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CAPÍTULO 2 MODERNIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

2.3 PLURALISMO RELIGIOSO E MODERNIDADE

Como apresentado até aqui, um efeito decorrente da modernidade foi a quebra do controle institucional da religião, processo denominado como secularização. Contudo, de maneira quase paradoxal, tal fenômeno não extingue a religião da modernidade. Pelo contrário, juntamente com a secularização um de seus efeitos é o pluralismo religioso.38

Quando se percebe que a modernidade trouxe como uma de suas principais resultantes a quebra do monopólio dos bens religiosos, devido à secularização, é forçoso notar uma situação de concorrência e de de fragmentação e relativização da “verdade” e de pluralismo (OLIVEIRA, 2004, p. 9). Portanto, um fator fundamental da secularização reside no fato de que uma confissão religiosa não poder contar mais com o braço armado do estado para se impor aos cidadãos. Os monopólios cedem lugar à pluralidade de ofertas religiosas em condições de igualdade legal; a escolha religiosa é empurrada para a esfera da vida privada. Sendo assim, Ferreira (2008, p. 47 e 48) informa que o pluralismo religioso manifestado pelo aparecimento de movimentos religiosos tem levado a uma revisão na ênfase que a teoria da secularização concedeu à dimensão privada da religião.

Steil (2001, p. 116) chama a atenção também para a diversidade, que não contradiz a ênfase da socióloga francesa, mas torna complexo o campo religioso:

justamente por não ser religiosa, [a sociedade moderna] torna-se capaz de abrigar todas as religiões, sejam elas institucionais, como o

38 Para Pierucci (1997, p. 115) a pluralização religiosa é mais do que apenas resultado da secularização, é na verdade fator de crescente secularização.

catolicismo, o protestantismo, o budismo, o islamismo, sejam sistemas de crenças sem uma referência institucional definida ou visível [...]. A pluralidade e fragmentação religiosa, portanto, são frutos da própria dinâmica moderna. A secularização multiplica os universos religiosos, de forma que a sua diversidade pode ser vista como interna e estrutural ao processo da modernidade. A secularização e a diversidade religiosa estão associadas diretamente a um mesmo processo histórico que possibilitou que as sociedades existissem e funcionassem sem precisar estar fundadas sobre um único princípio religioso organizador.

Essa ligação entre pluralismo e secularização é comentada também por Hervieu-Léger (1989, p. 71-72). Ela analisa o pluralismo em duas dimensões: uma exterior, que ocorre no nível das instituições e grupos sociais, e outra interior, no nível da consciência:

Se devesse existir, de fato, um “moderno religioso”, mais firmemente delineado que se poderia supor, ele ou ela parece ser um conglomerado misto de crenças indeterminadas, como inalcançáveis sobras de reminiscências e sonhos que indivíduos organizam de forma subjetiva e privada, em relação às situações concretas com as quais eles são confrontados. O impacto disso sobre a sociedade é, no mínimo, problemático. Esse estado de atomização de sistemas de significação que caracteriza, de acordo com Thomas Luckmann, o “sagrado cosmos das sociedades industriais modernas”, está em direta relação com a ruptura do estável limite entre crenças e práticas [...]. A disseminação do fenômeno da crença moderna, por um lado, e o desvanecimento do limite sócio-religioso, fora do que estava construído através dos anos, uma cultura religiosa que atingiu todos os aspectos da vida social das sociedades ocidentais, por outro lado, são as duas inseparáveis facetas do processo de secularização, cuja trajetória histórica surge com aquele da própria modernidade.

Temos este mesmo ensinamento expresso por Rivera (2001, p. 129) ao afirmar que é típica do mundo moderno a pluralidade no que se refere ao cenário religioso, pois as pessoas devem exercer sua liberdade de escolher entre um grupo religioso e outro entre tantas alternativas. É por isso que se torna possível afirmar que o projeto da modernidade teve êxito em boa parte devido ao “apoio” protestante39. No dizer de Oliveira (2009, p. 29):

no protestantismo encontramos uma das marcas e efeitos da modernidade: o pluralismo, que pode ser considerado como produto,

39 Protestantes, no entender de Mendonça (2005) seriam aquelas igrejas originadas da Reforma no século XVI, ou aquelas que, “embora surgidas posteriormente, guardam os princípios gerais do movimento”.

em grande parte, da bandeira da liberdade de consciência e de expressão, que era defendida também nos meios intelectuais e políticos europeus desde a Renascença e desembocou no Iluminismo e na Revolução Francesa, no século XVIII.

O protestantismo estabeleceu-se historicamente, com seus pressupostos e práticas, na relação com a modernidade. Por esta razão, então, constitui-se em um elemento fundamental da modernidade e, de acordo com Ferreira (2008, p. 44), “em matéria de religião na modernidade predomina o protestantismo”, no sentido de que “no mundo moderno a religião é cada vez mais uma questão íntima, privada”. Desse modo, percebe-se que a contestação da autoridade eclesiástica oficial pelos reformadores protestantes do século XVI, fomentou o pluralismo (OLIVEIRA, 2009, p. 11) ao abrir espaço para outras fragmentações no campo religioso, o que inevitavelmente não ficou restrito à modernidade europeia, mas estendeu seus efeitos posteriormente também no Brasil.

Apesar destes avanços importantes, Machado (2009, p. 338, 339) afirma que o protestantismo não rompeu por completo com as concepções e práticas pré- modernas. Todavia, seu maior registro foi de ter deixado abertas as portas de forma definitiva para o advento do pensamento cartesiano e para a autonomia racional apregoada pela modernidade.

No contexto latino-americano e brasileiro a relação entre modernidade e protestantismo não ocorreu de maneira rápida. Para Rivera (2007, p. 50), o protestantismo “teve grandes dificuldades para se estabelecer”. A razão apontada para tal dificuldade foi a lenta modernização das sociedades latino-americanas que somente se deu “por meio da educação, da alfabetização e da conciliação de descobertas científicas e religiosidade”. Além disso, conforme este mesmo autor, o protestantismo que chegou à América Latina, incluindo-se o Brasil em meados do século XIX, já não era o mesmo protestantismo europeu do século XVI, haja vista que carregava consigo as influências do movimento petista do século XVIII e pelos avivamentos inglês e estadunidense.

Portanto, o Brasil que começou o Império no século XIX com pretensão de manter o monopólio da religião, com o avançar dos anos passou a viver a experiência de convivência de múltiplas religiões durante todo o século XX (MENDONÇA, 2003, p. 145). Tal mudança de realidade somente se tornou possível

graças às mudanças advindas no pensamento do período republicano, em especial a laicidade.