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LAICIDADE E RELIGIÃO NO ASPECTO DA EDUCAÇÃO PRIVADA: OLHAR

CAPÍTULO 2 MODERNIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

2.5 LAICIDADE E RELIGIÃO NO ASPECTO DA EDUCAÇÃO PRIVADA: OLHAR

Após tornar-se independente da coroa portuguesa, teve início a fase do Brasil Império, tendo como marca a ausência da laicidade. Contudo, com a outorga da Constituição do Império em 1824, introduziu-se o princípio de tolerância religiosa no Império brasileiro que abriu caminho para conquistas religiosas e civis dos protestantes no Brasil (MENDONÇA, 2003, p. 147), tanto que a Constituição do Império, outorgada em 1824, passou a tolerar cultos de religiões não católicas, entretanto, desde que tais cultos fossem domésticos, pois o catolicismo continuava sendo a religião oficial.44 Além disso, assegurava que ninguém seria perseguido por motivo de Religião, contanto que fosse respeitada a religião do Estado e que não ofendesse a moral pública.45

Em decorrência da união entre o Estado e a Igreja Católica, no período imperial (1822-1889), não havia liberdade religiosa, pois o Estado assumia a Igreja Católica Apostólica Romana como sua religião oficial (LELLIS, 2013, p. 156). Esta ligação era tão estreita que antes de um imperador ser aclamado, de acordo com o artigo 103 da referida carta constitucional, ele deveria, diante da reunião das duas casas legislativas, jurar, entre outros itens, “manter a religião católica romana”.46 O

mesmo juramento era exigido do herdeiro do trono, bem como do Regente e da Regência.47 Outro importante detalhe é que entre as condições de elegibilidade para

44 Constituição de 1824. Art. 5

º. “A Religião Catolica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

45 Constituição de 1824.

Art. 179, inciso V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.

46 Constituição Imperial. “Art. 103. O Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber”.

47 Ver Artigos 106 e 127 da Constituição do Império:

Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.

o cargo de deputado havia uma que chamava a atenção: que este cidadão professasse a religião do Estado.48

Ainda neste período, nota-se que era vedado o proselitismo, mediante a proibição de cultos públicos e em locais com forma externa de templo, além de ser também proibida qualquer propagação de ideia que contrariasse pressupostos religiosos fundamentais como a existência de Deus e a imortalidade da alma, inclusive sendo passível de sanção criminal em caso de descumprimento.49 Portanto, nesta época, não se fala em liberdade, pois havia apenas “mera tolerância às crenças religiosas não oficiais”50 (LELLIS, 2013, p. 156).

No que diz respeito à educação no período do Brasil Império, Lellis (2013, p. 156-158) informa que é no mesmo clima de “tolerância” que a educação de concretiza. Já existiam alguns estabelecimentos educacionais particulares, todavia, os que não eram de propriedade da Igreja oficial ou de seus membros não gozavam de efetiva liberdade em suas atividades.

Art. 127. Tanto o Regente, como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art. 103, accrescentando a clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.

48 Artigo 95 da Constituição do Império previa: Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94. II. Os Estrangeiros naturalisados. III. Os que não professarem a

Religião do Estado.

49 Código Criminal de 1830:

Art. 276. Celebrar em casa, ou edificio, que tenha alguma fórma exterior de Templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra Religião, que não seja a do Estado.

Penas - de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto; da demolição da fórma exterior; e de multa de dous a doze mil réis, que pagará cada um.

Art. 278. Propagar por meio de papeis impressos, lithographados, ou gravados, que se distribuirem por mais de quinze pessoas; ou por discursos proferidos em publicas reuniões, doutrinas que directamente destruam as verdades fundamentaes da existencia de Deus, e da immortalidade da alma.

Penas - de prisão por quatro mezes a um anno, e de multa correspondente á metade do tempo. Art. 279. Offender evidentemente a moral publica, em papeis impressos, lithographados, ou gravados, ou em estampas, e pinturas, que se distribuirem por mais de quinze pessoas, e bem assim a respeito destas, que estejam expostas publicamente á venda.

Penas - de prisão por dous a seis mezes, de multa correspondente á metade do tempo, e de perda das estampas, e pinturas, ou na falta dellas, do seu valor.

50

Art. 5º: “a Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”´

Além disso, o art. 95 determinava que não poderiam ser eleitores ou candidatos ao parlamento aqueles que não professassem a religião do Estado e assegurava no art. 179, inciso V, que “ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado e não offenda a Moral Publica”.

