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CAPÍTULO 2 MODERNIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

2.2 MODERNIDADE E SECULARIZAÇÃO

Para possibilitar uma melhor compreensão dos efeitos decorrentes da modernidade, convém apresentar algumas ideias sobre o que a modernidade representa para o meio social. Há quem diga haver pouco interesse em discutir o impacto da modernidade na religião, pois a modernidade anularia a religião. Não obstante tal pensamento, estudar a religião na modernidade negando a secularização seria o mesmo que negar a própria modernidade (RIVERA, 2002, p. 88), haja vista que não se pode falar em modernidade sem falar também em secularização.

Marramao (1995, p. 16) assevera que “a secularização é a essência da modernidade”. Isto é especialmente verdadeiro, pois sua existência em sociedades pré-modernas seria impossível, além de ser notória sua influência na sociedade e religiosidade moderna.

De modo semelhante à modernidade, conceituar secularização também não é simples. O termo “secularização”37 surgiu na época da Reforma Protestante,

originalmente no âmbito jurídico, para fazer referência à “expropriação dos bens

37 Segundo Foerster (2007), fala-se de secularização (ou dessecularização), hoje, em dois níveis: 1) nível público ou estrutural e 2) nível mental (“na mente”).

eclesiásticos em favor dos príncipes ou das igrejas nacionais reformadas”. Ela teve uma extensão semântica para o campo histórico, político, ético e sociológico apenas no séc. XVI e XIX (PIERUCCI, 1997, p. 100). Berger (1985, p. 119) também vislumbra neste termo uma das principais características da sociedade moderna, que identifica como o “processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”. O processo de secularização traria como consequência, portanto, uma perda de autoridade da religião em nível institucional e em nível de consciência humana.

Rivera (2002, p. 91) explica que nos trabalhos de história sobre os séculos XVI e XVII, secularização aparece como “aquilo que escapava ao controle onipresente e asfixiante da igreja”, incluindo o nível social e até pessoal. O mesmo autor define como secularização

a perda da capacidade de influência social e cultural da religião para impor e regular crenças e práticas e, também, o aumento da capacidade das sociedades para guiar seu próprio destino, sem participação das instituições religiosas, isto é, a esfera humana ganhando autonomia em relação aos desígnios divinos (RIVERA, 2010, p. 50).

Portanto, o processo de desvincular as várias áreas da vida humana da ordem religiosa, que anteriormente tutelava todos os setores da sociedade, é chamado de secularização. De maneira ampla, Hervieu-Léger (2008, p. 34) explica o que está envolvido entre modernidade e secularização:

o que é especificamente “moderno” não é o fato de os homens ora se aterem ora abandonarem a religião, mas é o fato de que a pretensão que a religião tem de reger a sociedade inteira e governar toda a vida de cada indivíduo foi-se tornando ilegítimo, mesmo aos olhos dos crentes mais convictos e mais fiéis. Nas sociedades modernas, a crença e a participação religiosa são “assuntos de opção pessoal”: são assuntos particulares que dependem da consciência individual e que nenhuma instituição religiosa ou política podem impor a quem quer que seja.

Alguns dos efeitos da secularização são apontados por Berger (1985, p. 119) como “a retirada das Igrejas cristãs de áreas que antes estavam sob seu controle e influência: separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras da Igreja, ou emancipação da educação do poder eclesiástico [...]”.

É esclarecedor ainda apresentar a síntese apresentada por Oliveira (2004, p. 20):

com o fortalecimento da dupla autonomia – da razão frente à tradição religiosa e da política frente à autoridade eclesiástica – a religião perde seu poder de regulação da sociedade, da cultura, do pensamento, das instituições políticas, enfim, de todas as áreas da vida humana, pública e privada, até aí consideradas como áreas integradas, num único sistema, governado pela autoridade divina através da Igreja. Esse processo de emancipação de vários setores da atividade humana e da sociedade sob a jurisdição da religião – Igreja Católica Apostólica Romana, neste caso – é chamado de secularização.

Com estas esclarecedoras orientações é possível constatar que embora a religião tenha perdido força como poder regulador, ela não desapareceu da sociedade e nem perdeu sua capacidade de influenciar a sociedade (RIVERA, 2002, p. 88). É por isso que o tema da religião e relação no meio social não perde sua importância.

