivera (2002, p. 98), não obstante a confusão corriqueira, laicidade se diferencia da secularização, pois esta seria a “saída do controle institucional da religião”, enquanto laicidade refere-se à “neutralidade religiosa do Estado”. Portanto, o tema da laicidade ganha importância com o advento do conceito moderno de Estado41 e a separação entre Estado e Igreja (RIVERA, 2002, p. 93), de modo que a laicidade “é um dos princípios dos Estados Modernos”, no dizer de (DOMINGOS, 2009, p. 46).

A etimologia do termo “laicidade” encontra sua origem no termo grego laós, que significa “povo”. De laós deriva a palavra grega laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos “laico” e “leigo” exprimem uma oposição ao religioso, àquilo que é clerical (CATROGA, 2006). Contudo, esta separação ou oposição, segundo Ranquetat Junior (2008, p. 63), é sempre iniciativa do Estado e não da religião, o que indica que “a laicidade é sobretudo, um fenômeno político e não um problema religioso”, pois é o Estado que se afirma e até impõe a laicidade.

Muito embora o aspecto mais visível da laicidade seja da separação entre Estado e religião, Barbier (2005) entende que ela se apresenta de forma binária, referindo-se por um lado à separação e, por outro, à neutralidade religiosa do Estado. Desse modo, a laicidade não extingue a religião totalmente, pois esta pode existir fora do Estado, ou seja, na sociedade42. Com efeito, o Estado não assume

40 Rivera (2010, p. 54) entende ser importante relacionar os conceitos de laicidade e secularização. 41 O pensamento de muitos autores, segundo Dallari (1995, p. 43) é de que não teria havido Estado na Idade Média (Ocidental) e de fato o conceito de Estado somente teria surgido a partir do século XVI com Maquiavel em seu livro O Príncipe. Explicação semelhante é encontrada em Saldanha (2011, p. 193).

42 Domingos (2009, p. 46) explica adverte ainda que a laicidade não é o antirreligioso na sociedade, mas o arreligioso na esfera pública.

nenhuma religião (separação) bem como trata com igualdade e liberdade todas as religiões (neutralidade). Sob este prisma, constata-se que por meio da laicidade é possível a convivência pacífica entre as religiões e o respeito aos indivíduos que optam inclusive por não professar nenhuma religião (DOMINGOS, 2009, p. 45).

É importante trazer à baila a ideia de Oliveira (2009, p. 39) ao afirmar que a laicidade representou perdas para os grupos envolvidos, tanto para a religião oficial, quanto para o Estado. Se, por um lado, a religião oficial perdeu a força estatal, por outro, o Estado agora também não poderia apoiar-se no sagrado e no religioso para justificar seu poder. Assim, o Estado moderno é um Estado laico, que não pode defender nem atacar qualquer postura religiosa, de modo que o Estado, sendo a- religioso, precisa garantir a liberdade de quaisquer expressões religiosas. É por esta razão, de acordo com Oliveira (2009, p. 40), que novas ideias e crenças religiosas têm espaço garantido e respeitado.

Com este pano de fundo, é possível afirmar, assim como Gonçalves (2012, p. 32), que o Estado acima descrito não pode ser “um pouco neutro”, assim como “não pode ser igualmente um pouco laico”, caso contrário, não se coadunaria com a exigida neutralidade religiosa estatal.

Em suma, a laicidade possui um enfoque institucional (estatal), enquanto que a secularização corresponde a um enfoque cultural (RIVERA, 2002, p. 95), pois a primeira “expressa a perda de importância da religião nas instituições”, e a secularização “expressa essa perda no campo da cultura e da sociedade” (RIVERA, 2010, p. 54). Todavia, cabe a advertência de que sequer nos Estados modernos mais desenvolvidos a religião foi absolutamente excluída da vida pública e relegada exclusivamente à vida privada, pois, continua exercendo influência na sociedade e, às vezes, também no Estado (RIVERA, 2002, p. 88). É dizer, “a laicidade impõe que a política seja gestão, não religião” (BATISTA NETO, 2012, p. 57).

Cabe, neste ponto, colacionar a ideia de Blancarte (2008, p. 23) ao afirmar que o princípio do Estado laico

não deve ser entendido como uma instituição anti-religiosa ou anticlerical, mesmo que em diversos momentos de sua construção histórica o tenha sido. Na realidade, o Estado laico é a primeira organização política que garantiu as liberdades religiosas. Há que lembrar que a liberdade de crenças, a liberdade de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico, e não como oposição a ele. Portanto o Estado laico é o que garante que todos

possam expressar suas opiniões e que o façam desde a perspectiva religiosa ou civil.

No mesmo sentido, ensina Teixeira (2009, p. 86), atualmente é necessário fazer uma distinção entre laicidade e laicismo, pois são conceitos distintos, sendo laicidade “a compreensão equilibrada do conceito de Estado laico, no seu sentido absoluto, não confessional, mas reativo e imparcial”. Já a expressão “laicismo” é usada para designar a compreensão e uso desequilibrado do conceito de laicidade com um “sentido absoluto, não confessional, mas ideológico e por isso passivo e indiferente ao fenômeno religioso”. Este pensamento também compartilhado por Lellis (2013, p. 186), ao afirmar que

apesar de laico e de reger-se pelo princípio da neutralidade, o Estado brasileiro não é contrário e nem perseguidor das religiões, tendo, antes, por dever, a criação de ambiente propício ao livre mercado das ideias, dentre as quais aquelas religiosas, com as práticas daí derivadas.

Para Mendes (2008, p. 419), a ideia de Estado laico – que é um princípio republicano – em sua gênese é compatível com a religiosidade, inclusive no território brasileiro, já que ambos têm objetivo em comum, que é proporcionar o bem do indivíduo.43 Nesse sentido, Teixeira (2010, p. 104) esclarece a necessidade de respeito e tolerância para que o Estado Laico cumpra seu papel, que não é de ser um simples olhar neutro, mas de garantidor das liberdades:

É partir da idéia de que a garantia do direito somente se aperfeiçoa à medida que deixa o campo restrito da tolerância e passa ao campo amplo e equilibrado do pluralismo religioso, do saber respeitar mesmo sem concordar, o que reclama uma postura mais consciente e responsável do poder público, da sociedade e do indivíduo.

Faz-se necessário ainda frisar que a laicidade, assim como a secularização e o pluralismo religioso, são processos sociais derivados da modernidade e que por outra via alimentam a própria modernidade.

43 Um dos objetivos da República esculpidos na Constituição Federal é de „promover o bem de todos‟ (Art. 3º, IV, da CF).

2.5 LAICIDADE E RELIGIÃO NO ASPECTO DA EDUCAÇÃO PRIVADA: OLHAR DO