As instituições particulares não possuíam liberdade de ensinar algo contrário à religião oficial, tendo o poder público autoridade até para perseguir e fechar o estabelecimento educacional particular, se assim julgasse necessário para defesa de seus interesses e dos alunos. Também neste período vê-se que na escola pública também não há liberdade sob o prisma religioso, pois o ensino religioso católico (religião oficial) era obrigatório naqueles estabelecimentos. Caso os pais não concordassem com esta prática por discordarem dos ensinamentos da religião oficial, sua única opção seria retirar os filhos dos bancos escolares (LELLIS, 2013, p. 158).

Quanto à prática escolar, envolvendo professores e alunos, Lellis (2010, p. 112) explica que havia restrições e recomendações procedimentais no que se refere à relação entre educação e religião:

não podem expressar suas convicções no ambiente escolar que, de algum modo, conflitem com a religião oficial do Estado, sob pena de se verem acusados de ofensa a esta religião, ou à moral pública com ela estreitamente vinculada, e serem alvo de perseguição por parte do Governo, inclusive com risco de prisão [...] cabendo ao conjunto de atores da educação escolar manter prudente distanciamento do tema religião.

Com o advento da República, já no final do século XIX, a situação profundamente alterada, cristalizando uma relação enfraquecida nos últimos anos do Império (SCAMPINI, 1978, p. 81). Logo após a proclamação da República que se deu em 1889, por meio do Decreto 119-A de autoria de Rui Barbosa e datado de 07 de janeiro de 1990, foi declarada a laicidade do Estado ao determinar sua separação da Igreja.

Quando foi promulgada a Constituição de 1891, seu texto não só confirmou o decreto do governo provisório como o ampliou no sentido de conceder às religiões não católicas, no caso específico o protestantismo, o único na época a disputar espaço dentro da hegemonia católica, com direitos civis até então conquistados de modo precário. Foi o caso do casamento civil, da secularização dos cemitérios e do ensino leigo nos estabelecimentos públicos. Sob influências liberais e positivistas, a Constituição Republicana de 1891 ainda omitiu o nome de Deus de seu texto,51

afirmando assim a caráter não religioso do novo regime, e a Igreja Católica foi

colocada em pé de igualdade com todos os outros grupos religiosos; a educação foi secularizada, sendo a religião omitida do novo currículo.

Na análise de Leite (2011, p. 32) a leitura da Constituição Republicana de 1891 deixa evidentes os seguintes aspectos:

(i) um contexto de profundas mudanças institucionais, incluindo a separação entre Estado e religião e, portanto, a revogação das relações estabelecidas entre essas esferas durante a monarquia; (ii) uma série de dispositivos constitucionais que reforçavam essa mudança, afirmando a laicidade do Estado e sua independência em relação à religião católica; (iii) a ideologia positivista de um grupo qualitativamente expressivo dos atores que tomaram parte nos eventos republicanos; (iv) certas medidas de governo no sentido da laicização do Estado.

Houve, a partir deste momento, de acordo com Zylbersztajn (2012, p. 20) “um rompimento drástico nas relações entre Estado e religião”.52 Lellis (2013, p. 159)

informa que a declarada situação de liberdade individual e coletiva em professar abertamente outro credo, trouxe consigo importante consequência na intersecção da religião com a educação. Nas palavras de Varela (1902, p. 265), é possível compreender a marca distintiva do programa republicano:

O característico do regime republicano é antes de tudo a inexistência de privilégios e monopólios, como de imposição de qualquer natureza: é a livre concorrência no terreno moral, no das ideias, no da indústria ou das profissões, seja como for.

E a relação do regime republicano com a laicidade é explicado por Canotilho (2003, p. 165), quando entende que o estado laico é produto de uma visão racionalista que

desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado e da Igreja, igualdade dos cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das ordens religiosas [...]. O programa republicano era um programa racional e progressista: no fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de pluralismo denominacional. De acordo com estes conceitos relacionados acima, é preciso compreender que esta realidade republicana não apareceu pronta em 1889. Mesquida (1994, p.

52 O rompimento foi tão marcante que esta foi a única constituição republicana democrática que não mencionou deus em seu preâmbulo.

19), ao comentar esse período, aponta os trinta últimos anos do século XIX como uma espécie de incubadora dos ideais que foram praticados de forma intensa a partir da última década do referido século. De modo que as três décadas finais

caracterizaram-se por uma intensa agitação política e por importantes transformações sócio-políticas e econômicas, devida às relações econômicas e comerciais com a Inglaterra, à necessidade de mão-de-obra estrangeira para substituir a força de trabalho escrava (a escravatura foi abolida em 1888) e ao crescimento da economia norteamericana, que começava a influenciar a economia brasileira. Ao mesmo tempo, as elites intelectuais e políticas nacionais sofriam a influência da onda da “modernidade”, embalada pelos “ideais e os valores da sociedade burguesa européia e americana”.