Se, todavia, for feito um raciocínio inverso, para analisar a perspectiva de de uma sociedade não secularizada, Rivera (2002, p. 96) ensina que esta é “uma sociedade na qual a religião tem autoridade tanto no plano do saber como no plano dos valores”. Segundo este mesmo autor, a perda da exclusividade na produção de valores sociais abre espaço para outros agentes como, por exemplo, a escola: “dependendo do desenvolvimento do sistema educativo, a tendência é deixar a igreja como produtora de virtudes privadas e não mais de valores sociais” (RIVERA, 2002, p. 96).

Em meados do século XX, acreditava-se que a secularização era uma tendência irreversível e que a religião nunca mais desempenharia um papel relevante nos acontecimentos mundiais. Muitos estudiosos visualizavam na secularização uma antítese da religião e de todas as formas de espiritualidade (GUERRIERO, 2003). Porém, em todo o mundo, grupos religiosos cresceram rapidamente. Seria esse o enfraquecimento do “processo de secularização”?

Algumas pessoas afirmam entender que a discussão em torno da secularização estaria ultrapassada e que esta não mais existiria no contexto brasileiro, tendo em vista que a influência religiosa e o interesse religioso persistiram, além do acréscimo do surgimento de novos movimentos religiosos, causas que fazem concluir equivocadamente o fim da secularização. Contudo,

Pierucci (1997, p. 114) rejeita o pensamento de que a efervescência religiosa nos dias atuais significaria o fim da secularização, pois em seu entender, representa a aceleração da secularização.

Todo este cenário corrobora a análise de Touraine (2002, p. 324) de que, na modernidade, “a religião explode, mas seus componentes não desaparecem”, pois a secularização representa o declínio geral do compromisso religioso na sociedade, deixando de ser “o conhecimento fundante da visão de mundo, dos comportamentos e da ética”. A sociedade moderna conta agora com outros elementos de controle que independem da religião.

Bastian (1997, p. 35, 36) também sublinha a fragmentação religiosa como resultado da modernidade, posto que os ideais liberais a partir de meados do século XIX representados pela separação entre Estado e Igreja, bem como pela liberdade de culto, tiveram como resultados desses esforços a secularização e a tolerância religiosa adotada constitucionalmente pela maioria dos países da América Latina. Esta também é a análise de Berger (1985, p. 146), ao afirmar o fenômeno da secularização como fruto e impulso da modernidade.

Buscando sistematizar a secularização em seus efeitos ligados à religião, poderíamos relacionar a da plausibilidade das instituições tradicionais produtoras de sentido; o reconhecimento de outros sistemas de sentido – como a ciência, por exemplo –; perda do poder organizador e regulador da sociedade por parte da religião; o enfraquecimento dos monopólios religiosos, encerrando longo período de hegemonia religiosa; e, em consequência, o surgimento de novas alternativas religiosas.

Enfim, Berger (1985, p. 205) percebe essas características como a expressão de uma tendência inflexível que determina a situação da religião no mundo moderno:

Pode se dizer certamente que, em todas as partes, o futuro da religião será moldado de forma decisiva pelas forças que temos examinado – a secularização, a pluralização e a subjetivação – e pela maneira na qual as diversas instituições religiosas reajam frente às ditas forças (BERGER, 1971a, p. 205).

Portanto, a secularização conduz inevitavelmente a uma situação de pluralismo, considerando que o rompimento entre poder estatal e o monopólio católico abre espaço para muitas outras manifestações e sociedades religiosas e não religiosas também, uma vez que não havendo as amarras das instituições

religiosas, o indivíduo pode manipular os bens simbólicos construindo seus arranjos religiosos sem medo de quebrar o eixo central onde está apoiado (GUERRIERO, 2003).

Com sua secularização, o Estado, portanto, passou a garantir constitucionalmente a liberdade dos indivíduos para escolherem voluntariamente que fé professar e o livre exercício de agentes e grupos religiosos, resultando um contexto plural onde, de acordo com Mariano (2003) as agremiações religiosas, para sobreviver e crescer precisam reforçar seu proselitismo.