Sendo assim, marcadamente, a Constituição de 1891 prevê ampla liberdade de pensamento e de expressão no que diz respeito à religião (LELLIS, 2013, p. 160). No artigo 11 desta Constituição vedava aos entes públicos estabelecerem, subvencionarem ou embaraçarem o exercício religioso. Esta diretriz foi reforçada no artigo 72, §7º, ao dispor que “nenhum culto ou Igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o governo da União ou dos Estados”.

O mesmo artigo 7253 da Constituição previu como diretrizes da laicidade o

reconhecimento exclusivo do casamento civil, a secularização de cemitérios (garantido o exercício de culto nas liturgias fúnebres) e o ensino leigo nos estabelecimentos públicos de educação. Portanto, atrelada à liberdade de crença e consciência está a da proibição do ensino religioso nas escolas públicas, que reforçava a separação entre Estado e Igreja e visa à proteção das minorias religiosas (MAXIMILIANO, 2005, p. 223, 694). Entretanto, Barbalho (2002, p. 72) adverte que a expressão legal “estabelecimentos públicos” exclui as escolas particulares, e que estas poderiam ser leigas ou não, ou seja, representa a busca constitucional por garantir a atuação educacional de diversas confissões religiosas.

53 Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: §4º. A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

§5º. Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.

Comentando sobre esta questão envolvendo o §6º do artigo 72, Scampini (1978, p. 119) afirma, com efeito, que em consonância com a Constituição de 1891:

nos estabelecimentos não-oficiais os mestres têm o direito de ensinar doutrinas religiosas e cada uma das confissões pode criar escolas para o ensino de seus credos, uma vez que nelas tão grandemente se desenvolve e predomina o espírito de proselitismo e propaganda. É perceptível que a Lei Magna de 1891 prevê também grande autonomia às escolas privadas, que, de acordo com Lellis (2010, p. 149), são qualificadas como livres, assim, escapando da submissão aos atos administrativos.

A Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho, manteve a previsão de separação entre Estado e Igreja, mas passou a prever a possibilidade de cooperação entre Estado e religião em seu artigo 17.54 Outras importantes diferenças foram incorporadas na constituição de 1934 em relação aos temas ligados à religião, como, por exemplo, o reconhecimento do casamento religioso em seus efeitos civis e o ensino religioso55 admitido em escolas públicas. Na Carta Constitucional de 1934, aparece o ensino religioso como pertencente aos horários normais de aula das escolas públicas, de presença facultativa. Lellis (2013, p. 162) esclarece que “as escolas privadas continuam fora do regramento constitucional afeto ao ensino religioso e, por conseguinte, podem ou não oferecer o ensino religioso segundo determinada confissão ou igreja”. E reforça que, à época, os únicos requisitos para reconhecimento de escola privada pelo governo era a garantia de estabilidade e remuneração digna dos professores (artigo 50, f).

Por meio da consagração da livre iniciativa privada no ensino, a exemplo do que ocorrera no Brasil Império, estava garantida a liberdade de associação e criação de estabelecimentos privados de ensino desde que estas escolas restassem obedientes às leis federais, estaduais e municipais, a fim de que então fossem equiparadas às escolas da União, tornando possível expedição de diplomas e a progressão nos estudos (BARBALHO, 2002, p. 72-73).

54 Art. 17. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo

55 Art. 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.

Com poucas novidades no tema analisado, a Constituição autoritária de 1937, vale mencionar que ela recuou no tocante ao ensino religioso que deixou de ser obrigatório pelo Estado para permanecer como uma possibilidade (LELLIS, 2013, p. 162). Ainda que fosse implantada a disciplina, a matrícula permanecia facultativa. É o que afirmava o artigo 133:

Art.133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos. A Constituição de 1946 resgatou a cooperação entre Estado e Igreja com vistas ao bem comum, que havia sido estabelecida em 1934 e extinta em 1937. Assim, no artigo 31, III, V, b, estabeleceu a Constituição:

Art. 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

[...]

III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo;

[...]

V - lançar impostos sobre: [...]

b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;

Na Constituição de 1967 não ocorreram novidades significativas em seus textos no tocante ao tema da laicidade e o ensino religioso. No artigo 168, IV estabelecia ainda que o ensino religioso seria de matrícula facultativa dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio.56 Quando, em 1969, ocorreu a emenda constitucional, não houve mudanças referentes ao tema em questão desta pesquisa. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal vigente no Brasil, que declara em seu artigo 19, inciso I, ser o Brasil um país laico, como boa parte dos

56 Art. 168:

IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio.

atuais Estados Modernos, ao assumir este compromisso por meio da proibição de subvenção de qualquer religião.57

Além disso, no que diz respeito à relação entre religião e educação a Constituição prevê o direito de criação de estabelecimentos de ensino pela iniciativa privada (artigo 206, inciso III). Além disso, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), em seu artigo 20, prevê quatro classificações de instituições de ensino privado, quais sejam: particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. Destas, as confessionais são as que interessam a esta pesquisa, e são designadas pelo texto legal como aquelas instituições privadas de ensino que “atendem a orientação confessional e ideologias específicas”. Logo, a escola confessional tem a liberdade de ensinar contanto que estas instituições respeitem as normas gerais da educação nacional e demais princípios constitucionais, bem como se submetam à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, conforme previsão estabelecida no artigo 209 da Constituição Federal, como qualquer outro estabelecimento educacional.

Todavia, mesmo com a legitimidade constitucional da educação no âmbito privado, o tema do ensino religioso não é pacífico. A título de exemplo, menciona-se a opinião de que ensino religioso não deveria ser realizado nem mesmo em escolas confessionais.58 Por outro lado, muitas são as vozes de que a restrição ao ensino

religioso deve ser realmente no que se refere às escolas públicas, não havendo nada contra escolas confessionais que podem ministrar livremente o ensino religioso confessional em suas salas de aula (SILVA, 2005, p. 595; BASTOS; MARTINS,1989, p. 601).59

57 Mais uma vez existe a laicidade que proíbe aliança com a esfera religiosa, mas mitigada pelo interesse público, conforme se vê no texto do artigo 19, inciso I:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

58 Esta opinião é proferida por Antônio Joaquim Severino (2011). 59

Servindo de comparação, a Constituição de Portugal, de 1976 afirma em seu artigo 43.3 que “o ensino público não será confessional”, mas em contrapartida garante “o direito de criação de escolas particulares” (artigo 43.4). E os constitucionalistas Canotilho e Moreira (2007) reafirmam o preceito constitucional que “a não confessionalidade do ensino está prevista apenas para o ensino público [...] não obrigando, portanto, o ensino particular.”

Os princípios constitucionais do ensino, portanto, devem ser obedecidos pelas escolas privadas,60 refletindo-se por meio do respeito às ideias e crenças dos

alunos e professores, de maneira não discriminatória. Em contrapartida, também é direito da instituição ter seu ideário em seus aspectos religioso, filosófico ou de qualquer modo ideológico e conforme ao ordenamento jurídico pátrio (LELLIS, 2010, p. 243).

Na Constituição de 1988 existe, da mesma forma, a prerrogativa de escolha do estabelecimento em que matricular o aluno e pelo lado da escola a autonomia para o desenho filosófico, pedagógico e metodológico do ensino, já que a Lei Magna possibilita o “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (artigo 206, inciso III). Em resumo, é o que Miranda e Medeiros (2010, p. 936) apontam como fundamentos para a existência de escolas confessionais particulares: liberdade de escolha dos pais, liberdade de funcionamento dos estabelecimentos educacionais e o pluralismo que é decorrente da modernidade e marca do estado democrático.

Tendo estas liberdades em atuação, torna-se um desafio encontrar o ponto de equilíbrio para que, como diz Lellis (2013, p. 175) “não inviabilize o funcionamento e o alcance dos objetivos pelos quais a escola privada confessional foi criada e nem se viole à consciência de professores e alunos”.

Buscando apresentar uma solução a este desafio, Usera (2003), em comentário originalmente destinado à análise na Constituição espanhola, mas também aplicável ao tratamento que o tema recebe pela Constituição do Brasil, informa:

É óbvio que o direito dos pais de escolher o tipo de formação religiosa e moral que eles querem para seus filhos não pode opor-se ao centro privado, organizado ou não, que apresente um ideario próprio, posto que os pais são não obrigados a matricular seus filhos em um desses centros. Levar os filhos a estes centros demonstra certa adesão a seu ideário (tradução livre61).

60 Para compreensão mais ampla do tema dos princípios constitucionais afetos ao ensino, ver Lellis (2010).

61

O texto original é: “Es obvio que el derecho paterno a escoger el tipo de formación religiosa y moral